O 15 de Março na voz dos protagonistas
Inúmeros colonos belgas, fugitivos da revolta independentista, no então Congo Leopoldoville, em 1960, passavam pela vila de Kitexi, usando os corredores de Ambuíla e Uíge. Quando cá chegassem descreviam a situação caótica da sublevação popular no Congo, protagonizada por apoiantes de Lumumba.
José António Kidimbo, 92 anos, foi cozinheiro do chefe do posto de Kitexi. Conta ter ouvido várias conversas sobre o que se passava no Congo, que eram relatadas pelos fugitivos belgas. “Um dia, ouvi um deles, que falava português, a explicar ao meu patrão que havia uma grande confusão no Congo e que os angolanos podiam copiar o que estava a se passar lá”.
Um outro, segundo José Kidimbo, enfatizava que a revolução de Lumumba tarde ou cedo chegaria a Angola e seria melhor que se precavessem de uma possível insurreição, como dos outros lá no Congo.
Na verdade, disse, nos dias subsequentes foram assistindo a cenários de temor e desconfiança por parte dos colonos em relação aos negros e vice-versa, tendo também em conta o permanente clima de confrontações entre os povos Ndembos e colonos, desde que estes se estabeleceram no território.
Tempos depois começaram a chegar aos povoados a informação segundo a qual os sobas e os regedores deveriam seleccionar os jovens, que tivessem alguma escolarização, os catequistas e outros emancipados e encaminhálos à administração no dia 20 de Março de 1961.
Norbel Vasconcelos, 78 anos, conta que os colonos começaram, depois, a pedir que cada aldeia dispensasse uma pessoa para a construção de uma suposta vedação nas imediações do ainda existente Lago do Feitiço, onde, como diziam, realizariam uma grande festa.
Domingos Cardoso é citado, na narração de José Kidimbo, como sendo um dos mensageiros enviados pelo chefe do posto para transmitir a decisão, recebida com muita apreensão pelos nativos, principalmente por aqueles que já mantinham contactos com os activistas políticos que chegavam do Congo, desde 1958. Estes, já se faziam acompanhar de panfletos, em que ressaltavam palavras como “somos angolanos, temos de sair da escravatura, os outros no Congo já estão livres, nós também teremos de lutar para a liberdade”.
Os panfletos estavam escritos em Kikongo. “Por isso, só podiam ser lidos por jovens que possuíam já a 4ª Classe, que era a classe final naquela época, assim como pelos pastores da igreja, sigilosamente seleccionados. “Nem todos podiam tomar conhecimento da presença dos mobilizadores nem do trabalho que realizavam”, lembra.
De acordo com Ernesto Augusto Kabelami, os panfletos, a que os entrevistados chamavam por jornais, vinham dissimulados em lanternas ou em folhas de kikuanga, alimento feito a partir da mandioca.