África: Os Desafios da Construção dos Estados/Nação.
No ano de 2006, aquando da 1ª participação de Angola na COPA do Mundo de Futebol, ocorrida na Alemanha, escrevemos para o “Jornal de Angola” um artigo publicado em duas partes sob a denominação “O Futebol e o Estado-Nação em África”, onde procuramos evidenciar como o futebol poderia desempenhar um papel importante na formação da Nação, nos países africanos da região sub-sahariana.
Nessa altura, fruto da importância que o futebol tem na mobilização e união dos povos em geral, referimos que as estrelas internacionais africanas de futebol, com destaque no futebol europeu, eram líderes de vastas comunidades de concidadãos nos seus países e poderiam aspirar a serem futuros líderes políticos, nos países de onde eram originários.
Cerca de uma década após a publicação desse artigo, em 2017, a Libéria elegeu, como Presidente da República, a estrela mundial de futebol George Weah, que foi eleito melhor jogador do mundo pela FIFA no ano de 1996, com 30 anos de idade.
Ospaísesafricanos,incluindo onossopaísAngola,vivemgrandes desafios na luta pela sua afirmação como países independentesesoberanos,num contextointernacionalcomplexo e com riscos de regressoaosconflitosétnicos, religiosos e fronteiriços.
Os recentes conflitos internos da Etiópia, da República Centro-Africana ou a situação mais preocupante da República Democrática do Congo (ex
Zaire) onde se revivem momentos de instabilidade, que continuam por resolver e que ameaçam a estabilidade dos 8 países que com ele fazem fronteira, mas todos com menor dimensão que os 2.511km com Angola.
Os limites fronteiriços não parecem hoje pôr em causa a afirmação da soberania e integridade territorial da maior parte dos países africanos sub-saharianos, decorrente do respeito pelas fronteiras herdadas da ocupação colonial, em que a Eritreia constitui uma excepção a essa realidade
Mas se a soberania territorial parece inquestionável, à luz do direito internacional, o desafio da identidade e unidade nacional, inerente à constituição de um Estado-Nação é um processo, ainda, em formação e com grandes desafios a vencer.
A existência de um Presidente da República, de uma bandeira, de um hino nacional e de uma moeda são referências importantes, mas insuficientes para a formação de um Estado-Nação, em função da realidade sóciohistórica dos países da região sub-sahariana de África.
As fronteiras artificiais dos países africanos, decorrentes da Conferência de Berlim, realizada em 1884 e 1885, que marcou a divisão territorial da África pelas principais potências colonizadoras, dividiu antigos reinos, como o Reino do Congo, que agrupava, o que é hoje, parte dos territórios da República de Angola, da República do Congo (Brazzaville) e da República Democrática do Congo ( Kinshasa).
Apesar dos colonizadores terem encontrado reinos organizados, como o Reino do Congo, o Reino Ashanti, no Gana, ou o Reino de Monomotapa, no actual Zimbabwe, e tantos outros, a verdade é que essa unidade política, de aglomerados populacionais sob administração de um poder político foi destruída pela ocupação colonial.
Esta ruptura das comunidades políticas anterior à colonização, que não podia ser recuperada com a ascensão desses territórios à condição de países independentes e soberanos, e por isso não permitiu, como aconteceu em diversos países da Europa, que houvesse uma solução de continuidade geográfica, cultural, sociológica e política.
Os lideres nacionalistas africanos, como Jomo Kenyatta, Leopold Senghor, Kwame Nkrumah e Agostinho Neto, tiveram a responsabilidade de congregar sob a mesma bandeira, o mesmo hino nacional, a mesma moeda e as suas lideranças politicas, diversos grupos populacionais, com diversidades culturais, étnicos e linguísticas.
Nos países que ascenderam à independência com processos de luta armada, como foram os casos da Argélia, da Guiné Bissau, de Angola e Moçambique, a guerra agrupou nacionalistas e guerrilheiros dos diversos grupos étnicos e colocou temporariamente esses países numa condição mais favorável à unidade nacional e menos expostos aos conflitos étnicos.
Nesse contexto histórico, o desafio da fundação de um substrato espiritual, cultural e sociológico inerente à criação de factores duma identidade nacional, necessários à formação de uma Nação e, ao mesmo tempo conseguir o desenvolvimento económico e social inclusivos, foram e continuam a ser grandes dilemas das elites políticas dos países africanos, na região sub-sahariana.
Mas o que é a Nação??? O que caracteriza a base de constituição ou formação de uma Nação???
A Nação é algo não material, e por isso um sentimento espiritual que une e identifica as pessoas e lhes dá o sentimento de pertença a uma comunidade politicamente organizada, num espaço territorial reconhecido, pela comunidade internacional, como um Estado livre e soberano. São os valores sócio-culturais, linguísticos e sobretudo históricos que constituem o substrato ou a base de uma Nação.
A partilha de um passado comum na história dos membros dessas comunidades, a língua ou ainda a religião, foram factores estruturantes na formação da Nação moderna que, em todo o mundo, passaram a integrar um determinado espaço territorial, sob a mesma administração política, representada pela Monarquia ou pela República.
As barreiras físicas que representaram as florestas densas e hostis, e a reduzida navegabilidade dos rios, com excepção dos rios Nilo e do Congo, não permitiram à região da África sub-sahariana criar os grandes espaços de circulação de pessoas e bens e criou uma reduzida pressão demográfica sobre os vastos territórios que ocupavam.
Em face dos obstáculos que representa o meio geográfico, os povos da África subsahariana ocupavam grandes espaços territoriais, mas sem comunicação com muitos dos seus vizinhos, onde a identidade étnica e cultural era o factor principal de pertença a uma determinada comunidade politicamente organizada em reinos, sobados ou outras formas.
Para além das barreiras físicas naturais, as barreiras linguísticas e o fraco desenvolvimento do comércio não permitiram que essas comunidades evoluíssem para reinos mais fortes e organizados, como aconteceu no Egipto.
A ocupação colonial na região sub-sahariana do continente africano, iniciada no sec. XV e XVI, deu lugar a uma ruptura dos sistemas de organização política existentes e ao aproveitamento das diferenças étnicas para potenciar conflitos entre as diferentes comunidades, que culminou com a criação de diferentes colónias, com fronteiras artificiais.
Neste percurso histórico e porque a colonização da região da África sub-sahariana, com rara excepção de países como a Etiópia que nunca foi colonizada ou a Libéria (criada artificialmente para receber afro-americanos), durou cerca de 5 séculos, a resistência política e cultural à colonização constitui o património político e histórico mais importante desses povos.
A história da luta política e em alguns casos a luta armada pela independência desses povos é o elemento que forja e congrega a nova identidade desses diferentes grupos étnicos, que passam a ter simultaneamente uma língua de comunicação trazida pelo colonizador, com excepção dos povos da África oriental que têm no swaíli um raro património linguístico anterior à colonização.
É incompreensível que as elites políticas, e não só, dos países africanos da região sub-sahariana não tenham impulsionado o estudo e difusão desse património histórico, como parte nuclear da identidade nacional, para ser transmitido às novas gerações.
Neste ambiente, as divisões e conflitos étnicos não só se mantiveram, como, não raras vezes, deram lugar a conflitos militares, de que, as tentativas de separação do Biafra na Nigéria e do Catanga no ex-Zaire, hoje Congo Democrático, e posteriormente a separação da Eritreia da Etiópia, foram os casos mais expressivos dessa conflitualidade.
O fim da “guerra fria” com a queda do “muro de Berlim” em Outubro de 1990, marcou o início de uma nova fase de hegemonia económica da economia de mercado e da democracia ocidental multipartidária.
À manutenção das fracturas étnicas, sem a consolidação dos respectivos Estados, juntou-se a luta políticopartidária que, na maior parte dos países da África Sub-sahariana, assenta numa base étnica, incontornável pelas insuficiências verificadas no desenvolvimento económico e social desses países.
O modelo de democracia importado do ocidente, longe de ser uma fonte de unidade e de contribuir para a construção de Nação, tem servido para que a maioria dos partidos busquem nos diferentes grupos étnicos, as suas bases de apoio, agravando o potencial de regresso a velhos conflitos.
Numa perspectiva histórica, trata-se de um novo modelo de organização política importado e de que as elites africanas ainda não conseguiram adaptar à realidade sócio-cultural e étnica dos seus países.
Em pleno século XXI, a maior parte dos países africanos da região sub-saharianos, debatem-se com fracturas étnico-culturais, agravadas com as divisões de natureza politico-partidária que, ainda, condicionam a formação dos Estados-Nação, onde cada pleito eleitoral é um factor de tensões políticas e sobretudo étnicas.
O que poderão as elites políticas, religiosas, académicas, empresariais, culturais e desportivas fazer para se vencer essas barreiras e criar as bases seguras de um Estado-Nação nesses países?
Iremos dar o nosso modesto contributo, na 2ª parte deste artigo, que será mais uma reflexão do que qualquer tentativa de encontrar uma solução, que, pela sua complexidade, exigirá a reflexão dos diversos membros dessas elites.