“Só conheci a doença quando o meu filho tentou tirar a própria vida”
Depois de ignorar os sinais de alerta, Paulo Fernandes descobriu, da pior forma possível, que o filho adolescente padecia de Transtorno Afectivo Bipolar, quando este tentou tirar a própria vida. Sem cura, a doença afecta mais de 140 milhões de pessoas no mundo, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgados em 2019. Só no primeiro trimestre do ano em curso, o Hospital Psiquiátrico de Luanda registou 80 casos. Hoje é o Dia Mundial do Transtorno Afectivo Bipolar, data celebrada em homenagem ao pintor holandês Van Gogh, que após a sua morte, estudos indicaram que, possivelmente, seria portador da patologia
Aos 13 anos de idade, Telmo Pascoal era um adolescente alegre, que se considerava o melhor da turma, mesmo sem o ser, gastava dinheiro sem controlo e dizia ser parente de alguém famoso ou de algum membro do Governo. Por isso, ficou conhecido como “rapaz com manias de grandeza”.
Apesar da alegria, havia momentos em que Telmo Pascoal preferia se isolar, sem vontade de sair de casa, ficava dias sem tomar banho e irritava-se com frequência. Para os pais, esse tipo de comportamento tinha um objectivo: chamar a atenção dele.
Três anos depois, a situação era a mesma. Havia momentos de alegria, que de repente eram substituídos por profunda tristeza e isolamento. Mergulhado numa depressão profunda, o adolescente começou a ter ideias suicidas. Tinha perdido a alegria de viver. “Um dia, o Telmo tentou se enforcar com uma corda decorativa que a mãe usava para prender as cortinas da sala. A irmã mais velha evitou o pior, porque, naquele exacto momento, entrou no quarto dele”, lembra Paulo Fernandes, pai de Telmo Pascoal.
Preocupados com a tentativa de suicídio do filho, os pais procuraram ajuda médica. Primeiro, no Hospital do Prenda, onde o médico clínico-geral deu conta que o problema era de âmbito mental, por isso, indicou os serviços de um psicólogo clínico.
Durante meses, Telmo Pascoal foi acompanhado pelo psicólogo clinico, mas o quadro não melhorava. “Algumas vezes, estava muito triste e sozinho. Outras, ficava muito alegre, com vontade de sair para estar com os amigos”, lembra o pai.
Um ano depois e sem nenhuma evolução no estado emocional do paciente, o psicólogo clínico entendeu encaminhar o caso para um médico psiquiatra, no Hospital Psiquiátrico de Luanda. Depois de vários exames e conversas com os familiares, era revelado o diagnóstico: Transtorno Afectivo Bipolar.
À reportagem do Jornal de Angola, Paulo Fernandes admite que, até o dia em que recebeu o diagnóstico do filho, desconheciam a existência da doença. “Transtorno Afectivo Bipolar? O que é isso, doutor?”, questionou na altura. “O problema era sério. O Telmo já sofria de Transtorno Afectivo Bipolar desde os 13 anos. A nossa ignorância e falta de acompanhamento médico pioraram a situação. Só conheci a doença quando o meu filho tentou tirar a própria vida”, reconhece.
“Transtorno bipolar é uma doença mental que precisa de medicação e acompanhamento médico, para evitar que evolua para quadros mais críticos ou acabe em morte.
Como pais devemos conhecer os sinais”, aconselha.
Psiquiatria de Luanda com muitos casos
O director clínico do Hospital Psiquiátrico de Luanda, Jaime Sampaio, revela que, no primeiro trimestre do ano em curso, o Banco de Urgência e as consultas externas registaram 80 casos de Transtorno Afectivo Bipolar.
Segundo o médico psiquiatra, este número já é preocupante, na medida em que o Transtorno Afectivo Bipolar é uma patologia sem cura, cujas reais causas ainda não foram devidamente estudadas.
Jaime Sampaio explica que o Transtorno Afectivo Bipolar é uma doença mental caracterizada por alterações contínuas do humor, sendo que algumas vezes os níveis de humor são altos (chamada mania ou hipomania) e outras baixam drasticamente, levando à depressão profunda.
“São aquelas pessoas que num determinado período estão muito alegres e noutros completamente tristes. Por isso, chamam-se bipolar, porque tem dois polos, um maníaco e outro depressivo”, esclarece o psiquiatra.
Segundo o especialista, a doença está dividida em duas partes. Na primeira, “o paciente apresenta quadros de manias e de depressão com alguma relevância”. Na segunda, “o paciente demonstra mais episódios de depressão em relação às manias”.
“Esta patologia, quando não acompanhada convenientemente, pode evoluir para perturbações de ansiedade, obsessão compulsiva, transtornos de pânico, fobias e problemas de personalidade, principalmente os relacionados com a organização pessoal”.