Jornal de Angola

Trabalhou sempre para ser uma mulher autónoma

A jovem de Cabinda teve uma vida muito difícil, formou-se na Ucrânia mas vende bolinhos e refeições para sobreviver

- Rui Ramos

Teresa Cândida da Costa Zinga nasceu em Cabinda, em 1983, há 38 anos, primogénit­a de 10 irmãos.

“Vivi a minha infância em turbulênci­a, que só entendi depois dos 12 anos, na rua da Cadeia Civil de Cabinda”, recorda Teresa Zinga. “A minha mãe sofreu um acidente, caiu do quinto andar de um edifício e nós tivemos de ir viver com a nossa avó.”

Tinha 3 a 4 anos, quando a avó a levou com os outros netos para a aldeia de Bucumazi (Água que trata), rica em rios. “Tudo era feito nos rios, lavar louça, roupa, tomar banho. A minha mãe foi expulsa da casa onde vivíamos pela família do meu pai por causa do acidente.”

Alugaram, então, uma casa muito modesta no bairro Comandante Jika, próximo do mercado Cala Boca, e viviam no meio das maiores dificuldad­es.

“O meu pai já estava com a segunda mulher e a minha mãe engravidou de novo, ficámos na casa de uma amiga dela, cujos filhos nos maltratava­m severament­e.”

O pai compra um pequeno terreno no bairro 4 de Fevereiro, constrói uma casinha e Teresa Zinga vai para a escola dos missionári­os da Igreja Católica, onde foi construído o condomínio fechado Manguissec­o.

“Não tínhamos paz, o meu pai batia constantem­ente na minha mãe mesmo grávida, era uma vida muito instável com o pai a ir e vir da outra casa, onde também tinha filhos. Pouco tínhamos para comer. Prometi a mim mesma nunca me casar porque achava que todos os homens eram iguais ao meu pai.”

A mãe adere então a uma igreja que a aconselha a ignorar o homem. O pai abandona a família, que fica sem qualquer provento para sobreviver, e arranja uma terceira mulher.

Em 1995 ela frequenta a escola Barão de Puna no Zangoio. “Passávamos fome, vivíamos de doações da nova igreja da minha mãe”, lembra Teresa Zinga. “A mãe começou a vender gasosa, cerveja, iogurte caseiro e bolinhos e eu como filha mais velha ajudava em tudo. Ela fazia micates em casa mas não conseguiu manter o negócio. A mãe era professora até se casar e o homem proibiu-a de continuar a profissão.”

Em 1995, com 12 anos, Teresa Zinga vende no mercado do Cala Boca, mas não tinha capital para iniciar, pedia farinha, óleo, açúcar, sal e lenha emprestado­s. “Fazia a massa dos micates em casa e às 5h da manhã íamos para o mercado a pé, eram muitos quilómetro­s.” Quando vendia os primeiros micates comprava pão, chá, margarina e corria para casa para fazer o pequeno almoço para os irmãos e ia para a escola.

Depois das aulas ia a pé para o mercado pegar o dinheiro para comprar a comida que era almoço e jantar em casa. Os horários das aulas mudaram e Teresa Zinga fazia bolinhos para vender numa pracinha do bairro. “A mãe quando saía da escola, às 22h, pegavame na pracinha e voltávamos juntas para casa.”

Vende petróleo, pois não havia luz eléctrica nas casas. Sobrevivem penosament­e, o pai desaparece quando arranja uma quarta mulher e a mãe tem de ir vender gasosa em lata no mercado do Cala Boca “Era uma luta diária e sem fim para conseguir valores para comermos.”

A mãe já não conseguia vender, não havia dinheiro e Teresa Zinga começa a fazer “paié-paié de gasosa. “Vendi na rua uma caixa de gasosa, comprámos comida e fomos para casa.”

Em 1997 a mãe dá à luz mais um filho, o que vem agravar ainda mais as dificuldad­es da família.

O pai decide mudar-se para Ponta Negra, no Congo Brazzavill­e, em 1999, e manda ir a família, que faz a viagem por estrada.

“Sofremos muito bulling na escola por sermos estrangeir­os e não entendermo­s a língua. Passei 6 anos no Congo e estudei com dedicação.”

Depois de terminar o médio, vai estudar na Ucrânia, apoiada pelo pai. Estudava e trabalhava para pagar os estudos. “Eu estava a fazer duas faculdades, Geologia e Economia, estudava muito, e em 2012 fiz o mestrado e completei a licenciatu­ra em Economia Empresaria­l. Foi um ano muito duro, abandonei o emprego, tive de me dedicar somente aos estudos.” Recebe então uma proposta da Universida­de para fazer o doutoramen­to com 50% de desconto se se matriculas­se naquele ano. “Em 2015 completei os 3 anos do doutoramen­to mas não consegui defender por ter trabalhos atrasados, sem verbas suficiente­s para pagar os trabalhos que deviam ser publicados.”

Em 2015 volta definitiva­mente para Angola. “Tinha grandes expectativ­as de me integrar no mercado de trabalho.”

Em 2017 inscreve-se para uma vaga na Universida­de Óscar Ribas para leccionar mas não foi chamada nem lhe deram qualquer resposta. “Fui trabalhand­o como maquilhado­ra em eventos.”

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DR Teresa Cândida da Costa Zinga é a primogénit­a de 10 irmãos

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