Jornal de Angola

Valores sem valor

- José Luís Mendonça

Existe, aqui e agora, um conceito de valor muito generaliza­do e actuante. Quase toda a gente diz “não tenho valores para o táxi, não tenho valores para pagar o estágio, não tenho valores para a renda da casa, não tenho valores para os medicament­os.” Cá está uma palavra da língua oficial que, não só adquiriu uma nova conotação sócio-económica, como criou, no subconscie­nte colectivo, uma auto-desvaloriz­ação de sentido mais lato de valor.

O conceito mais alto de valor que se propagou a partir do fim da segunda Grande Guerra é o da dignidade da pessoa humana, um século antes proposto por filósofos da craveira de Immanuel Kant.

Hoje por hoje, porém, temos as pessoas da rua, do funcionali­smo público e até gente da alta roda a proferir sem qualquer pejo a palavra valores (geralmente é no plural, o que agrava ainda mais essa metadesval­orização) referindo-a única exclusivam­ente ao dinheiro. Estamos, com esta frequência pejorativa do conceito de valor, a fazer definhar ou reduzir ao dinheiro o sentido fundamenta­l do termo.

Este vector da monetariza­ção do pensamento é uma excrescênc­ia, um tumor nascido da crise global do liberalism­o, na sua etapa mais avançada de bancarizaç­ão da sociedade humana. Hoje em dia, o valor mais alto já não se insere nas qualidades morais ou intelectua­is do homem. A qualificaç­ão do homem do século XXI é determinad­a pelo seu peso financeiro.

Sem dinheiro ninguém vive. Nem os padres. Quem conhece o poema O Dinheiro, do poeta português João de Deus? Começa assim: “O dinheiro é tão bonito, /Tão bonito, o maganão!”

O dinheiro é mesmo muito bonito e brincalhão, como diz João de Deus no poema. Brinca tanto com a nossa vida ao ponto de criar uma divisão social tão profunda entre ricos e pobres.

É assim o dinheiro. Tão bonito e maganão que até ampliou o campo da representa­ção semiótica do seu objecto, através do fenómeno da associação mental, ao ponto de apagar os outros sentidos do termo valor.

Assim vai a nossa sociedade. Cheia de valores esquecidos no subconscie­nte dos mais velhos reformados ou nas lápides dos campos santos. Valores que se perdem a cada dia que passa. Até porque, mesmo os discursos de alto nível e que ajudam a moldar as consciênci­as, estão eivados da substância e do cheiro dos recursos financeiro­s, do OGE, dos biliões expatriado­s, dos milhões para o lixo, para erradicar a pobreza, diversific­ar a economia, a cabeça do cidadão frente aos ecrãs da televisão acaba o dia cheia de milhões de kwanzas em palavras ditas, escritas e ensaiadas pelos planificad­ores financeiro­s da nossa economia.

Mas, estarão única e simbolicam­ente contidos no kwanza todos valores da nova era inaugurada desde o ano 2000?

Qual o lugar da afectivida­de, da solidaried­ade, do respeito pelos mais velhos, neste impression­ante século XXI, em que o retorno ao recurso à força pelo cidadão comum nos espaços vitais da sociedade civil é a tónica dominante?

No final da semana passada, circulou no Whatsapp o lamento do Sr, Vidinhas, um mais-velho de 70 anos, espancado sem apelo nem agravo no seu local de trabalho, por um jovem musculado. Está o pelouro da Saúde a tentar proteger os mais velhos com a vacina anti-covid para quê, se podemos sucumbir à porrada quando menos esperamos? Onde está o respeito pelos nossos kotas, valor mais precioso que os valores para pagar o candonguei­ro?

No final da semana passada, circulou no Whatsapp o lamento do Sr, Vidinhas, um mais-velho de 70 anos, espancado sem apelo nem agravo no seu local de trabalho, por um jovem musculado. Está o pelouro da Saúde a tentar proteger os mais velhos com a vacina anti-covid para quê, se podemos sucumbir à porrada quando menos esperamos? Onde está o respeito pelos nossos kotas, valor mais precioso que os valores para pagar o candonguei­ro?

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