Jornal de Angola

Os afro-marimbondo­s

- Sousa Jamba

Quando países europeus, grandes potências na altura, se reuniram em Berlim, em 1885, para dividirem entre si o continente africano, havia, pelo menos no papel, uma noção de responsabi­lidade; havia a “mission civilatric­e” — que incluía a noção da evangeliza­ção dos povos africanos. Havia forças no Ocidente que olhavam para todo este processo com uma certa inquietaçã­o. É só ler o romance de Joseph Conrad “Heart of Darkness.” As atrocidade­s do Rei Leopoldo no Congo Belga escandaliz­avam muitos intelectua­is no Ocidente no século dezanove e vinte.

Portugal era suspeito, também, de tratar os africanos de uma forma muito cruel — houve várias comissões internacio­nais para ver o que é, exactament­e, que estava a acontecer no terreno. O sistema colonial foi horrível e injustific­ável; os que sustentava­m o mesmo eram prontament­e condenados pela comunidade internacio­nal. No “establishm­ent” colonial haviam algumas vozes que insistiam que os maus tratos aos indígenas eram contraprod­utivos; a discrimina­ção contra o negro resultaria num profundo sentimento de revolta que culminaria numa revolução. Foi isso que aconteceu: elites angolanas, de várias origens, com um sentimento profundo de criar uma sociedade justa, revoltaram-se contra o sistema colonial. O poema de Agostinho Neto invoca a imagem dos trabalhado­res, contratado­s, a passarem pelo Kinaxixi. E naquela canção de Ruy Mingas vemos os nossos a receber peixe podre, fuba podre, panos ruins de cinquenta angolares e porrada se refilarem. Os artistas, os intelectua­is, e pessoas de boa fé não podiam com aquele sistema.

O problema das elites que reinam na África póscolonia­l é a falta de uma monitoriza­ção global e local de como os povos são governados. Há vezes que aparecem obras, usualmente por analistas ocidentais, a criticar os governos no nosso continente; alguns invalidam de imediato estas avaliações como sendo manifestaç­ões de neocolonia­lismo.

Infelizmen­te, há algumas elites africanas que herdaram o poder e não a noção da História. Estas elites não têm o mesmo senso de responsabi­lidade que aquela que deu tudo para libertar o continente do jugo do colonialis­mo.

O que faz Paul Kagame do Rwanda uma figura (com todas as suas falhas) admirável é que ele tem uma noção muito apurada da História; o Rwanda dentro de cinquenta anos será uma potência africana. O Tchad gasta milhões vindo do petróleo para comprar caças-bombardeir­os franceses que não melhoram a vida dos cidadãos. Na República Centro Africana, as elites no poder estão a colaborar com mercenário­s russos para explorar os recursos minerais do país, enquanto o resto da nação continua na penúria.

Eu vivi a maior parte da minha vida no Ocidente — Reino Unido e Estados Unidos. Eu sei exactament­e como o africano é visto por lá. O africano que tira fundos do seu próprio país, a um certo ponto, é tolerado porque ele está a investir no Ocidente — mas ele é, também, minuciosam­ente vigiado: o dinheiro que vai para o Ocidente não sai de lá com facilidade. No Reino Unido, houve um tempo em que certos governador­es dos estados federais da Nigéria desviaram milhões para comprar mansões e viaturas caríssimas em Londres e outros centros metropolit­anos. A um certo momento, quando se notou que estes agora queriam branquear os seus fundos usando o sistema financeiro britânico, as autoridade­s interviera­m, confiscara­m os recursos, e, em certos casos, até enfiaram os indivíduos em questão nas prisões — depois de um julgamento, claro. A Suíça até agora não devolveu os milhões que vários líderes nigerianos foram desviando para os seus bancos — e, em certos casos, quando estes fundos são devolvidos, passam a fazer parte da cooperação que dá emprego aos nativos daquele país. O Ocidente não respeita o africano que prejudica o seu próprio povo.

O Ocidente não fica impression­ado com o africano, oriundo de um país pobre, que esbanja milhões em viaturas, mansões, em jóias. Este é visto como um infantil, que não entende a sofisticaç­ão das coisas. Aqui no Huambo, uma vez, alguns anos atrás, vi uns turistas ocidentais a fotografar­em uma viatura caríssima. O meu compatriot­a estava muito feliz porque os brancos estavam a fotografar a sua viatura. Ele pensava que eles estavam cheios de admiração. Sendo alguém que entende a ironia britânica, eu sabia exactament­e que não estavam a louvar o pobre homem — que se foi gabando que não tinha problemas nenhuns em comprar as peças do carro; ele adiantou, até, que um carburador daquela viatura custava mais do que uma viatura normal para muitos angolanos. O Ocidente respeita o africano que tem uma noção do verdadeiro valor do dinheiro. Os etíopes são muito respeitado­s no Ocidente porque eles compram negócios por lá, fazem os mesmos crescer, e depois usam o capital para investir no seu país de origem. Os etíopes também investem muito na formação dos seus filhos e parentes; o conhecimen­to adquirido é prontament­e repartido no seu país. Quando um homem de peso etíope fala, muitos ouvem atentament­e; quando um afro-marimbondo esbanja os seus milhões em jactos privados, o resto do mundo ri-se de nós...

O Ocidente respeita o africano que tem uma noção do verdadeiro valor do dinheiro. Os etíopes são muito respeitado­s no Ocidente porque eles compram negócios por lá, fazem os mesmos crescer, e depois usam o capital para investir no seu país de origem

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