A galinha dos ovos de chocolate
As religiões, depois de inventadas, pois todas elas foram obra do homem, não interessa por que via, quase todas foram sofrendo alterações incluindo a inclusão e elementos pagãos. Isto tem muito a ver também com as datas sagradas, seu cerimonial, significado e quase sacralização da gastronomia ou elementos simbólicos.
Passou a Páscoa. Data religiosa da misteriosaressurreição. Angolanos nascidos e vivendo nas cidades, principalmente, adoptaram essa cultura trazida por quem trouxe o cristianismo. Na Páscoa são as bolas ou folares de carne, o cabrito assado no forno, os bolos com umas tranças e ovos. Os ovos uma das simbologias da Páscoa, como o coelho (o único animal que assistiu à ressurreição) e o chocolate, mas e porquê?
Enquanto tivemos capoeira, minha mãe costumava mandar-me à capoeira em busca de ovos, meu irmão mais velho levava a catana por causa das cobras. Se encontrava ovos recolhia-os num cesto de vime. Sabia os que estavam a chocar. Depois soltávamos as galinhas e os pintos para irem passear na direcção dos morros de salalé que meu irmão abria com uma enxada e era a comida que mais gostavam embora me desse prazer dar milho pela maneira com as galinhas abriam as asas respondendo à minha chamada. Minha mãe aceitou que eu nunca ajudasse nem sequer olhasse para o decepar da cabeça de uma galinha e do aproveitamento do sangue para cabidela que eu sempre comi a engasgar-me e depois, meu azar, em Coimbra, a Dona Adélia do Sotero, servia cabidela uma vez por semana e…que remédio.
Mas dos ovos. Afinal, desde remotos tempos e em diversos quadrantes que os ovos foram tidos como símbolo da fertilidade, representando o nascimento e o ciclo da vida e por isso as pessoas ofereciam ovos umas às outras.
Entre os persas, durante o equinócio da primavera (no Hemisfério Norte) mais ou menos no tempo em que a Páscoa é comemorada por judeus e cristãos, celebravam uma espécie de ano novo, o Neruz, ovos coloridos eram colocados à mesa, depois eram cozinhados e comidos.
Vejam só que na mitologia chinesa aparecem narrativas descrevendo que o Universo se cria quando se partiu um ovo dando origem ao deus Pan Ku.
Os romanos acreditavam que o universo tinha forma oval e na europa medieval havia quem acreditasse que a formação do mundo tinha relação com um ovo.
A introdução dos ovos com o cristianismo passa por lendas encantatórias como aquela da Igreja Ortodoxa Grega, Maria Madalena teria ido a Roma para contar ao imperador romano a ressurreição de Cristo. Ela levava ovos que, de repente, ficaram vermelhos.
Coitadas das galinhas e tanto sacrifício e quantos pintos ficaram por nascer.
O enfeitar, pintar ovos, é mais antigo, muito mais, que o tempo do Kaparandanda. Vimos os persas mas na Alemanha já no séc. XVI e há quem diga que foram emigrantes alemães que levaram a prática para os Estados Unidos. O costume de enfeitar ovos para oferecer espalhou-se por toda a cristandade.
Este não é de galinha. Foi assim: o czar Alexandre III, da cultura Romanov, contratou o joalheiro francês Peter Fabergé para fazer um ovo luxuoso e o muata oferecê-lo à esposa. Outras encomendas foram feitas pelos Romanov.
Antes que Max pudesse ser parafraseado e alguém gritasse “galinhas de todo o mundo univos” veio o ovo de chocolate e o rei desse ovos penso que viria a ser o país do mundo com mais católicos: o Brasil.
O chocolate foi trazido pelos espanhóis dos povos mesoamericanos como os maias. No entanto, o ovo de chocolate como confeitaria data do séc. XVII em França e consistia em esvaziar ovos e enchê-los de chocolate, vejam só a trabalheira dos franceses que vão às compras, debaixo de um dos braços levam uma galinha viva e do outro um pão comprido…
Uma amiga minha parisiense, mandou uma mensagem a gozar comigo. Desejava que comesse um bom cabrito e um bom ovo de chocolate que ela mais uns amigos iriam a um jardim onde alguém escondera ovos na relva e a brincadeira era encontrar os ovos.
Agora, vejo na televisão brasileira as donas de casa em turbilhão nas lojas por causa do preço dos ovos de chocolate, de vários tamanhos, uns, luxuosos, desenrosca-se uma metade e a outra está cheia de pequenas guloseimas.
Este ano, ouvi pessoas queixarem-se por não encontrarem mimos pascoais. No Natal o bacalhau ficou. Mas lembro-me que, antigamente, colonos de Benguela, donos de pescarias, caprichavam em substituir o bacalhau por corvina grossa seca de um bocadinho acima da meia cura. E tenho um amigo que em vez de caldoverde vai num muzonguê.
Mesmo assim, a tecnologia tramou mais as galinhas que estão nos aviários a pôr ovos sem uma passeata como a que eu dava às minhas galinhas que comiam salalé da natureza, tinham feito amor com galos, amavam e defendiam os seus pintos e estas, desgraçadas que quase nem sequer se podem conhecer umas às outras.
Segunda de manhã. “Então essa Páscoa? Fomos à missa. Todos? Sim, eu, a mulher e os oito filhos. Consegui comprar amêndoas.”
Só aí me lembrei que tinham posto em cima da mesa um pacotinho com amêndoas com aquela cobertura dura e colorida para chupar ou mastigar.
E fiquei numa para mais tarde escrever… que Angola era uma galinha de ovos de ouro que muitos já lhe quiseram abrir a barriga para lhe tirar os ovos. Felizmente fugiu e anda no mato lá onde ninguém pinta ovos de jacaré fêmea nem de avestruz.