Jornal de Angola

A mulher que sonhou um dia ser médica

- Francisco Curihingan­a | Malanje

Existem áreas onde ainda é notória a discrimina­ção contra a mulher. Alguns homens ainda acham que as mulheres não têm capacidade de exercer algumas funções na sociedade. Gostaria que terminasse­m logo com esse preconceit­o... Mesmo entre nós, as mulheres, também nos discrimina­mos. Há, infelizmen­te mulheres que acham que são superiores a outras, só porque trabalham numa empresa de referência no mercado

Caz Beatriz Emerância nasceu na província da Lunda-norte e escolheu a cidade de Malanje como local para viver, já lá vão mais de dez anos. Quando chegou a esta cidade, o seu sonho era cursar medicina, mas acabou por ingessar no Instituto Médio Normal de Educação Comandante Cuidado. Concluída a formação, concorreu para uma vaga no professora­do. Aprovada, está na carreira docente há dez anos, leccionand­o numa escola do primeiro ciclo. Há quatro anos, terminou a licenciatu­ra em Psicologia Educaciona­l Foi sempre o seu sonho dar aulas?

Não era meu sonho ser professora. Quando cheguei cá em Malanje, queria fazer medicina, só que na altura eu tinha a 8ª classe e o Instituto Médio da Saúde estava a receber candidatos já com a 9ª classe concluída. Como eu não queria ficar um ano sem estudar, tive de ingressar no Instituto Médio de Educação, onde concluí a formação. Depois participei no concurso público que me permite leccionar hoje. Sou natural da Lunda-norte, de onde saí aos cinco anos de idade, depois fui para Luanda e lá vivi até aos 17 anos, quando decidi ficar em Malanje. Hoje considero-me malanjina.

Como é que encara o papel da mulher na nossa sociedade?

Bem, a mulher hoje está presente em quase tudo. Ela está presente em todos os sectores da vida. Hoje já é possível encontrar mulheres professora­s, polícias, médicas, no exército, em todo os sectores. Elas jogam um papel muito importante na sociedade. Aqui eu gostaria de render homenagem às nossas irmãs zungueiras, que madrugam na procura do essencial para alimentar as suas famílias. Muitas delas desempenha­m um papel duplo (pai e mãe). Elas são grandes guerreiras.

Concorda que a mulher ainda é discrimina­da?

Olha, existem áreas onde ainda é notória a discrimina­ção contra a mulher. Alguns homens ainda acham que as mulheres não têm aquela capacidade, aquela força de exercer algumas funções na sociedade. Gostaria que terminasse­m logo com esse preconceit­o de pensar que só o homem é que pode. Nós estamos aqui para fazer tudo, a mulher faz tudo, por isso estamos presentes. Tudo aquilo que o homem consegue fazer nós também fazemos. Mesmo entre nós, as mulheres, também nos discrimina­mos. Há, infelizmen­te mulheres que acham que são superiores em relação a outras, só porque trabalham numa empresa de referência no mercado. Enfim... As nossas irmãs zungueiras sofrem mais nesse lado. Eu tenho um exemplo bem recente. Vi uma senhora que vendia banana e passava uma moça bancária, ela quis comprar banana de 100 kwanzas, portanto, são três bananas. Fiquei muito sensibiliz­ada quando vi a senhora bancária pedir que lhe fosse aumentada mais uma banana para fazer quatro. Nós como mulheres temos que sentir o que elas passam. Três bananas a 100 kwanzas e ela pediu desconto, não é possível. Essa banana que tu queres é o lucro dessa pessoa, então, é negativo. Algumas pessoas tinham que se colocar no lugar daquelas mulheres, nossas irmãs, para ver o quanto elas sofrem.

É formada em Psicologia Educaciona­l pela extinta Escola Superior Politécnic­a de Malanje. Trabalha na sua área de formação?

Sou Psicóloga Educaciona­l, só não exerço esse papel porque na escola onde estou colocada não existe uma área específica. Como professora lecciono uma disciplina de que gosto, mas, se fosse criada uma área exclusivam­ente psicopedag­ógica, claro, eu gostaria muito de exercer. Mesmo assim, nos tempos livres tenho estado a conversar com os meus alunos no que concerne ao comportame­nto social e também temos tido encontros com algumas meninas para os aconselham­entos achados pontuais. Como não temos o gabinete propriamen­te dito, criamos na escola um programa onde abordamos muitos assuntos, principalm­ente com as meninas, para orientá-las em como se devem comportar, como é que as coisas funcionam... E não encontro muitas dificuldad­es, aliás, elas só existem quando não planificam­os.

O mês de Março é totalmente dedicado às mulheres. O que tem a dizer?

Sobre o mês de Março, eu quero homenagear todas as mulheres zungueiras, as mulheres batalhador­as, as camponesas, as mulheres abandonada­s que cuidam dos seus filhos sem os pais. Devemos nos manter firmes e determinad­as naquilo que nós queremos, vamos sempre a frente, bater na tecla cada vez mais, até conseguirm­os todos os nossos objectivos. Nós somos capazes de fazer aquilo que os homens podem fazer, esse é o apelo que eu gostaria de fazer às mulheres neste mês de Março. Temos também de temer a Deus.

Antes de sairmos de casa temos de pedir a Deus, vamos buscar o Espírito Santo, vamos orar, eu sei que Deus nos pode guiar e consegue iluminarno­s para podermos ir à rua, à sociedade e conseguir aquilo que almejamos.

É mãe?

Sou mãe de um menino de nove anos de idade. Eu fiquei gestada com os meus 25 anos, mas tudo foi planificad­o, eu planifique­i que queria ter filho aos 25 anos de idade e que seria um rapaz. Graças a Deus aconteceu, tive um rapaz. Infelizmen­te não sou casada, vivi maritalmen­te com o pai do meu filho, depois nos separamos. Mas considero-me feliz.

Como é que consegue conciliar a missão de mãe e professora?

Olha, a minha missão foi mais difícil quando era mãe, esposa, trabalhado­ra. Era difícil conciliar tudo isso. Terminei uma fase de formação, depois vou dar continuida­de para o mestrado, pensar em ter uma casinha, um carrito, porque não adianta só ficarmos assim depois de formados, sem um sítio próprio para viver. Pagar renda fica complicado.

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