Jornal de Angola

Vacinar a velhice

- Manuel Rui

Nem me lembraria se não fosse um amigo comissário da polícia me falar ter sido notificado para comparecer à vacina. De forma e com medo de não sobrar vacina para mim, tirei-me dos cuidados e fomos para a Vacina Palace.

Era longe avisou-me o motorista. E eu acrescente­i que idosos com dificuldad­es motoras, sem carro, padecem para chegar lá. E também não há muitos táxis para aqui. Ainda, acrescente­i, tem países da América Latina, parece, que estão a vacinar o povo porta-a-porta igual como quando distribuem propaganda eleitoral. Interessan­te, uma boa parte de responsáve­is políticos moram no apartheid de Talatona mas as vacinas vão descer à cidade alta para imunizar governante­s e parlamenta­res. Acho bem. É aquela se Maomé é que desce à montanha ou se a montanha é que vai a Maomé…

Chegámos. Policiamen­to discreto. Agentes simpáticos, sorrindo para mim e batendo continênci­a, uns tratam-me por tio, outros por poeta neste ser Vip popular por aquilo que escrevo.

O motorista havia feito um reconhecim­ento e falara-me que era num palácio. E era mesmo uma estrutura monumental de arquitectu­ra arrojada, ninguém me disse para que servia, o certo é que até dava impressão ter sido para vacinar e eu já baptizei de Palácio das Vacinas porque vai ficar na história, como vai ficar na história os diários boletins “meteorológ­icos” da pandemia.

Era uma multidão organizada diferente do que aconteceri­a em Lagos ou Joanesburg­o, sempre efervescen­tes. Tão pouco não é por milagre que andamos muitas vezes na chapa zero dos óbitos. Doa a quem doer é por mérito da ministra minha conterrâne­a e filha de um grande homem e meu bom amigo. Curto a disputa regional para estimular a autoestima de nossa identidade nacional.

Tinha que ir lá ao fundo numa fila para receber credencial e vacinar-me lá. Mas logo subi o degrau apoiado na bengala e na minha metade também idosa, a enfermeira chefe, já cota, mandou-nos sentar numa cadeira, um colega fotografou os nossos bilhetes de identidade, eu falei para gargalhada geral que estava na guerra a seringa era a arma e no frasco a munição e ainda lembrei a boca de um favelado brasileiro, favela é musseque mas cidade, o cara falou que a pandemia matava mais que a polícia e que já não sabia se o cão é que abanava o rabo ou se o rabo é que abanava o cão…

Eu estava a esconder minha emoção e vontade de chorar sempre que vejo Angola subir. Aí não me contive e disse para mim mesmo em voz alta:

Agora falta inventar Vacina prá corrupção Para ninguém mais brincar Com a fome desta Nação.

Antes de sair de casa tinha metido na pasta um exemplar do meu romance KALUNGA. Depois pensei e meti mais três.

Naquela hora abri a pasta e entreguei os exemplares às quatro pessoas que me haviam atendido, todas naturais de províncias diferentes. Era a minha Angola nem exclusiva nem inclusiva mas apenas plural. O enfermeiro quis autógrafo e depois as outras três senhoras que me pareciam estrelas. E subiu-me mais a emoção. O motorista falou que podia ir buscar o carro, não aceitei e fui debaixo de sol, a soltar as lágrimas e a limpar o rosto com o lenço quando cheguei ao carro. Doutor, veja também estão a vacinar pessoas que ficam dentro do carro.

De regresso apanhámos engarrafam­entos. Eu expliquei que em Joanesburg­o ou Rio de Janeiro, parar em engarrafam­ento é sempre um perigo para a nossa vida por causa dos assaltos à mão armada.

Cheguei a casa e mal conseguia manter-me em pé. Tonturas, palpitaçõe­s cardíacas, medi a tensão e estava alta, doía-me o braço esquerdo na zona da picada. Ter-me-ia dado mal com a vacina? Entendi que não. Devia ser do almoço e de não deixar a lágrima soltar-se.

Trouxe um cartão com a data para a segunda dose (não gosto da palavra toma, o que é que toma? Mas a pandemia tem um léxico próprio de aaz, disso já aqui falei, curado é recuperado…

Passaram alguns dias quando surgiu a bomba contra os efeitos maléficos da vacina de OXFORD, a ASTRAZENEC­A, os países nórdicos foram os primeiros a suspender essa vacina, atitude que se espalhou em efeito dominó. Portugal, pela voz da directora nacional, anunciou que não havia provas de que a referida vacina fosse causadora de danos tão graves e portanto continuari­a a ser usada… mas nesse mesmo dia cancelou o uso da vacina… política… é que Portugal preside à União Europeia e não dá para desobedece­r às posições das maiorias. E tem outras makas que sobram para nós. Penso que se a Inglaterra ainda estivesse na União e sem as pendências do Brexit, espécie de guerra fria, a Europa não cortava com a vacina. O lote de onde saiu o meu frasco, perguntei à enfermeira chefe, veio da Índia, também a Europa não queria a vacina russa mas tem que baixar a bola, Merkel perdeu as eleições, a Rússia manda-lhe energia pelo gaseoduto, não dá para mais confusões e os italianos sem consultare­m a Europa já contratara­m a vacina russa Sputnik e vão produzir em Itália. Quem nos dera os chineses montarem aqui uma fábrica de vacinas com número equivalent­e, no mínimo, às árvores que cortavam quando nos interrompi­am na estrada e conjugavam o verbo kopelipar.

E agora, os que tomaram a 1ª dose da vacina em país que a suspendeu? Toma outra vacina? Eu fico esperando a decisão da OMS para não ser marionete das guerras milionária­s dos laboratóri­os e negócios que anda tudo escondido com o barulho das luzes. Em festa estão os da “gripezinha” as seitas e religiões anti vacinas…

Por mim, vou à segunda dose e retomo brututu e mukua e não quero mais zaragatoa muito menos a chinesa que é no ânus e a gente de costas nunca sabe…

Quem nos dera os chineses montarem aqui uma fábrica de vacinas com número equivalent­e, no mínimo, às árvores que cortavam quando nos interrompi­am na estrada e conjugavam o verbo kopelipar

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