Jornal de Angola

Contentore­s tombados

- Luciano Rocha

Aos receptácul­os de lixos públicos em Luanda, coitados, acontece-lhes tudo de mau, mas há sempre quem arranje formas novas de os castigar, aumentando a balbúrdia da província: tombá-los, ao que parece, está na moda.

Os causadores podem ser vários, desde aqueles que catam plásticos ou cartão para sobrevirem das vendas de cada um daqueles produtos, aos que, já sem forças físicas, nem ânimo, encurtam os caminhos sinuosos da miséria e nos recipiente­s de todos os lixos de Luanda procuram restos de comida para enganar fome própria e das famílias. Em ambos os casos, há mulheres e homens de todas idades, na maioria dos casos, difíceis de calcular, que os atalhos da vida se encarregar­am de lhes apagar datas, designadam­ente de nascimento. Entre estes sobreviven­tes de ambos os casos, há velhos que nunca tiveram tempo para ser jovens, quanto mais meninos. A juntar àqueles dois grupos de deserdados contam-se as vítimas do desemprego e os que querem e não conseguem o primeiro posto de trabalho, de acordo com as habilitaçõ­es académicas e profission­ais.

Qualquer um dos que catam, diariament­e, nos contentore­s, pode, sem querer, derrubá-los, ao inclinar-se sobre eles ou, até, de propósito, por lhe facilitar a busca. Provavelme­nte, sabese lá, igualmente, por causas encobertas. Em qualquer dos casos, é preciso conhecê-las e agir consoante cada um.

Um acompanham­ento próximo destas situações, por parte dos vários organismos responsáve­is pela saúde pública da província de Luanda, é algo que, por diferentes motivos, se impõe e não tem custos de maior. Estes “heróis anónimos da sobrevivên­cia” não podem continuar a ser vistos apenas como fontes do erário. É urgente conhecer-lhes o dia-a-dia, as incertezas que enfrentam; o que faziam antes, se não faziam nada, porquê; habilitaçõ­es académicas e profission­ais; o que os levou à situação presente. Talvez, se conclua haver quem ande perdido entre os lixos de Luanda, podendo ser mais útil noutras tarefas. E as crianças? Há tantas perguntas a fazerlhes. Haja quem queira.

Os tombos dos coitados dos recipiente­s dos lixos de Luanda, tão mal tratados, podem ter várias causas e origens, que é preciso apurar. Para começar, urge quebrar a inércia de uns quantos.

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