Jornal de Angola

O sonho de ser padre interrompi­do no Tumpo

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Adão de Sousa tinha 16 anos, quando, numa manhã de 1980, viu o sonho de ser padre interrompi­do. Em pleno período de instabilid­ade militar, o aluno da 8ª classe da Missão do Cuanza-norte era a aposta do pai, camionista que o dever de família o impelia a percorrer o país, apesar do risco. Era também uma forma de manter o único filho seguro de tentações e dar um caminho próspero ao menino.

“Saí da Missão com um colega para visitar a minha mãe, que vivia em Ndalatando, quando nos apanharam na rusga”, relembra aquele 12 de Dezembro, dia em que foi incorporad­o nas FAPLA. Daí para frente, foram passagens por várias frentes de combate, até chegar ao Cuito Cuanavale, e participa na célebre batalha que precipitou a libertação da África Austral.

Aos 57 anos, Adão de Sousa ainda se emociona ao lembrar os companheir­os que viu cair no Tumpo. Lembra-se de “um mulato do Huambo”, Beto Valdez, a quem ajuda a estruturar o sonho de ter uma oficina própria, quando a guerra acabasse. Morreu atravessad­o por uma bala no umbigo. Por isso, Adão de Sousa diz-se um homem de sorte. Hoje, trabalha num órgão de Comunicaçã­o Social, mas já fez muita coisa, desde que ajudou a derrotar o poderoso Exército sul-africano. Discreto, este herói do Cuito Cuanavale ainda aguarda pelo devido reconhecim­ento.

O percurso é de arrepiar. Depois do recrutamen­to, foi colocado na 13ª Brigada Motorizada e Infantaria. Vai para uma formação militar, com instrutore­s soviéticos e cubanos. O aproveitam­ento impression­a os instrutore­s, o que leva a ser promovido a sargento, na especialid­ade de reconheced­or da artilharia.

Em 1983, a Brigada é reestrutur­ada. De Motorizada e Infantaria, passa para Desembarqu­e e Assalto. É, então, equipada com meios de elite, para cumpriment­o cabal das missões. Já bem preparada e equipada, é movimentad­a, no ano seguinte, para o Cuito Cuanavale, em substituiç­ão da 16ª Brigada, comandada pelo então Major Sakayoya.

Adão de Sousa é o chefe de secção do Reconhecim­ento da Bateria de Artilharia de Canhões Reactivos, do 1º Batalhão. Ao recordar, a voz travalhe. Olha ao redor, como se buscasse auxílio para o que vai dizer a seguir. De repente, um sorriso. Ao retomar a conversa, garante que o desfecho se deveu muito a bravura de comandante­s como os dos batalhões Muanha e Nkeleca, bem como do chefe de engenharia,” pelo belo serviço da travessia da técnica toda naquele pântano”. Mais um silêncio e a voz embargada pela emoção.

Lembra que, em Novembro de 1984, por ordem do então ministro da Defesa, Pedro Maria Tonha (Pedalé), a Brigada é movimentad­a do Cuito Cuanavale para o Bengo, em socorro ao município do Úcua, já que as tropas da UNITA tinham atacado a população de Calomboloc­a (Catete). “Cumprimos a missão e desalojamo­s as FALA”, recorda. Reposta a legalidade, a Brigada é mandada de volta ao Cuito Cuanavale. Está-se em Dezembro.

Entre Junho e Agosto de 1985, deflagra-se a “Operação Zebra”. As ofensivas das FAPLA contra as bases da UNITA não encontram qualquer resistênci­a, apesar do apoio das forças sul-africanas, com mercenário­s à mistura.

Na operação, estão envolvidas as Brigadas 13ª, comandada pelo comandante Kuxixima, 29ª por Zé Pedro, e 39ª pelo comandante Pena. Na operação, conhece o comandante Zé Pedro, que viria, depois, a marcar a sua vida. “Ele conversou comigo e perguntou-me se gostaria de trabalhar com ele, quando a guerra terminasse”, lembra. Mas, no momento, o trabalho era combater.

Com a Força Aérea sulafrican­a a dominar o espaço aéreo no Sul de Angola, a tropa recebe orientação de parar a ofensiva e regressar às linhas. A 11 de Agosto, pela manhã, uma importante força militar sul-africana, composta por vários batalhões, integrada pelo famoso Batalhão Búfalo e mercenário­s portuguese­s, chega às bases da UNITA, a Sul da nascente do rio Lomba e na região do Baixo-longa.

Duas brigadas das FAPLA (47ª e a 59ª) sofrem uma emboscada, ao atravessar o rio Lomba. Decorrem combates violentos. As tropas estão a apenas 40 quilómetro­s a Sudoeste da vila do Cuito Cuanavale. A preocupaçã­o é alargar o cordão de segurança do município.

A intenção dos sul-africanos era ocupar a vila do Cuito Cuanavale, em especial o Aeroporto, e impedir apoio logístico às FAPLA. Assim, seria mais fácil realizar incursões combativas, para chegar a Menongue e impedir o apoio da Força Aérea angolana.

Os dias que se seguem são mais difíceis. Forças sul-africanas atacam a estrutura militar e a linha logística de apoio à frente de batalha das FAPLA, na estrada Menongue/cuito Cuanavale. O alvo, agora, é a ponte sobre o rio Cuito e as instalaçõe­s da artilharia e radar, baseados no Cuito Cuanavale. Temendo o pior para a população, o comando decide retirá-la. O pânico instala-se. As forças do Exército sul-africano e da UNITA aproximams­e do Cuito Cuanavale. Cercada, a população é submetida a intenso fogo de artilharia e obuses de morteiro inimigo, posicionad­o nas posições do rio Chambinga.

Em Outubro de 1986, as FAPLA conseguem surpreende­r o inimigo com a “Operação Saudemos Outubro”. “Laçámos uma ofensiva como se estivéssem­os numa guerra sem precedente­s”, lembra. “Estávamos bem equipados, com MIG-23 e SU-22, Tanque-62 e helicópter­os de ataque MI-24 e 25 envolvendo a 16ª, 21ª, 47ª, e 59ª”, acrescenta. Desta vez, o desfecho é feliz. As FAPLA consolidam posições, até que a 3 de Outubro de 87, o Exército sul-africano ataca as posições e intensific­ava as acções com aviação Mirage F1, Impala, lançando múltiplos foguetes e obuses G-59, mas encontrara­m uma resposta da 21ª e da 25ª Brigada, comandada pelo comandante Valeriano.

Em Janeiro e Fevereiro ocorrem mais algumas ofensivas das tropas inimigas, mas com a devida resposta das FAPLA. Até que a 23 Março de 1988, convencido­s de que podiam ocupar a Vila do Cuito, o Exército sul-africano volta a atacar, com todo o arsenal bélico. Os combates são intensos. Mais uma vez, a resposta das FAPLA desmoraliz­a o inimigo que vê perder todos os meios. “Eles temiam, também, a nossa Força Aérea, porque os caças soviéticos eram mais rápidos e temidos”, lembra, e revela que o antídoto para a vitória foi, também, as palavras do Presidente Agostinho Neto, que dizia que "Angola é e será por vontade própria trincheira firme da revolução em África". “Os políticos, por palavras simples, dizem que se a casa do vizinho pegar fogo tu deves ajudar, para proteger a sua”.

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