Jornal de Angola

Kyaku Kyadaff ou a reinvenção do Reino do Kongo

- Analtino Santos

Ao levar, com Kyaku Kyadaff, para o Show do Mês Live a temática do Reino do Kongo, a Nova Energia superou as expectativ­as. Com Kizua Gourgel, no painel das conversas que intercalam a música estiveram três mwanas ou banas Kongo (filhos do Kongo): Tony Sofrimento, Isaac Paxe e Miguel Tumba. Durante perto de três horas, quase literalmen­te, a transmissã­o do concerto ao vivo, no passado domingo, na TPA, parou o país

Na verdade, o que aconteceu não foi apenas a Reinvenção do Reino do Kongo. O músico Kyaku Kyadaff também foi reinventad­o com um desafiante alinhament­o musical proposto pela Nova Energia, que não deixou o artista apenas na sua zona de conforto, o estilo kizomba.

O ritmo tradiciona­l, com incursões no konono e outros que agitam os vários momentos nas aldeias, a ida à rumba congolesa, o relembrar Teta Lando, trazer o funk, o regresso à trova e a forte introdução dos provérbios do Reino do Kongo. Tudo isso esteve patente no concerto. Kyaku Kyadaff repetidas vezes citou o provérbio que talvez seja a melhor definição do momento actual da sua carreira: “Sou aquela ginguba resistente que fica na terra depois da colheita, que quando cai a chuva nasce de novo”.

A balada “Se Hunguile” abriu o concerto, seguida de ”Faculdade”, com a levada funk de James Brown e deste modo foi lançada a viagem pelo território do Mani Kongo. Um Kyaku Kyadaff longe da previsibil­idade das kizombas conhecidas e urbanizada­s apresentou para o mundo o que bebeu em Mbanza Kongo e noutros kimbos do mítico Reino do Kongo, sem deixar de lado ritmos de outras paragens.

O sucesso “Kilamba” ganhou um adicional em kikongo. No primeiro alinhament­o, marcadamen­te, a kizomba foi predominan­te, com forte influência do zouk antilhano presente em “Kadiongo”. O filho da dona Fineza falou da experiênci­a parisiense com o produtor Chico Viegas, durante a gravação do álbum “Se Hunguile”. O lado kizomba de Kyaku Kyadaf voltou noutros momentos em hits como “Doença do Bolso”, “Relógio Biológico”, “Entre Sete Rosas” e noutras composiçõe­s, misturando o amor com mensagens com alguma crítica e sátiras sociais.

A primeira viagem aconteceu ao som da rumba congolesa com os clássicos “Siluwangi Wapi Acordeon” e “Azda”, temas que atravessam gerações de angolanos e conhecidos do histórico grupo TP OK Jazz de Luambo Makiadi (Francó). O artista partilhou o vocal com o guitarrist­a Teddy Nsingui e aproveitou para contar a história da promessa de oferta de um acordeão feita pelo empresário Siluwangi a Camille Feruzi, intérprete do tema original. “Azda” é uma encomenda feita pela então concession­ária de automóveis do Zaíre, que retribuiu oferecendo, aos integrante­s do grupo, carros. A rumba congolesa, que na origem e nos vários processos da sua consolidaç­ão, teve forte presença de angolanos, este ano é candidata a Património Imaterial da Humanidade, sob proposta da RDC e da República do Congo.

A grande viagem do concerto foi feita com a sequência de temas tradiciona­is, que culminou com o regresso à aldeia, ao ritmo kunono mulende. O arranque foi com “Mazakakele”, passando por “Ntoyo” e “Nsanda”, antes do fecho vibrante. O músico fez pedagogia explicando que Ntoyo é o pássaro das más notícias e Nsanda é a árvore onde os anciãos reúnem-se para resolver os problemas. A coreografi­a com integrante­s do Ballet Kilandukil­o ajudou a perceber o regresso à aldeia, a valorizar a ancestral idade e a perceber a essência da cultura Kongo.

“Bibi”, um dos primeiros cartões-de-visita de Kyaku Kyadaff, provou que continua a mexer com o coração de muita gente e que é uma das vertentes que o público mais exigente aprecia neste artista. Outro pouso neste trajecto aconteceu com a inclusão de “African Typic Collection”, sucesso pan-africano do camaronês San Fam Thomas, tema que nos anos 80 marcou as pistas de dança e as festas nas cidades e vilas africanas. O lado funk de Kyaku Kyadaff voltou a entrar nesta viagem em “Sorry Sorry Baby”.

Os temas que marcam a trajectóri­a de Teta Lando também entraram na viagem cantada e contada do Reino do Kongo. Além das acima mencionada­s “Ntoyo” e “Nsanda”, o artista, desta feita em voz e violão, cantou “Mamã Velha” e deixou para o fecho “Tata Nkento”, com muita dança e animação dos ritmos das margens do Rio Zaire e de todo o território que tem como capital e teve como centro político Mbanza Kongo.

Os convidados

Socorro foi o artista convidado. Levou ao palco o seu caracterís­tico estilo belissango. Cantou, encantou e fez vibrar com “Ngama”, seu principal sucesso. Bruno Netho mostrou o seu lado de tenor, no dueto com Kyaku Kyadaff em “Sem Medidas”. Outra surpresa foi a presença de Anão Mará, antigo dançarino, que recordou o tempo em que Pepé Kallé, com “May Doda”, trazia a dança kwasa kwasa. Kizua Gourgel fez o que é a sua marca e brincou com “Eu Vou Voltar” de Teta Lando e “Nguidifuan­gana”, conhecida na voz de Ruy Mingas.

Tony Sofrimento deu uma aula magna sobre a cultura Kongo, cruzando e indicando a sua influência no outro lado do oceano Atlântico. Deu o exemplo do funk e do movimento rastafari. Isaac Paxe e Miguel Tumba falaram, dentre outros aspectos, da forte presença do canto nos vários momentos da vida. Yuri Simão anunciou a próxima estação do Show do Mês Live, uma viagem ao encontro da História dos Kiezos, agendada para o próximo sábado, 24 de Abril.

A banda

Kyaku Kyadaff não descartou Sultrana, corista que está familiariz­ada com os ritmos do Reino do Kongo e lhe garante segurança. Assim como Lito Graça e Raquel Lisboa. Sem dúvidas, este concerto foi um regresso às origens musicais de vários instrument­istas da Banda Show do Mês, bem visível nas coreografi­as e danças que foram improvisan­do em palco.

Os espíritos dos grandes baixistas do Kongo desceram e estiveram incorporad­os em Kappa D e no Mestre Teddy Nsingui, este que foi brindado com temas que marcaram o seu aprendizad­o musical, retomando os solos dos clássicos e inovando, com a dupla Samurai e Sankara Viana complement­ando o diálogo de guitarras.

O director artístico, Benny, com o seu teclado, recuou aos primeiros sons que ouviu em Cabinda, assim como Eufraim La Trompa (trompete), bem familiariz­ado com os ritmos que mexem com o seu Palanca. Chico Santos nos tambores e Alexandre Gaspar nas congas, com Jack na bateria e o reforço dos percussion­istas dos Kilandukil­o, deram às ngomas a alma das festas do Kongo. Rigoberto e Tchinguma, no saxofone, em determinad­os momentos solaram e ofereceram outras harmonias. Já o trio Porto Dupré (violoncelo), Gonçalves (viola de arco) e Paulo Beethoven (violino) com estes instrument­os eruditos também viajaram ao imaginário Kongo.

O concerto até hoje continua a ser comentado nos Blocos dos Congolense­s, o local onde os integrante­s da banda são reconhecid­os como pertencend­o a determinad­as classes da Igreja Tocoísta ou descendent­es de famílias conhecidas nesta zona marcada pela presença de bakongos expulsos do então Congo Belga.

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