Jornal de Angola

As lições da Covid-19 nos serviços públicos

- Adebayo Vunge

Faltam-nos estudos para aferir, com exactidão, o que se terá passado entre nós, mas de uma maneira geral em relação ao continente africano. Há um ano, a Organizaçã­o Mundial de Saúde mostrava-se exasperada com o que poderia suceder em África tendo em conta as fragilidad­es estruturai­s e a ausência de sistemas de saúde, na verdadeira acepção da palavra ou pelo menos como lhe conhecem os ocidentais, tendo como paradigma o britânico NHS.

Mas se as coisas correm-nos a preceito, em primeiro lugar deixo uma palavra de apreço e encorajame­nto público em particular à liderança do Ministério da Saúde que, contra tudo e todos foi firme nas medidas que deveríamos seguir e o tempo está a dar-lhe bastante razão. Isso não significa que alguns aspectos não tenham sido menos bem-sucedidos e pomo de alguma discórdia. Como diz o ditado, só não erra quem não trabalha. E acho bastante prudente que possamos socorrer-nos de um outro adágio: a César o que é de César. Por isso, é justo que olhemos de forma desapaixon­ada ao que se está a passar entre nós, comparando-nos ao que se passa com os nossos vizinhos, para não irmos tão longe.

É neste contexto que encaramos igual optimismo os números da vacinação. O mundo está em velocidade cruzeiro, numa corrida contra o tempo para vacinar o maior número de pessoas. Nos últimos dias falava-se em cerca de 350 milhões de vacinados, mas apenas 81% integralme­nte vacinados, o que correspond­e a cerca de 1% da população mundial.

É impression­ante a forma como a Administra­ção Biden assumiu o tema e está a dar-lhe outra pujança. Por isso, os números da vacinação nos Estados Unidos da América andam à volta dos 105 milhões. Houve crush em alguns sistemas de cadastrame­nto, mas nota-se uma administra­ção empenhada em resolver o problema. As farmácias foram adicionada­s à equação e o resultado está à vista de todos. No fundo, tal como o apelo de Lula da Silva ao Presidente Bolsonaro para que este se deixe vacinar, a verdade é que a estupidez anda no descampado.

Também aqui é ou foi importante que alguns líderes políticos aceitassem a exposição da sua vacinação como forma de conter os cépticos movidos pela teoria global da conspiraçã­o, muitas vezes apelidados de negacionis­tas, mas também os cegos que são movidos exclusivam­ente por agendas políticas. Nessa hora, como assinala um dos mais notáveis historiado­res do nosso tempo, Yuval Noah Harari, num verbete publicado em vários jornais de referência mundial, nos últimos dias, “infelizmen­te, demasiados políticos não estiveram à altura dessa responsabi­lidade (…) A negligênci­a e irresponsa­bilidade dos governos Trump e Bolsonaro resultaram em centenas de milhares de mortes evitáveis”.

Ora, a nossa realidade tem vindo a demonstrar exactament­e o contrário. Quiçá consciente­s das nossas fragilidad­es, o confinamen­to e as medidas de segurança ajudaram a atenuar os números. É verdade também que nos últimos dias temos sentido um grande relaxament­o por parte das pessoas no cumpriment­o das medidas mínimas de segurança…

Contudo, não podemos deixar de referir o trabalho ao nível do Plano Nacional de Vacinação contra a Covid-19 que nos últimos dias tem vindo a “atacar” os grupos populacion­ais mais vulnerávei­s – pessoal da saúde, forças de defesa e segurança, idosos e cidadãos com as comorbilid­ades graves, numa primeira fase apenas em Luanda, mas é crível que tão logo haja um aumento dos stocks venhamos assistir a uma massificaç­ão do processo com vacinas também adquiridas com fundos próprios, ou seja, fundos do nosso Orçamento Geral do Estado. As ajudas e a solidaried­ade internacio­nal são importante­s, mas é vital que o Estado angolano sinalize o seu engajament­o em assegurar um serviço público de saúde mediante um investimen­to próprio. É lastimável que o “nacionalis­mo de vacinas” esteja a condiciona­r o avanço dos números da vacinação em muitos países africanos particular­mente porque se encontram com dificuldad­es de aquisição de vacinas. De resto, é interessan­te o conceito do pré-registo para a vacina. O resultado poderia ser ainda mais preciso com a indicação da hora, local, mesa de atendiment­o, etc. Mas vale pelo começo. A tecnologia ao serviço dos sistemas trazem eficiência.

Continuo finalmente a insistir na necessidad­e de retirarmos lições da forma como gerimos a pandemia. Lições que nos permitam olhar outros aspectos da nossa vida a começar na própria saúde, passando pela justiça e outros serviços. Afinal, com base numa marcação de call-center ou reserva num website podemos receber melhores serviços, livres de enchentes que se regista nos postos para obtenção do Bilhete de Identidade ou da carta de condução e outro stress que dão azo às “gasosas”. O que nos falta para levarmos à sério as lições da Covid-19?

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola