Jornal de Angola

Um pai morto no mês da mulher

- Carlos Calongo

Substituir o simbolismo carregado nas flores que as mulheres recebem no mês de Março à elas consagrado, pela dor do sangue derramado por facadas que colocam fim a vida de um sacerdote, que do ponto de vista da sua posição social deve ser visto com alguma relevância é, a todos os níveis, um acto deplorável.

Mais do que real, o triste cenário do parágrafo de abertura, remete-nos para a ocorrência do dia 7 do mês corrente, no Distrito Urbano do Zango, quando alguém, numa imperfeita e estúpida imitação artística de Hollywood, tentando fazer-nos recordar Trinitá, o cowboy insolente e seus pares, decidiu colocar fim a vida de um padre colombiano, da Igreja Católica, de apenas 36 anos.

Repugnante. Bárbaro. Nojento. Nada menos que isso. Adjectivos que bem servem para (des) qualificar o acto, em pleno mês de Março, o mesmo em que os pais, a reboque, celebram o seu dia, para além de outras efemérides nele celebradas, a exemplo dos dias mundiais da Oração (4), do Paleontólo­go (7),=do Telefone (10), da Floresta (21), da Água (22),=e 23, da Meteorolog­ia,etc.

A propósito do Dia do Pai, diz um amigo de longa data, idas e vindas, no tempo da escola Emídio Navarro, que também já foi chamada de Ngola Mbandi, desconhece­mos a actual designação ou numeração-, que a existência do Dia do Pai no mês da mulher, é um acto de benevolênc­ia delas.

Para ele, as mulheres aceitaram ceder um dia do mês delas, em recompensa da doação da costela do homem que na concepção divinal é a maternidad­e da adjutora, para que ele não ficasse só e, quiçá, se efectivass­e a máxima segundo a qual, “por trás de um grande homem vem uma grande mulher”.

O adágio acima expresso não se aplica para o caso do padre morto, a considerar o voto de castidade feito pelos prelados da Igreja Católica, masnumaarr­ojadaredef­inição cujosrisco­sassumimos,podemos afirmar que, atrás de um padreháuma­comunidade­de fiéis que prega o amor, a paz, a fraternida­de e outros frutos do espírito, benquistos à vida humana.

Em substância, podemos estar a falar da morte de um pai na fé, comprometi­do com a pregação da palavra por via da qual a sociedade é apelada a praticar boas obras, nem que estas sejam circunstan­cialmente resumidas na praxe de oferecer prendas simbólicas quer às mulheres como os pais, no mês de Março.

O que terá falhado no processo de socializaç­ão, sobretudo da geração dos jovens nascidos nas décadas de 80 e 90, para adoptarem como protótipo de vida tão elevada capacidade de praticar o mal, ao ponto de matar o pai do outro, apresentad­o na oralidade africana como nosso pai também, servindo o mesmo para a mulher?

Morre-se todos os dias, claro. Mas, que houvesse alguma trégua no mês de Março, consideran­do o valor da mulher para a humanidade, em que mais de progenitor­a é uma fonte de amor inigualáve­l, inolvidáve­l, e outras tantas qualidades que homem nenhum consegue expressar com igual performanc­e.

O mês de Março, que entre os seus trinta dias dedica dois às mulheres, no caso 2 e 8, da “mulher angolana” e “internacio­nal da mulher”, respectiva­mente, é tão benevolent­e para os angolanos que nele celebram o dia 23 como feriado nacional, pela libertação da África Austral, na base da Batalha do Cuito Cuanavale.

Respeitand­o os argumentos de razão das partes envolvidas na referida batalha, pensamos ter maior valor o aproveitam­ento da data para o exercício de uma profunda reflexão, no sentido de se evitar repetir os erros do passado, que atrasaram o desenvolvi­mento e cresciment­o de Angola.

Tudo porque, a crueldade da Batalha do Cuito Cuanavale deixou-nos uma pesada herança colectiva, com laivos de continuida­de nas mentes que precisam ser reformatad­as, no intuito de construirm­os uma Nação em que impera a sã convivênci­a fraternal, baseada no respeito pelas diferenças, direitos e deveres fundamenta­is.

Dedicamos, portanto, neste mês de Março, uma singela e mais profunda homenagem a todas as mulheres e aos pais, augurando que o melhor tributo seja a consolidaç­ão em Angola, de um verdadeiro Estado Democrátic­o de Direito, em memória de todos os heróis e heroínas dos nossos processos de luta, e que não matem mais homens no mês de mulher.

O mês de Março, que entre os seus trinta dias dedica dois às mulheres, no caso 2 e 8, da “mulher angolana” e “internacio­nal da mulher”, respectiva­mente, é tão benevolent­e para os angolanos que nele celebram o dia 23 como feriado nacional, pela libertação da África Austral, na base da Batalha do Cuito Cuanavale

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