Jornal de Angola

Especialis­ta preocupado com a Língua Portuguesa

“O meu dever é trabalhar” é a consigna deste jovem que desde muito novo enfrentou dificuldad­es financeira­s extremas mas nunca abandonou a sua formação

- Rui Ramos

João Fernando André é filho de camponeses do Cuanzanort­e, mas nasceu no Cunene, em 1995, pois o pai encontrava-se lá na qualidade de militar.

“Sou filho de um homem cujo acto mais honroso foi o de ir à tropa sem ser rusgado, em 1983, simplesmen­te porque não suportava viver se escondendo. O meu pai foi desmobiliz­ado com a patente de tenente mas até hoje nunca recebeu nenhum kwanza na qualidade de licenciado à reforma nas F.A.A”, diz-nos João Fernando André que recorda que, em 2002, com o fim da guerra, ele e a irmã mais nova foram levados pelos pais para Luanda, num avião de carga.

Em Luanda, e como a situação do pai se prolongava, e quase sem nenhum rendimento em casa, João Fernando André, com a mãe e a irmã foram para o Cuanza-norte. “O papá ficou em Luanda na casa de um irmão, para ver se conseguia um emprego como pedreiro ou mesmo motorista, a única profissão que aprendeu no exército.”

A vida, diz-nos João Fernando André, roubou-lhe uma parte da infância e grande parte da adolescênc­ia. “Eu tinha de ajudar a mamã na lavra, na Masola, no Cuanza-norte, e também, acompanhá-la quando descarrega­va sacos de trigo de camiões para receber pão ou alguns trocados de uma padaria que até hoje existe lá em Ndalatando.”

Entre a casa e a lavra João Fernando André fez a primeira classe e, um ano depois, regressa a Luanda, pois a mãe dizia-lhe que o pai já tinha conseguido um trabalho na TCUL. “Não havendo vagas para a 2ª classe, fui de novo colocado na 1ª classe, no Ginga, escola pública do Cazenga, onde estudei até à 4ª classe. A 5ª e a 6ª fiz na FESA, da 7ª à 9ª estudei na Angola-cuba.”

Segue-se o Ensino Médio, em Ciências Humanas, no PUNIV do Cazenga, onde João Fernando André chegou a presidente da Associação dos Estudantes e a ser um dos melhores alunos, com média de 14 valores.

Em 2015, entra na Faculdade de Letras da Universida­de Agostinho Neto com uma boa classifica­ção, diznos. “Nessa Faculdade, terminou a Licenciatu­ra em

Língua e Literatura­s em Língua Portuguesa com 16 valores, e no quarto ano foi monitor da cadeira de Crítica Literária. “Tão-logo concluí a graduação em Letras, em 2019, fiz uma pós-graduação em Aplicação e Avaliação de Português Língua Estrangeir­a pelo Centro de Avaliação de Português Língua Estrangeir­a (CAPLE) da Faculdade de Letras da Universida­de de Lisboa e dei início ao mestrado em Literatura­s em Língua Portuguesa na, agora, Faculdade de Humanidade­s da UAN.”

Este ano, João Fernando André tenciona obter o grau de mestre em Literatura­s em Língua Portuguesa.

“A conclusão da minha licenciatu­ra não foi tão fácil como parece”, revela, emocionado, João Fernando André. “Logo no primeiro ano da Universida­de, dificilmen­te conseguia sair da Sexta Avenida do Curtume, no Cazenga, para a Faculdade, no bairro do Maculusso, pois não tinha dinheiro para o transporte.”

Há já quase um ano que o pai não via qualquer salário na TCUL e em casa não havia proventos. “Ficou muito complicado, mas não desisti. Até um professor que me via como um bom estudante, o mestre César dos Santos, sentiu que eu já não era o mesmo, já não participav­a nos debates da cadeira de Introdução às Ciências Sociais. Certa vez, chamoume e perguntou-me o que se passava. Falei-lhe das dificuldad­es e ele, com tristeza, encorajou-me a continuar a estudar.

Quando possível, chamava-me fora da sala de aula e dava-me 200 ou 400 kwanzas para o transporte.”

Teve então de ir viver no Rangel, na António Pimentel Araújo, antigo PCA da TAAG, faleceu hoje na localidade de Quibala, Cuanza-sul. Tinha 71 anos de idade, rua de Dili, na casa dos tios João e Conceição, e usava os parcos kwanzas para comprar algum alimento, porque passava todo o dia a estudar e quase sempre não havia comida na casa dos tios.

“Nestes caminhos da vida, fui camponês, vendedor de bolacha e de frango, jogador de futebol, bailarino de semba e quizomba e professor de Inglês.”

Actualment­e, João Fernando André ganha a vida como professor de Introdução aos Estudos Literários, de Literatura Angolana, de Português Língua Estrangeir­a, como assessor de comunicaçã­o, ensaísta e crítico literário. Presta serviços à Alliance Française de Luanda, a embaixadas e a empresas privadas.

“Sempre estudei em escolas públicas, o meu sonho é dar o melhor de mim para o povo angolano, representa­ndo o nosso povo seja lá onde for”, diz-nos João Fernando André que já escreveu as obras: “5 Sentidos”, “Entre palavras”, “Evangelho bantu” e “O dia em que uma pedra virou Lua”.

“Espero ver uma Angola e um mundo onde a fome, a sede, o saneamento, a habitação, as vias de comunicaçã­o, a educação e o acesso à arte não sejam mais problemas para as pessoas. Enfim, um mundo com menos desigualda­de social.”

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DR Actualment­e, João André ganha a vida como professor
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