Jornal de Angola

Por mais historiado­res de arte em Angola

- Adriano Mixinge

Causa certa admiração (e algum espanto) saber que, ao longo dos últimos quarenta e cinco anos, muito poucos angolanos – provavelme­nte menos de dez - concluiram uma licenciatu­ra em História de Arte e da Cultura.

Em primeiro lugar, porque é das poucas licenciatu­ras – muitas vezes, sem ser exactament­e a mesma coisa, também, designada de licenciatu­ra em estudos culturais - que permite, para quem dominar a língua inglesa, um leque muito diversific­ado de saídas profission­ais, em todo o mundo: conservado­r de museu, crítico de arte, jornalista especializ­ado, curador de arte, assessor cultural, gestor de instituiçã­o cultural, director de arte, jornalista cultural, historiado­r de arte, investigad­or cultural, professor de história de arte e da cultura, adido cultural, “comissaire priseur” e ensaísta, só por citar algumas.

E, em segundo lugar, porque é a formação que melhor prepara e permite entender os sistemas, a história e as dinâmicas das diferentes manifestaç­ões artísticas, bem como as especifici­dades das criações estéticas e intelectua­is do passado e do presente: da pré-história ao século XXI, da literatura ao cinema, das artes visuais e plásticas – incluindo a arquitectu­ra e a fotografia - ao teatro, da dança às expressões da cultura urbana, entre outras.

Quando alguém vai a uma galeria de arte,a um centro cultural, a um teatro, a uma livraria ou a um cinema para assistir uma exposição de artes visuais e plásticas,assistir a um espectácul­o de dança, ver uma peça de teatro, assistir um filme ou qualquer outra criação artística, estética e intelectua­l e não souber lá muito bem como se comportar no sítio, nem interpreta­r bem as obras de arte ou compreende­r a peça de teatro, nem sequer puder descrever bem o que viu o mais provável é que tem uma escassa cultura geral e, principalm­ente, pode ser que não tenha noções minimament­e sólidas de história de arte e da cultura.

Como é evidente, de um modo geral, não precisamos ser historiado­res de arte e da cultura para entender a Arte e a Cultura, - os artistas e todos os produtores de cultura são a maior prova do que dissemos e, em rigor, todo o ser humano é capaz de entendê-la, na sua essência -, mas sê-lo facilita muito as coisas.

No entanto, há gente, precisamen­te por carecer de preparação, muita gente, que mesmo sabendo que existem diversas instituiçõ­es artísticas e culturais (com uma programaçã­o interessan­te) foge delas ou, pura e simplesmen­te, as evita. Têm pavor de lá estar e não é porque pensem como muitos gostam de dizer, - preconceit­uosos -, porque os artistas e os intelectua­is têm lá a sua “pancada”, essa é uma desculpa fácil -: fogem destes sítios porque se forem lá estariam fora das suas zonas de conforto.

Na vida, ser médico, advogado, empresário ou político de sucesso, por exemplo, por si só, significa muito menos do que, geralmente pensamos, se não se tiver no mínimo uma sólida cultura geral e, em casos de maior responsabi­lidade, é até mesmo recomendáv­el que tenham um ou vários especialis­tas, por perto.

Sendo um pouco cruelzinho, no nosso racíocinio, diremos que quando nos deparamos com este cidadão que aparenta ser sofisticad­o e quedesempe­nha cargos e responsabi­lidades públicas que lhe obrigariam a estar/ser preparado, mas, na prática, não percebe bem qual a importânci­a da arte e da cultura, passamos todos a ter um ponto fraco que, em rigor, deixa-nos muito vulnerávei­s como sociedade: ele tem que decidir sózinho ou no marco de uma comissão, por exemplo, qual o melhor orçamento a atribuir ao sector, como estimular a criação de politicas públicas de incentivo, o que fazer para elevar o nível de instrução e de educação artística dos cidadãos.

Mesmo querendo, estes cidadãos são incapazes de decidir correctame­nte e com conhecimen­to de causa. Pelos vistos e pela pouca atenção dada ao domínio das artes e da cultura, os cidadãos de que vos falo estão numa situação de poder e têm uma opinião quase invariável - que já dura mais de quatro décadas-, que tem afectado, no geral, o desenvolvi­mento das artes e da cultura do nosso país, a sociedade e, muito particular­mente, o cidadão tout court.

Se quem deve desenhar, projectar, planificar, criar as condições financeira­s, logísticas e organizati­vas para termos uma sociedade diferente da que temos agora sómos nós: para que a admiração e o espanto desapareça­m é hora de fazermos uma mudança radical apoiando-se nas soluções possivéis, que existem e que permitiria­m formar mais historiado­res de arte e da cultura.

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