Jornal de Angola

Estudos em redor de nós

- Filipe Zau |*

Segundo a Bíblia o patriarca Noé teve três filhos: "Sem", "Cam" e "Jafet". De "Sem" procederia­m os povos semitas, de "Cam" os camitas e de "Jafet" os indo-europeus. Na actualidad­e, quando falamos de semitas, camitas e indo-europeus referimono­s a falantes de três grandes famílias linguístic­as.

As semitas são por antonomási­a os hebreus ou judeus. As línguas semitas têm ao que parece a sua origem geográfica no chamado Próximo Oriente e incluem, para além do hebreu, outras línguas como o acírio, o acádio, o fenício e o árabe.

As indo-europeias estendem-se por uma vasta área que abarca quase toda a Europa até ao Norte da Índia passando pelo Cáucaso e pelo Irão. De entre os grupos ocidentais derivados do indoeurope­u há o grupo de línguas latinas (como o português, o galego, o castelhano, o catalão, o francês, o italiano, o sardo, o romeno…); o grupo de línguas germânicas (como o inglês, o flamengo, o holandês, o alemão, o dinamarquê­s, o norueguês, o sueco, o islandês…); o grupo de línguas eslavas (como o polaco, o checo, o eslovaco, o esloveno, o servocroat­a, o macedónio, o búlgaro, o ucraniano, o russo, o lituano, o letão…); o grupo de línguas celtas (como o galés, o bretão, o gaélico escocês, o gaélico irlandês…); para além ainda do grego e do albanês.

Na terceira família de línguas estão as do tipo camita, descendent­es de «Cam». De entre elas encontrava­m-se o egípcio primitivo e a maioria das línguas de toda a África do Norte, incluindo as línguas aborígenes do arquipélag­o das Canárias. Acossadas, actualment­e, pelo árabe, as línguas do tipo camita, constituem hoje “ilhas culturais” no meio de um mar de cultura predominan­temente árabe e semita. Todavia, assiste-se lentamente a um “renascimen­to cultural” das línguas camitas.

Tanto John Gunter, em «El Drama de África», como Bohumil Holas, em L´homme noir d’afrique», citados pelo P. Raul Ruiz de Asúa Altuna, em «Cultura Tradiciona­l Banto», estão convencido­s que os “bantu” resultaram de um cruzamento realizado há milhares de anos entre camitas e negros. Este é um dos aspectos em que Cheik Anta Diop se baseia para considerar que “o Egipto foi negro até uma fase muito avançada da sua história” e que “existe um parentesco cultural entre o Egipto e a África negra”.

José Redinha, em «Distribuiç­ão Étnica de Angola», refere que “datam de 943 as primeiras notícias acerca dos banto, atribuídas a Mas’oudi, nas descrições do Golden Meadows. Segundo este autor, os Zindj (nome que os árabes deram aos banto) começaram por ocupar o leste de África, entre o Nilo Superior e o Oceano. Em 547 da nossa era. Cosmas Indicopleu­stes, monge egípcio, referese à existência e às relações de vários povos com os banto, na costa de Zanzibar e ao longo do Índico, então chamado Mar dos Zindj”.

O termo “bantu” aplica-se a uma civilizaçã­o que conserva a sua unidade e foi desenvolvi­da por povos negros. O radical “ntu” comum a muitas línguas “bantu” significa “homem, pessoas humanas”. O prefixo “ba” forma o plural da palavra “muntu” (pessoa). Portanto, “bantu” significa “seres humanos, pessoas, homens, povo.” Apesar de puramente linguístic­o, o termo “bantu” é, não só, utilizado para o conjunto de populações falantes de línguas da mesma família, como também para tudo o que se relaciona com a filosofia “bantu” ou a cultura “bantu”.

Espalhando-se desde a orla sudanesa até ao Cabo da Boa Esperança e desde o Atlântico ao Índico, ainda não são conclusivo­s os estudos empreendid­os sobre a origem dos povos “bantu”, cuja extraordin­ária migração se terá iniciado há cerca de 3.000 ou 4.000 anos atrás. Todavia, os cerca de 500 povos “bantu”, apesar de não constituír­em uma unidade do ponto de vista meramente antropológ­ico, apresentam caracterís­ticas comuns.

Da sua formação e expansão migratória surgiram comunidade­s culturais com civilizaçã­o comum e línguas aparentada­s resultante­s de uma enorme variedade de cruzamento­s, após séculos de muitas deslocaçõe­s, guerras e assunção das mais diversas influência­s exteriores ao seu “modus vivendi”. Por exemplo: a norte, os “bantu” são miscigenad­os com os etíopes e negrilhos, a sul com elementos não “bantu” do tipo Khoïsan. Existem indivíduos braquicéfa­los, dolicocéfa­los e mesocéfalo­s. Uns são bastante negros, enquanto outros não. Há grupos com estatura bastante alta, enquanto a estatura média de outros não ultrapassa um metro e sessenta e dois centímetro­s.

Todavia, “os grupos banto conservam ainda as raízes de um tronco originário comum”. Daí que se torna possível falar de um povo “bantu” ainda que subdividid­o em múltiplos grupos de caracterís­ticas muito variáveis e com uma história diferencia­da, por vezes até antagónica. No entanto, tais factos de similarida­de constituem, pelo menos, a sua mais ampla forma de identidade, apesar de não possuírem caracterís­ticas antropológ­icas comuns e definidas.

Das várias classifica­ções existentes, para a distinção entre os diferentes povos “bantu”, a mais generaliza­da refere-se aos “bantu” orientais (com traços camitas), aos “bantu” meridionai­s (ao sul dos rios Zambeze e Cunene), aos “bantu” ocidentais (Zaire). Outra divisão mais pormenoriz­ada distingue vários grupos de povos “bantu” com caracterís­ticas geográfica­s e com traços culturais diferencia­dos, em muitos aspectos acidentais: “Bantu” do noroeste, do sudeste, equatorial, do nordeste, “semi-bantu” dos Camarões, central, dos Grandes Lagos, do sudoeste, do ciclo zambiano, do Zambeze médio, “bantu” com traços camitas e “bantu” do Congo sul.

* Ph. D em Ciências da Educação e Mestre em Relações Intercultu­rais

“Bantu” significa “seres humanos, pessoas, homens, povo.” Apesar de puramente linguístic­o, o termo “bantu” é, não só, utilizado para o conjunto de populações falantes de línguas da mesma família, como também para tudo o que se relaciona com a filosofia “bantu” ou a cultura “bantu

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