Diplomacia em tempo de paz
Orlando Muhongo considera que, embora 19 anos depois, determinados angolanos tenham optado por efectuar um “restart” à história deste país, passando a observar a ampulheta das nossas realizações colectivas, a partir de 2002, “infelizmente, por mais desagradável que seja afirmar e ler isto, do ponto de vista científico e académico, é desonesto apagar os 27 anos de guerra civil que o país atravessou; tentar forjar um consenso segundo o qual já não existem no presente reflexos de quase três décadas de conflito armado; e considerar que 20 anos é tempo suficiente para o desenvolvimento e consolidação plena da maturidade das instituições em Angola.”
O especialista em Relações Internacionais reconheceu que “é compreensível e legítimo que os cidadãos tenham aspirações de viver com dignidade no seu país, é verdadeiro o ponto de vista segundo o qual, em 46 anos de independência, é possível construir um país funcional que garanta estabilidade económica e social para os seus filhos.” “No entanto, que história, que dimensão geográfica, que densidade populacional e que preparação intelectual e técnica estariam concentrados neste hipotético país?”, questionou.
A credibilização e a democratização das instituições em qualquer parte do mundo, segundo Orlando Muhongo, resultam de um processo de construção e não de medidas bruscas e instantâneas. “Além de não existir um sistema político que pode ser tido como ‘democracia stan’dard’, que caiba em todas as regiões e culturas do planeta, a qualidade e o tempo de maturação das instituições dependem do compromisso e dos interesses que movem as lideranças, as forças políticas e as elites”, referiu, acrescentando que, depois do calar das armas e de muitos erros cometidos, só resta aos angolanos a convergência em torno de um projecto de país.
Em relação ao tipo de diplomacia que deve o país exercer na arena internacional, Orlando Muhongo entende que, enquanto extensão dos interesses governativos, a diplomacia deve estar ao serviço da realização dos objectivos de um país. “Embora seja lugarcomum que o principal desafio de Angola hoje é o desafio económico, é necessário que o exercício da diplomacia económica não submeta o Estado numa posição de subalternização perante actores do sistema internacional, ao ponto de perder de vista factores e características endógenos, com os quais a busca por soluções na economia ortodoxa ou no extremismo do neoliberalismo poderão redundar em consequências sociais sem precedentes”, disse.
“A diplomacia em tempo de paz, deve privilegiar o estabelecimento de parcerias em que se preserva a faculdade de negociar, visando a satisfação de interesses comuns entre as partes, uma diplomacia que busca ‘know-how’ e capacidade técnica para os quadros nacionais, uma diplomacia capaz de superar o preconceito que retarda as trocas comerciais regionais em condições ‘win-win’ e, como é óbvio, a diplomacia da paz, capaz de preservar e ‘exportar’ este bem que, depois da independência nacional, é indubitavelmente a maior conquista de Angola e dos angolanos”, concluiu.
Orlando Victor Muhongo, especialista em Relações Internacionais, é licenciado em Relações Internacionais pela Universidade Privada de Angola, mestre em Relações Interculturais pela Universidade Aberta de Lisboa e pós-graduado em Direito das Migrações pela Universidade Autónoma de Lisboa. É analista de Política Internacional em diversos órgãos de comunicação social e autor de quatro livros, duas obras de poesia (A Arte de Sentir e Maresia), um livro de investigação científica sobre “O Impacto das Telenovelas Angolanas nos Luandenses” e um ensaio intitulado “Os Angolanos que Libertaram Mandela – a Desconstrução de um Mito”.