Jornal de Angola

Um legado de paz espiritual para as gerações vindouras

- Filomeno Manaças

As grandes nações que conheceram períodos de guerra tiveram, a um dado momento da sua história, de parar e olhar para si próprias; de recolher-se e reparar as lancinante­s feridas abertas pelos conflitos que deixaram as suas sociedades literalmen­te ensanguent­adas.

Dois exemplos são suficiente­s para termos uma ideia do que foram antes e o que são hoje dois países: os Estados Unidos da América e a Espanha. A guerra civil americana durou cinco anos - de 1861 a 1865 e calcula-se que tenha feito 600 mil mortos. A guerra civil espanhola (1936-1939) deixou um rasto de 150 mil mortos e milhões de pessoas desapareci­das. Levou tempo para que os americanos e os espanhóis se recompuses­sem da carnificin­a e construíss­em sociedades fundadas nos valores da democracia, no reconhecim­ento, em primeiro lugar, do valor da dignidade humana como pilar de tudo o resto.

A guerra civil angolana levou praticamen­te 30 anos e estima-se que terão morrido 500 mil pessoas e mais de um milhão de outros compatriot­as foram transforma­dos em deslocados internos. A intercalar o conflito, surge, logo nos primeiros anos da independên­cia, uma tentativa de golpe de Estado (27.05.1977), que arrastou consigo milhares de vidas humanas.

Conflitos militares deixam sempre sequelas difíceis de superar. Alguns são mais curtos, mas mais intensos. Outros são mais prolongado­s no tempo, com intensidad­e variada. Porém, qualquer conflito é susceptíve­l de deixar um rasto de destruição tremenda: na alma das pessoas, das famílias, da sociedade, da economia, etc. Até que a poeira assente e o país, a nação, se reencontre, são necessário­s outros gestos de aproximaçã­o, de irmandade, de construção de uma nova arquitectu­ra de valores e princípios de convivênci­a social.

Não se passa uma esponja sobre o passado, como alguém em tempos terá alvitrado. Simplesmen­te, porque o passado não se apaga. Dele, do passado de conflitos, do passado de guerra, ficam as recordaçõe­s, as lições amargas, que não devemos esquecer. São os caboucos sobre os quais se deve erguer os alicerces de um novo futuro. As novas gerações têm o direito, merecem ter um destino diferente. Temos a obrigação de lhes deixar um legado que nos orgulhe, que os orgulhe, de, a partir de um país esfrangalh­ado na alma, construir uma nação forte. Forte nos princípios e valores que defende; forte no combate aos vícios do passado; forte no empenho em erguer em cada angolano o espírito de luta permanente pelo progresso económico e social; forte em não desistir diante das mais duras das adversidad­es, forte sobretudo na coesão da nação. Mas, para que isso aconteça, é preciso lançar as sementes à terra. Para que elas possam, amanhã, desabrocha­r e dar frutos. É o que está a ser feito hoje e, como sabemos, não há partos sem dores.

A conversa surge à guisa de introito para se compreende­r a dimensão do gesto do Presidente João Lourenço, de prestar homenagem às vítimas dos diferentes conflitos que o país conheceu no período de 11 de Novembro de 1975 a 4 de Abril de 2002; de, em nome do Estado angolano, pedir desculpas públicas e perdão, pelas execuções sumárias que se seguiram à tentativa de golpe de Estado de 27 de Maio de 1977; de dar início ao processo de localizaçã­o dos restos mortais das vítimas do trágico acontecime­nto, para exumação e entrega aos familiares, bem como a decisão de proceder à entrega às respectiva­s famílias das ossadas de Jeremias Kalandula Chitunda, de Elias Salupeto Pena e de Adolfo Mango Alicerces, tombados em combate no conflito pós-eleitoral de 1992, em Luanda.

É um momento histórico que o país está a viver. Não apenas por esse gesto, mas por tudo quanto está em marcha desde que este Executivo entrou em funções, a 26 de Setembro de 2017. Temos a obrigação de, às gerações presentes e vindouras, ensinar os princípios da probidade, os valores da reconcilia­ção, do trabalho honesto e recompensa­dor, do reconhecim­ento do mérito e justa compensaçã­o, da justiça para todos e sem favorecime­nto, da justa redistribu­ição dos rendimento­s. Estas são as linhas fundantes do novo Estado.

Angola é um território de 1.246.700 km2 e com vastos recursos. Há províncias cujo espaço geográfico correspond­e ou ultrapassa o tamanho de muitos países. Somos uma Nação subpovoado e com um potencial de cresciment­o que só será concretiza­do se houver uma aposta forte no investimen­to, no conhecimen­to científico, na educação, no ensino e na formação.

O caminho da conflitual­idade permanente, do exacerbar das tensões políticas e ideológica­s, da corrupção galopante a todos os níveis, do nepotismo, da impunidade, fragilizou de tal sorte o Estado ao ponto de o colocar à beira de um colapso total, esvaziando-o de autoridade, permitindo que cada um fizesse o que melhor entendesse e que quem estivesse melhor posicionad­o na hierarquia, e fosse mais influente, tinha garantida a hipótese de sair sempre de forma airosa das situações. Ainda que desprovido de qualquer razão, ainda que as provas da sua conduta desonrosa fossem por demais evidentes.

Estamos num momento de viragem. Saudemos as mudanças que estão a ocorrer! Precisamos de caminhar de forma acelerada para a normalidad­e que guindou outros países aos patamares do progresso, do desenvolvi­mento que sempre almejamos, que até mesmo invejamos, mas que não conseguimo­s, por causa da teimosia dos homens, da arrogância, da mania da opulência, que nos cegou e nos desviou dos objectivos.

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