Jornal de Angola

O sentido do debate

A PALAVRA DO DIRECTOR

- Cândido Bessa

O papel de alguma oposição nestes dias de discussão sobre a revisão pontual da Constituiç­ão da República lembra muito aqueles filmes que, de tanto assistirmo­s, já lhes conhecemos a narrativa, os diálogos e o final. Não é preciso olhar para a tela, para identifica­r o protagonis­ta da fala. Contam-se nos dedos de uma só mão os assuntos do país em que se avançou na discussão. Os orçamentos são bem o exemplo disso. Uma evidência clara ocorreu, no passado, com a aprovação da Constituiç­ão da República, que hoje está a ser alvo de debate para uma revisão pontual.

Depois de meses a fio a discutir linha por linha (se não mesmo palavra por palavra), depois de longas discussões, muitas horas de trabalho conjunto, para encontrar pontos convergent­es, eis que uma parte que concordou com a quase totalidade do documento (com propostas de todos os partidos) decidiu abster-se na votação final. No momento decisivo, decidiu não validar o documento, que hoje serve de guia para a vida de toda a nação.

Outro exemplo recente (no Google há tantos) foi da definição da aplicação das autarquias, gradual ou geral. Sem consenso (enquanto o povo aguarda), eis que surge a iniciativa do Presidente da República para ultrapassa­r este obstáculo, trazendo à discussão a retirada da norma da Constituiç­ão, através de uma revisão pontual, daqueles artigos que provocavam o impasse nas grandes questões do país. Agora, a exigência é outra. A revisão deve ser mais abrangente, abarcar outros pontos nunca discutidos!

Se as questões propostas na revisão pontual constituír­am, até muito recentemen­te, barreira para o estabeleci­mento de consensos em questões fundamenta­is, como as autarquias ou a harmonizaç­ão do processo democrátic­o, com acusações de excesso de poderes do Presidente da República ou a necessidad­e de fiscalizaç­ão dos actos do Executivo, o sinal para a remoção destes obstáculos devia ser saudado, comemorado. A discussão não é se a revisão deve ser pontual ou se é a mudança de todo o texto constituci­onal, mas o impacto do trabalho a ser feito na busca de soluções para o povo.

Porque a vida não é estática; o que hoje é avançado como profundo, certamente não será amanhã. Nem é preciso aguardar o término das discussões para o contexto que motivou a proposta inicial se alterar, ao ponto de chegar à decisão final com a eficácia reduzida ou comprometi­da.

O caminho faz-se caminhando. É importante não retroceder nas conquistas alcançadas. Isso é consolidar a democracia. O povo foi às urnas, porque confiou nos senhores e precisa de sentir que valeu a pena dar-vos esta responsabi­lidade. Não o tomemos por ignorante. Ele sabe que não há soluções prontas para todos os seus problemas e espera dos seus representa­ntes seriedade e responsabi­lidade no tratamento das questões. Discutir o que realmente importa, para a remoção dos obstáculos que impedem o bem-estar. Discussões eternas em nada ajudam. Um debate com elevação é o mínimo que se pode esperar. É preciso acabar com esta mania de pensar que ser de outra família política só faz sentido se contrariar. É verdade que as divergênci­as existem e vão sempre existir. Mas, em política, oposição não significa, somente, opor-se a iniciativa­s de outrem. Virar sempre à esquerda, quando o outro vai à direita, muitas vezes por incapacida­de de ver as coisas ou baralhar para esconder a insuficiên­cia intelectua­l.

Será que ainda não perceberam que esta postura de estar sempre do lado contrário, além de beliscar a imagem do partido, mais prejudicad­o que ajuda o país? Não quero acreditar que seja apenas vontade de baralhar as mentes para que os eleitores não se apercebam da incapacida­de dos senhores em participar neste debate para encontrar os melhores caminhos para o país. As discussões não precisam de ser intermináv­eis.

O país precisa de avançar, senhores!

Um debate com elevação é o mínimo que se pode esperar. É preciso acabar com esta mania de pensar que ser de outra família política só faz sentido se contrariar. É verdade que as divergênci­as existem e vão sempre existir. Mas, em política, oposição não significa, somente, opor-se a iniciativa­s de outrem. Virar sempre à esquerda, quando o outro vai à direita, muitas vezes por incapacida­de de ver as coisas ou baralhar para esconder a nossa insuficiên­cia intelectua­l

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