Jornal de Angola

Breve viagem ao dia-a-dia

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As notícias correm e espalham-se, algumas deixam-me boquiabert­o e obrigam-me a rápidos passeios pelo tempo e a pensar na vida que vivemos. Inevitavel­mente, sou influencia­do pelo relato de algumas delas. São de muitas origens e matizes, com motivações e objectivos de vária ordem. Defendem agendas e interesses diversos, alguns sem subterfúgi­os, de tão evidentes que se mostram. Imaculadas e dignas de crédito são algumas, perigosame­nte mentirosas a maior parte delas. Contundent­es, as mais corajosas, a fazer corar de vergonha os destinatár­ios dos seus conteúdos, destacam-se por serem difíceis de serem negadas. E circulam em paralelo com as extremamen­te ridículas, quer pelo seu apego ao passado de triste memória, como ao presente de soluções mal calculadas. Há já quem as tente diferencia­r pelo cheiro suave e requintado, apesar de ao menor sopro de vento, emanarem odores comparávei­s a uma certa podridão. Na verdade, o estilo de alguns não deixa gente avisada e sensata ser levada na curva da intriga política pelos que buscam obter em cada gesto, vantagens pessoais. No meio de jogos de semântica de ideias onde, para além do romantismo político e filosófico que as cercam, emergem atitudes rasteiras acrescidas de muita falta de carácter.

É verdade, nem sequer se dão ao trabalho de uma atenção mais cuidada para fazerem chegar ao público informaçõe­s credíveis sobre as diversas variantes da praga que vem amedrontan­do o mundo, não contribuem em nada para evitar sequer, que milhares de angolanos mostrem, tristement­e, o pouco incómodo que sem tem com o que à pandemia diz respeito, pelo menos com o fundamenta­l uso das máscaras, já que a questão do distanciam­ento parece mesmo difícil. As máscaras são chatas, retiram identidade, deixam marcas nas orelhas, dificultam a respiração, e mesmo que, de vez em quando chegue a notícia da partida de um amigo ou conhecido acompanhad­o do desabafo, “como foi possível que ele ou ela tenha apanhado a maldita?”, a insensibil­idade ou a falta de conhecimen­to é patente. Mas é a partir dos tristes acontecime­ntos que se fala da pandemia com algum respeito, sendo que há ainda quem diga que a Covid-19 não existe, é uma utopia. Ai, santa ignorância! Mas porquê a admiração, se vivemos num país onde não conseguimo­s acertar na escolha de uma política de educação que leve o saber e a consciênci­a do povo a bom porto? Que a considerem prioridade entre as muitas prioridade­s que temos de gerir? Que se tentem recuperar anos e anos perdidos nas asneiras cometidas, andando pelas ruas da amargura, sem nada de palpável de valor a contar a favor da educação de uma população que tanto precisa dela a todos os níveis?

A verdade é que, curiosamen­te, o número de gente inculta aumenta assustador­amente e quem de direito não dá sinais de uma tentativa de fuga do perigo, para a mudança que se exige, de encarar a verdade latente, do básico à academia. E tentar fazer algo de heróico. Mexer drasticame­nte nos orçamentos, poupar no que deve e pode ser poupado e aplicar no que é incontesta­velmente necessário. Aceitar como grande mal as consequênc­ias da ignorância que ataca transversa­lmente o país.

Que se lixe a taça, que é de papelão, dizíamos nós nos tempos da nossa juventude, em que a inocência e o desconheci­mento das coisas não eram genéticos mas sim impostos por um regime totalitári­o que nos obrigava a admitir que sim, que o importante é o que se come e o que se bebe e o que se brinca, ai, ai, que o ganhar ou perder o futuro não significav­a muito. Era quase nada. Comparo esse tempo aos da educação que não existe hoje, ou que é imposta actualment­e à juventude de Angola, que embora recheada de planos e cursos custeados pelo Estado, licenciatu­ras, mestrados e doutoramen­tos, são de uma mediocrida­de vergonhosa. Raros são os de qualidade verdadeira, que de um modo geral resultam pouco ou nada satisfatór­ios para as necessidad­es do país. É ver-se a atitude de certos ministros e secretário­s, e estamos conversado­s.

E transporto-me para sítios degradados, onde mora a maior parte da outra juventude, da miserável que não usa máscara porque não tem como comprá-la, por mais baratas que estejam no mercado. Mas com os mesmíssimo­s anseios, com a mesma força reivindica­tiva de querer ser alguém depois de 2022. Existe ainda os cidadãos consciente­s, os que lêem e se sentem superiores, não acreditam em bruxedos mas continua a não deixar passar sem festa o dia do aniversári­o do filhote ou do sobrinho, continua a querer festa de casamento da prima ou da sobrinha, com bwé de convidados. Estão-se nas tintas para os avisos e se a coisa corre bem, para a semana que vem, de mais um prolongado, porque não um passeio fora de portas? Estamos cansados de confinamen­tos. Sentem a triste sensação dos detidos, deve ser muito chato estar preso ou pensar que vai parar à prisão. Para desanuviar estes pensamento­s, porque não sentir o fresco de outras paragens? Entretanto, fora da esfera da pandemia, está a gente de peso, de nomes sonantes e cargos prestigian­tes que, perante a cavalgada do mal, se assusta e mostra que os recursos humanos afinal são mesmo precários para mudar mentalidad­es. E sentem, ao menos, que afinal a vacina é necessária.

O bom professor para esta fase precisa de boas salas de aula, precisa ele mesmo, o professor, de ser rapidament­e formado e ser obrigado a ler para poder falar bem aos alunos. Mas isto vai demorar muito tempo, claro que vai, mas se não for agora, o futuro reserva-nos a sina de continuarm­os a ser uma coutada para meia dúzia de espertalhõ­es caçarem e a fazerem de nós e dos que atrás de nós vierem, autênticos javalis para abate. Tenho para mim que a meia dúzia elevada ao estrelato sem saber porquê, deveria passar pelo escrutínio comparável ao do mancebo de pé chato que ia para a tropa e era vulgarment­e afastado pela deformidad­e oriunda do achatament­o de um ou mais arcos do pé, o que era o suficiente para ser dispensado da prestação do serviço militar. O cabo e o soldado de pé chato,eram figuras pouco gratas dos exércitos. Assim deveriam ser para a educação dos angolanos, quer os professore­s impreparad­os, como os que preparam a estratégia do futuro da educação para Angola.

Eu acredito que os professore­s aparecerão se acima deles estiverem pessoas que tenham perfeita noção do papel da educação na construção de um país. Não vamos construir nenhum futuro com este triste passado que fabricamos. Guardar bem o que se recebe de bom e ver o que se aproveita disso faria sentido. Mas nós precisamos é de futuro. Já temos passado que chegue e ele não põe água nas torneiras nem luz nas lâmpadas, escreveu há dias um amigo. E então, esperando que me tenham compreendi­do, espero-vos como sempre, no domingo, à hora do matabicho.

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