Show do Mês e a homenagem às mulheres
No fecho da III Temporada do Show do Mês, “Vale a pena ser mulher”, o hino oficioso das mulheres angolanas eternizado por Lourdes Van-dúnem, a nossa “Gaivota Negra”, fez todo o sentido. No passado dia 13 (disponível no Youtube) a Nova Energia voltou a apresentar o concerto temático “Vozes de Março” para realçar o talento das mulheres com um reportório assente em sucessos nacionais e internacionais
“Vozes de Março” também deu visibilidade às instrumentistas: Ana Panzo (saxofone), Odeth Cassilva (percussão), Filomena (dikanza), Rosa Caetano (baixo) e Fineza Gaspar (violino) tiveram o seu espaço, de igual modo que as cantoras Alexandra Bento, Bevy Jackson, Sandra Solange, Branca Celestre e Diana Kabango.
O habitual painel com a apresentação de Kizua Gourgel foi “assaltado” por três convidadas: a comandante de bordo Alexandra Lima, a gestora de recursos humanos Neide e a radialista Carla Pena, que partilharam as suas experiências de vida.
O concerto também reconheceu o contributo das artistas Dina Santos, Clara Monteiro e Eduina Semedo, que receberam diplomas de Doutoras da Música Angolana por tudo aquilo que têm feito e servido de inspiração para as novas gerações. As homenageadas falaram das lutas que travaram para estabelecerem-se num meio machista e numa sociedade preconceituosa. Dina Santos, que vem da década de 60 do século passado, afirmou que enfrentou problemas com os familiares, numa época em que a inserção da mulher no meio não era bem encarada por alguns. Clara Monteiro, que apareceu anos depois da Independência Nacional, disse que encontrou uma sociedade um pouco mais tolerante e que teve até o encorajamento de um parceiro que chegava ao ponto de ficar chateado caso não fosse ensaiar. As duas reconheceram o surgimento hoje de novas e boas jovens que, felizmente, conquistaram o circuito. E brindaram os telespectadores e internautas com as canções que marcam as respectivas carreiras artísticas, incluindo “Luta e Amor”, “Semba”, “Kassequel” e “Anel”.
A mais jovem das homenageadas, Eduina Semedo, fez um depoimento muito forte em que apelou a todas mulheres que não desistam dos sonhos. Como instrumentista falou da diferença no tratamento em relação às cantoras e reconheceu as dificuldades que colegas suas tiveram para continuar a tocar, face às pressões familiares, nos relacionamentos e mesmo na sociedade. Felizmente, no seu caso pessoal, segundo disse, sempre teve a família ao lado, com os irmãos e também colegas nos Impactus 4 a serem os seus protectores, assim como o pai e a mãe. No quesito afectivo falou que nem tudo foram rosas, mas que a determinação ditou a sua permanência. A mãe que até aos oito meses de gestação fez-se ao palco com a guitarra-baixo revelou que não foi fácil quando, um dia, o filho a questionou porque não trabalhava no escritório como as mães dos outros colegas. Felizmente esta fase passou e, orgulhosamente, ela hoje tem a aprovação do agora jovem estudante de engenharia numa universidade do Reino Unido. Eduina manifestou a pretensão de ajudar as novas instrumentistas e acrescentou que, mais do que falar em teoria sobre os aspectos musicais, quer dar primazia ao direccionamento para a vida.
Diana Kabango, artista que quer mostrar o seu talento e aproveitar as oportunidades, depois da passagem como convidada de Totó ST em finais do ano passado, regressou passeando por vários estilos. Começou com o hit “Saving all my love for you” de Whitney Houston, foi pela chanson française “Lisboa”, versão de Ângela Teta e pelo soukouss zairense em “Femme Commerçante” de Mpongo Love. Voltou à soul no momento em que partilhou com Bevy Jackson. Em “Malaika”, tema mundialmente conhecido na voz de Mamã África, a sul-africana Mirian Makeba, à cantora juntaramse Odeth, na bateria, Rosa no baixo e Ana no saxofone, proporcionando assim o momento da invasão ao palco pelas jovens instrumentistas, elas que, como na tradução da palavra Malaiko do swailli, transformaram-se em anjos.
Branca Celeste foi das artistas que entrou em palco a matar, proporcionando momentos espectaculares. Ela cantou e dançou Nany em “Mwana ma kumbue”, que saiu da pena de Cananito Alexandre. Foi visível, pela performance, que conserva bem o que aprendeu nos rituais de iniciação da cultura Cokwe. A jovem mexeu com “Marió”, canção do congolês Luambo Makiadi “Francó”, muito regravada pelas africanas, pois é uma história que acontece em muitas sociedades do continente, sendo o personagem equivalente ao nosso “Pacheco”. Na parte final Branca Celeste levantou a fasquia do concerto em “Omboio”, recolha feita pelo Duo Canhoto, e refeita por Pérola. Os deuses da Dança incorporaram-se na cantora e houve uma bela colaboração com a percussionista Odeth. Branca é oriunda da Lunda-sul e optou por viver em Luanda, onde tem vindo a conquistar espaço.
Bevy Jackson foi chamada para a abertura do Vozes de Março 2021, trazendo “Amanhã talvez”, tema romântico da brasileira Joana. A intérprete, que tem sido uma das artistas mais solicitadas quando o fado e a morna são as propostas, brindou a audiência com clássicos dos dois estilos - “Que Deus me perdoe” e “Sodade” - ambas conhecidas nas vozes das duas grandes divas Amália Rodrigues e Cesária Évora. Nesta segunda passagem pelo Show do Mês, Bevy, que também navega pela soulmusic, com Diana Kahango deu alma ao clássico “You make me feel like” (Natural Woman). A artista, depois das passagens por Portugal e Inglaterra, tem uma agenda regular nas noites luandenses, partilhando o palco com o produtor e pianista caboverdiano Zé Afonso.
Sandra Solange, cantora que carrega em si dois povos amigos, o angolano e o cubano, foi aproveitada para o toque original na salsa e na rumba, consolidado com a presença do cubano Yasmane Santos na percussão. Da tia Nani deu mais açúcar em “La vida es buena”, passeou pelo “Caramelo caliente” e não teve como não cantar “Azúcar negra” de Célia Cruz, uma das principais vozes dos ritmos do Caribe. Sandra desceu um pouco e trouxe o apelo de Alcione, “Não deixa o samba morrer”.
Alexandra Bento, conhecida como vocalista da Banda FM de Benguela, é uma aposta regular no Show do Mês e no “Vozes de Março”. A cantora foi à terra das praias, mulatas, samba e futebol e deu voz a Alcione em “Loba”. A sua passagem esteve assente na kizomba e no zouk das ilhas de Cabo-verde.