“Não devemos ver a agricultura familiar como sinónimo de atraso”
Por que a agricultura foi deixada para trás pelo Governo e pelas lideranças políticas em geral desde1975,équemesmodurante o conflito armado teria sido possível fazer melhor em determinadas zonas do país, para agora ressurgirem pelo menos as retóricas de relançamento do sector? A prioridade, numa primeira fase, não deveria ser a agricultura familiar?
Mais uma vez gostaria de referir que a abordagem que estamos a ter em relação à agricultura e à produção nacional em geral não é apenas discursiva. Não é mera retórica. Trata-se de uma atitude governativa bem focada e assente em políticas públicas consistentes e coerentes. Desde que conquistamos a independência nacional, em 1975, o país passou por diversas etapas, caracterizadas por diferentes políticas públicas sobre os mais diversos aspectos da vida nacional. Algumas destas políticas tiveram uma elevada eficácia e alcançaram os seus objectivos. Outras não tiveram o mesmo mérito. Esta é a dinâmica da vida. Para nós, o mais importante é a capacidade que sempre tivemos de em cada etapa analisar os problemas, reconhecer o que não esteve bem e introduzir as mudanças que se impuserem para que possamos atingir aquilo que pretendemos.
Nesse caso, que mudanças devem ser introduzidas no sector Agrícola?
Para nós, não restam dúvidas de que a agricultura é a base do desenvolvimento do país. A agricultura é a base para o aumento da produção nacional e para a substituição de importações, sobretudo de bens alimentares com vista a garantir a segurança alimentar e reduzir os níveis de pobreza nas zonas rurais. Dentro do sector da Agricultura, a prioridade recai efectivamente na agricultura familiar, que é responsável por mais de 80 por cento de toda a produção agrícola nacional. A agricultura familiar é praticada maioritariamente pelas famílias locais. No entanto, não devemos ver a agricultura familiar como sinónimo de atraso. Ou como uma agricultura praticada por camponeses pobres e com pouco impacto no sistema produtivo nacional.
Mas ainda é uma ideia que resiste em diversos quadrantes. Devemos ver a agricultura familiar como uma actividade que usa os conhecimentos científicos, técnicos e tecnológicos para aumentar a sua produtividade e a sua eficiência, a fim de produzir mais e melhor, satisfazer as necessidades nacionais e gerar excedentes para exportar. Por isso, o Executivo aprovou o Plano Integrado de Aceleração da Agricultura e Pesca Familiar para o período 2020-2022. O objectivo deste plano é exactamente o de aumentar a produção e os níveis de produtividade da agropecuária e das pescas familiares. O fomento do comércio rural, com base nas forças do mercado, é uma componente muito importante, que prevê a venda de meios de transporte aos operadores económicos que já fazem a intermediação comercial entre o campo e os centros de consumo. Esta medida terá um grande impacto no que respeita à melhoria da comercialização dos produtos do campo e terá certamente repercussões nos preços dos produtos agropecuários nacionais. Os principais beneficiários serão os consumidores nacionais.
Qual a evolução da produção agro-pecuária relativamente aos anos anteriores?
Sobre 2021 ainda não podemos falar porque a campanha agrícola está ainda em curso. Quanto a 2020, já referi que a produção agrícola terá crescido em cerca de 5 por cento. Para ser mais preciso, os dados preliminares em nossa posse indicam que o sector terá crescido 5,5 por cento em 2020. Ainda não é a cifra que todos nós desejaríamos, mas para um ano tão difícil como foi o de 2020, consideramosqueéumfeitoassinalável. Muito assinalável mesmo. Basta lembrar que, em 2020, a economia angolana em termos globais viveu um momento de recessão, com um crescimento negativo de cerca de 5 por cento. Mesmo assim, o sector da Agricultura logrou ter um crescimento positivo. Não há dúvidas de que estamos no bom caminho e aqui gostaríamos de manifestar o nosso profundo reconhecimento pela resiliência e alto nível de motivação e dedicação dos nossos camponeses e de todos os empresários do sector Agrícola que operam no nosso país.
Qual o peso da agricultura familiar no conjunto da produção agrícola nacional?
Disse há pouco que a produção agrícola familiar representava mais de 80 por cento de toda a produção agrícola nacional. Para ser mais preciso, a agricultura familiar representa 84 por cento da produção agrícola nacional e os restantes 16 por cento são provenientes da actividade agrícola empresarial.
A formulação constitucional sobre o acesso à terra (“a terra é originária do povo”) é um entrave ao investimento na agricultura e no país em geral ou o problema não é tanto a formulação mas as leis, regulamentos, a actuação institucional e a forma como funciona a administração pública?
Temos ouvido vários pronunciamentos sobre esta matéria. São evocadas várias razões que ainda constrangem o uso eficiente da terra como um activo ao dispor dos agentes económicos. O debate quando é objectivo e sistematizado é sempre muito salutar. É dele que vêm muitas ideias inovadoras que nos ajudam a resolver problemas concretos. A Lei de Terras está em fase de actualização e creio que é este o momento privilegiado para se desenvolverem todas as discussões à volta deste assunto, incluindo os aspectos relacionados com os procedimentos administrativos ligados a esta problemática.