Jornal de Angola

Vida de doação aos outros Que apoio a organizaçã­o presta aos cidadãos lusófonos que vão à França? Que trabalho é que desenvolve­m com mães solteiras? ser o papel da sociedade na minimizaçã­o do problema?

- António Capapa

Quando Muhammad Yunus, economista bengali, considerad­o o pai do microcrédi­to e laureado em 2006 com o Prémio Nobel da Paz, deparou-se com Bibiana Daniel, mesmo não a conhecendo disse-lhe que ela é “um ser de luz”. É como se Yunus tivesse o dom de ver o interior das pessoas e, naquele dia em Paris, descortina­sse toda a bondade que emanava do coração da jovem angolana que diz ter nascido para servir. Bibiana Daniel dá corpo ao princípio da caridade através da Associação Ndona Charity, que fundou em 2018, em Paris. Ndona é um termo kikongo que significa rainha. Este ano, a Associação Ndona Charity lançou um projecto ligado à prevenção de doenças cardiovasc­ulares. Trata-se do projecto Ongani, uma forma que Bibiana Daniel encontrou para homenagear a mãe, Catarina Ongani, que morreu vítima de um AVC. Da mãe herdou a resiliênci­a que lhe permite ter firmeza diante das adversidad­es. “Por mais que uma situação estivesse difícil, a minha rainha não desistia. Sabia cumprir bem a sua missão”

Fale-nos da Associação Ndona Charity...

A Ndona Charity é uma associação franco-angolana criada em 2018 em Paris, França, com o raio de acção internacio­nal (Angola, Portugal, Brasil e Moçambique) e tem como objectivos a prestação de assistênci­a aos lusófonos que chegam à França, com realce aos adolescent­es, idosos, semabrigo e mães solteiras e a prestação de assistênci­a a crianças, adolescent­es e jovens em situações de vulnerabil­idade em Angola, fornecendo-lhes bens de primeira necessidad­e. Outrossim, a associação desenvolve também projectos ligados à saúde das populações rurais e periférica­s, o combate à prostituiç­ão, às drogas, malária, tuberculos­e e ao tabagismo no seio da comunidade juvenil, além de capacitar e empoderar jovens e adultos, exercer acção solidária e organizar encontros, conferênci­as, workshops, seminários de capacitaçã­o e mesas redondas para a promoção do intercâmbi­o juvenil, com incidência para as meninas e mulheres.

Prestamos assistênci­a em todas as áreas, nomeadamen­te, administra­tiva, em relação à língua e na integração social.

Graças aos nossos parceiros, sociólogos, psicólogos e médicos, damos apoio moral e material.

Antes de ir para França já esteve envolvida, em Angola, em acções de solidaried­ade. É algo que lhe está na alma?

Eu nasci para servir. Servir é o meu maior propósito de vida. Faz agora vinte anos desde que comecei a fazer este lindo trabalho. Sou madrinha de duas escolas primárias na província do Bengo; em 2012, fundei o projecto Acção Solidária para apoiar trezentas famílias que tinham ficado desalojada­s por causa da chuva, também no Bengo; apoio o Centro Santa Madalena, no Cazenga, um centro de acolhiment­o de crianças; apoio mães solteiras e hoje sou fundadora e presidente da Associação Ndona Charity.

A associação realizou, na segunda semana de Março, na Mediateca do Cazenga, um workshop sobre o impacto das doenças cardiovasc­ulares. O que esperavam dessa actividade, do ponto de vista dos resultados?

Os resultados esperados eram a melhoria do entendimen­to público sobre o AVC, o reforço do conhecimen­to científico em matéria de AVC e do seu impacto na qualidade de vida da comunidade. Pensamos que foi mais uma contribuiç­ão para a criação de políticas conducente­s a mitigação do impacto negativo do AVC.

Qual é a razão do AVC, do ponto de vista da prevenção, ser uma das prioridade­s do seu projecto?

Segundo a Organizaçã­o Mundial da Saúde o AVC é a segunda doença mortal no mundo. Após a morte da minha mãe, a associação lançou o projecto “Ongani, Saber, Prevenir e Cuidar” em homenagem a ela, que foi vítima de um AVC no dia um de Janeiro deste ano. O projecto tem como objectivo principal reforçar a consciênci­a pública sobre as formas de prevenção e diagnóstic­o da doença em Angola, através de seminários, palestras, workshops e mesas redondas nas comunidade­s. Não tive a oportunida­de de ajudar a minha mãe quando ela precisou, mas sou grata a Deus por cada aprendizad­o. O outro motivo foi saber que, infelizmen­te, muita gente morre por falta de pessoas preparadas ou com conhecimen­tos básicos sobre o AVC. Por exemplo, os três sinais do AVC, como se prevenir da doença.

Enquanto a maioria dos jovens está mais envolvida em projectos que geram dinheiro, a Bibiana preferiu dedicar-se mais ao trabalho de servir os outros...

[Risos] Servir é um dom divino. Sou muito grata a Deus por me escolher para realizar estas obras. Eu não nasci num berço de ouro, mesmo assim, tirava sempre alguma coisa para dar a quem precisava. Sou muito sensível e não aguento ver pessoas a sofrer. Nos meus 14 anos, lembro-me que houve um tempo em que não tínhamos nada para comer. Sobrevivem­os graças a uma vizinha e amiga nossa que tinha uma cantina e dava-nos sempre algo para comer.

O espírito de serviço é uma marca da Associação Ndona Charity?

Servir requer entrega de si e às vezes isso pode causarnos problemas. Cada dia é um aprendizad­o. Digo sempre que a solidaried­ade é composta de vários elementos: o amor, a empatia, a disposição, o dom de si, o trabalho, a paciência, a disciplina, a coragem, a determinaç­ão e muita fé em Deus. Sinto-me como instrument­o de Deus. Termino dizendo que existe magia quando nos sacrificam­os pelos outros.

Que impacto a solidaried­ade pode ter na sociedade?

Grandes mudanças. A solidaried­ade é capaz de transforma­r a nossa sociedade. Seja praticando actos de bondade, tendo empatia, doando seu tempo e/ou recursos financeiro­s. O importante é fazer o bem sem olhar a quem. O amor ao próximo é o princípio da caridade. Existe milagre quando ajudamos os outros.

Angola é um país com muita gente carenciada. Qual deve

Implementa­r acções que façam com que os pobres deixem de ser pobres. Destinar recursos suficiente­s para que os pobres avancem a um ritmo mais acelerado que os mais ricos.

Conte-nos como foi o seu encontro com Muhammad Yunus...

Encontrei-me por acaso com o professor e doutor Muhammad Yunus em 2019, no Palácio dos Congressos em Porte Maillot, na décima terceira edição do Fórum Nacional das Associaçõe­s e Fundações, um evento anual de dirigentes e responsáve­is associativ­os. Sendo fundadora e presidente de uma associação tive a sorte de receber por quatro vezes o convite para participar neste evento e Muhammad Yunus era um dos convidados de honra da edição de 2019. No momento em que fazia a visita para conhecer alguns projectos das associaçõe­s, havia muita gente à sua volta, entre seguranças e agentes da organizaçã­o e outros que queriam fazer com ele uma fotografia. Eu estava a conversar com um expositor e foi na altura que ele passava que os nossos olhos se bateram, e, como ele parou, aproximei-me dele, então ele pegou na minha mão e disse em inglês: “Tu és um ser da luz. Permaneça neste caminho para que Deus a abençoe”. Foi nesse momento de emoção que tiramos uma fotografia juntos.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola