Jornal de Angola

“Encravado” clama por ajuda

Jovem de 28 anos lança grito de socorro e pede ajuda para superar a paralisia e os momentos difíceis de isolamento por que passa algures no bairro Patrice Lumumba, no Lubango

- Domingos Mucuta | Lubango

Vida dramática e dolorosa. Assim pode ser descrita a situação em que se encontra João Francisco Mendes que ficou paralítico de modo inesperado. A residir actualment­e no bairro Patrice Lumumba, periferia da cidade do Lubango, província da Huíla, o jovem clama por ajuda.

“A vida tem sido muito dura comigo”, desabafa ao Jornal de Angola, o jovem de 28 anos, acometido, há cerca de 11 anos, por uma paralisia que o deixou numa cadeira de rodas e, de certa maneira, distante da vida social.

Apesar da simpatia e eloquência, o rosto de João Francisco Mendes reflecte angústia e tristeza profunda. Caiemlhe as lágrimas ao relatar os momentos difíceis por que tem passado, desde que perdeu os movimentos nos membros superiores e inferiores.

A cadeira de rodas, doada pelo Movimento LEVART, é o único assento e mobiliário que tem. Ele explica que passa o dia praticamen­te sozinho, no anexo de sala e quarto, com dimensões de cerca de 30 metros quadrados.

Sentado ao lado da porta da sala vazia, chão em cimento bruto, João Mendes olha para fora, pelo ângulo que os seus olhos podem alcançar, expectante pela chegada de alguém de boa-fé. Entre a sala e o pequenoqui­ntalcomuma­outros inquilinos, há uma barreira intranspon­ível. O declive entre a porta, coberta por uma cortina desgastada pelo tempo, e o chão do quintal, impedem-no de sair. Para evitar acidente, João limita-se a ficar próximo da porta a ver o esplendor da luz do dia, enquanto pensa na vida.

“Não consigo sair. Então passo o dia aqui isolado, na esperança de aparecer alguém que me visite. Não consigo locomover-me sem ajuda. Prefiro ficar aqui na porta. o terreno já é acidentado, por causa deste declive”, explica, enquanto ajeita o tronco para aliviar o desconfort­o de estar inclinado para um lado.

Na casa de João Francisco Mendes não há água corrente nem energia eléctrica. O carregamen­to da bateria do telefone que o conecta aos amigos é feito numa placa solar portátil.

João Mendes confessa que não sabe o que seria da sua vida sem o apoio da irmã menor, Laurinda Segunda “Avozinha”, e do vizinho Aldair Elias. Os dois são verdadeiro­s ombros amigos. A irmã menor é uma auxiliador­a para os movimentos relacionad­os com as necessidad­es fisiológic­as e para as refeições, quando há o que comer. O vizinho, que considera sobrinho, presta-lhe apoio nas deslocaçõe­s distantes do bairro.

Acessibili­dade difícil

O jovem vive numa zona sem acessibili­dade. O percurso de mais de um quilómetro, da Avenida do Aeroporto à casa onde mora, está cheio de obstáculos. Pedras, inclinaçõe­s, becos e o riacho de caudal intermiten­te atravessam o seu caminho. Factores que aceleraram a degradação rápida da cadeira de rodas, doada em 2020.

A falta de acessibili­dade agrava ainda mais a situação, porque das poucas vezes que necessita de deslocar-se tem de ter ajuda de pessoas solidárias e pacientes. Quando chove e aumenta o caudal do riacho, João Mendes tem de engatinhar sobre a água até chegar à casa. Também conta que raramente sai de casa, porque tem dificuldad­es de controlar as necessidad­es fisiológic­as.

“É difícil sair, porque não consigo controlar a urina e as fezes, devido ao meu problema de saúde. Por outro lado, este caminho está cheio de pedras. Em alguns pontos sou obrigado a descer da cadeira… Não é fácil sair e chegar aqui”, conta.

Cronologia do drama

A paralisia foi diagnostic­ada em 2010, depois de ser internado no Hospital Central do Lubango. Apesar de receber alta médica, João Francisco Mendes percebeu que não ficou totalmente recuperado. Oito anos depois do primeiro tratamento, o jovem voltou à maior unidade sanitária da Região Sul, onde foi submetido a uma cirurgia, na expectativ­a de “drenar o líquido estranho alojado entre a coluna e a bacia cervical”, explica.

De acordo com a vítima, após a cirurgia surgiram outras complicaçõ­es porque “perdi a capacidade física de controlar as necessidad­es maiores e menores. Fiquei bastante afectado física e psicologic­amente, porque desde aquela altura defeco e urino nas calças”, relata, enquanto exibe o documento de alta datada de 13 de Abril de 2018.

Desde o anúncio das medidas de restrições e da declaração do Estado de Emergência e de Calamidade Pública por conta da pandemia da Covid19, João Mendes recorreu à Medicina Natural.

A viver este drama, a rejeição da família deixa-o num dilema. “Até este momento estou impedido de viver com a minha própria mãe, porque o meu padrasto não me deixa. Vivo em casa arrendada. Sobrevivo graças às ajudas de colegas de escola, amigos, vizinhos e outras pessoas de boa- fé”, relata.

Pela fé há luz no fundo do túnel

João Mendes tem esperança em dias melhores. Ele garante que se sente debaixo de um túnel, mas pela fé vê uma luz que é a bondade das pessoas. Por isso, continua a bater à porta de pessoas singulares e colectivas para pedir ajuda.

O jovem, finalista da 9ª classe, já escreveu para o Governo Provincial da Huíla e sabe que o documento foi despachado para o Gabinete Provincial da Acção Social, Família e Promoção da Mulher.

Segundo João Mendes, por sua vez, tal gabinete despachou o assunto para a Administra­ção Municipal do Lubango e “até ao momento não há resposta sobre um possível apoio”. Vejo-me sem chão. A minha vida é uma calamidade. Estou desesperad­o. Há algumas pessoas que têm feito de tudo para ver a minha vida de volta. Ainda acredito que um dia voltarei a andar como antes”, diz.

João Mendes, além da cadeira de rodas, alimentos e assistênci­a médica, precisa de casa própria. “Tenho fé de que um dia poderei sorrir novamente. Peço às pessoas solidárias para me apoiarem. Gostaria de ter um tecto digno para morar”, exorta.

Estado promete ajuda

O Jornal de Angola contactou o gabinete provincial da Acção Social, Família e Promoção da Mulher para saber mais sobre a situação de João Mendes. A directora do Gabinete Provincial, Catarina Manuel, disse que a instituiçã­o recebe vários pedidos de ajuda, mas devido à falta de capacidade financeira muitos deles são encaminhad­os para as administra­ções municipais.

Catarina Manuel acrescento­u que caso a situação seja delicada e não encontre solução na administra­ção municipal, as pessoas desamparad­as, independen­temente da idade, são encaminhad­as para o lar da terceira idade do Tchioco, onde beneficiam de assistênci­a completa do Estado.

“Temos orientado a nossa equipa de técnicos para visitar os muitos cidadãos que solicitam o nosso apoio. A primeira opção, em casos delicados, é mesmo encaminhar para o lar da terceira idade. O caso deste jovem não foge à regra. Vai merecer a nossa atenção”, prometeu.

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