Vida de doação aos outros Que apoio a organização presta aos cidadãos lusófonos que vão à França? Que trabalho é que desenvolvem com mães solteiras? ser o papel da sociedade na minimização do problema?
Quando Muhammad Yunus, economista bengali, considerado o pai do microcrédito e laureado em 2006 com o Prémio Nobel da Paz, deparou-se com Bibiana Daniel, mesmo não a conhecendo disse-lhe que ela é “um ser de luz”. É como se Yunus tivesse o dom de ver o interior das pessoas e, naquele dia em Paris, descortinasse toda a bondade que emanava do coração da jovem angolana que diz ter nascido para servir. Bibiana Daniel dá corpo ao princípio da caridade através da Associação Ndona Charity, que fundou em 2018, em Paris. Ndona é um termo kikongo que significa rainha. Este ano, a Associação Ndona Charity lançou um projecto ligado à prevenção de doenças cardiovasculares. Trata-se do projecto Ongani, uma forma que Bibiana Daniel encontrou para homenagear a mãe, Catarina Ongani, que morreu vítima de um AVC. Da mãe herdou a resiliência que lhe permite ter firmeza diante das adversidades. “Por mais que uma situação estivesse difícil, a minha rainha não desistia. Sabia cumprir bem a sua missão”
Fale-nos da Associação Ndona Charity...
A Ndona Charity é uma associação franco-angolana criada em 2018 em Paris, França, com o raio de acção internacional (Angola, Portugal, Brasil e Moçambique) e tem como objectivos a prestação de assistência aos lusófonos que chegam à França, com realce aos adolescentes, idosos, semabrigo e mães solteiras e a prestação de assistência a crianças, adolescentes e jovens em situações de vulnerabilidade em Angola, fornecendo-lhes bens de primeira necessidade. Outrossim, a associação desenvolve também projectos ligados à saúde das populações rurais e periféricas, o combate à prostituição, às drogas, malária, tuberculose e ao tabagismo no seio da comunidade juvenil, além de capacitar e empoderar jovens e adultos, exercer acção solidária e organizar encontros, conferências, workshops, seminários de capacitação e mesas redondas para a promoção do intercâmbio juvenil, com incidência para as meninas e mulheres.
Prestamos assistência em todas as áreas, nomeadamente, administrativa, em relação à língua e na integração social.
Graças aos nossos parceiros, sociólogos, psicólogos e médicos, damos apoio moral e material.
Antes de ir para França já esteve envolvida, em Angola, em acções de solidariedade. É algo que lhe está na alma?
Eu nasci para servir. Servir é o meu maior propósito de vida. Faz agora vinte anos desde que comecei a fazer este lindo trabalho. Sou madrinha de duas escolas primárias na província do Bengo; em 2012, fundei o projecto Acção Solidária para apoiar trezentas famílias que tinham ficado desalojadas por causa da chuva, também no Bengo; apoio o Centro Santa Madalena, no Cazenga, um centro de acolhimento de crianças; apoio mães solteiras e hoje sou fundadora e presidente da Associação Ndona Charity.
A associação realizou, na segunda semana de Março, na Mediateca do Cazenga, um workshop sobre o impacto das doenças cardiovasculares. O que esperavam dessa actividade, do ponto de vista dos resultados?
Os resultados esperados eram a melhoria do entendimento público sobre o AVC, o reforço do conhecimento científico em matéria de AVC e do seu impacto na qualidade de vida da comunidade. Pensamos que foi mais uma contribuição para a criação de políticas conducentes a mitigação do impacto negativo do AVC.
Qual é a razão do AVC, do ponto de vista da prevenção, ser uma das prioridades do seu projecto?
Segundo a Organização Mundial da Saúde o AVC é a segunda doença mortal no mundo. Após a morte da minha mãe, a associação lançou o projecto “Ongani, Saber, Prevenir e Cuidar” em homenagem a ela, que foi vítima de um AVC no dia um de Janeiro deste ano. O projecto tem como objectivo principal reforçar a consciência pública sobre as formas de prevenção e diagnóstico da doença em Angola, através de seminários, palestras, workshops e mesas redondas nas comunidades. Não tive a oportunidade de ajudar a minha mãe quando ela precisou, mas sou grata a Deus por cada aprendizado. O outro motivo foi saber que, infelizmente, muita gente morre por falta de pessoas preparadas ou com conhecimentos básicos sobre o AVC. Por exemplo, os três sinais do AVC, como se prevenir da doença.
Enquanto a maioria dos jovens está mais envolvida em projectos que geram dinheiro, a Bibiana preferiu dedicar-se mais ao trabalho de servir os outros...
[Risos] Servir é um dom divino. Sou muito grata a Deus por me escolher para realizar estas obras. Eu não nasci num berço de ouro, mesmo assim, tirava sempre alguma coisa para dar a quem precisava. Sou muito sensível e não aguento ver pessoas a sofrer. Nos meus 14 anos, lembro-me que houve um tempo em que não tínhamos nada para comer. Sobrevivemos graças a uma vizinha e amiga nossa que tinha uma cantina e dava-nos sempre algo para comer.
O espírito de serviço é uma marca da Associação Ndona Charity?
Servir requer entrega de si e às vezes isso pode causarnos problemas. Cada dia é um aprendizado. Digo sempre que a solidariedade é composta de vários elementos: o amor, a empatia, a disposição, o dom de si, o trabalho, a paciência, a disciplina, a coragem, a determinação e muita fé em Deus. Sinto-me como instrumento de Deus. Termino dizendo que existe magia quando nos sacrificamos pelos outros.
Que impacto a solidariedade pode ter na sociedade?
Grandes mudanças. A solidariedade é capaz de transformar a nossa sociedade. Seja praticando actos de bondade, tendo empatia, doando seu tempo e/ou recursos financeiros. O importante é fazer o bem sem olhar a quem. O amor ao próximo é o princípio da caridade. Existe milagre quando ajudamos os outros.
Angola é um país com muita gente carenciada. Qual deve
Implementar acções que façam com que os pobres deixem de ser pobres. Destinar recursos suficientes para que os pobres avancem a um ritmo mais acelerado que os mais ricos.
Conte-nos como foi o seu encontro com Muhammad Yunus...
Encontrei-me por acaso com o professor e doutor Muhammad Yunus em 2019, no Palácio dos Congressos em Porte Maillot, na décima terceira edição do Fórum Nacional das Associações e Fundações, um evento anual de dirigentes e responsáveis associativos. Sendo fundadora e presidente de uma associação tive a sorte de receber por quatro vezes o convite para participar neste evento e Muhammad Yunus era um dos convidados de honra da edição de 2019. No momento em que fazia a visita para conhecer alguns projectos das associações, havia muita gente à sua volta, entre seguranças e agentes da organização e outros que queriam fazer com ele uma fotografia. Eu estava a conversar com um expositor e foi na altura que ele passava que os nossos olhos se bateram, e, como ele parou, aproximei-me dele, então ele pegou na minha mão e disse em inglês: “Tu és um ser da luz. Permaneça neste caminho para que Deus a abençoe”. Foi nesse momento de emoção que tiramos uma fotografia juntos.