Tertúlia pós-“banquete”
Sempre que a TPA nos serve o “Banquete”, reacendem-se discussões, que se estendem do quadrante político ao social e económico. De resto, males da corrupção e periféricos, que potenciaram e promoveram o atraso do País, são transversais às diversas áreas. Como é óbvio, a perspectiva sob a qual corre o Jornalismo que se faz em Angola, a investigação jornalística, a oportunidade e os ângulos das abordagens, enfim, a letargia ou o dinamismo dos órgãos de imprensa, sobretudo os públicos, vêm, igualmente, à discussão.
No calor do debate, chegou a cair sobre determinados meios da imprensa pública a acusação de “falta de estratégia de comunicação jornalística”. Muitas vezes, a leitura enviesada de obras pode levar a confusões, pode deformar o pensamento e gerar danos ao intelecto. “Estratégias de comunicação” devem, sim, ter delineadas as empresas com vocação diferente, as prestadoras de outra natureza de serviços, vendedoras de bens e produtos não perecíveis dentro das 24 horas do tempo de vida de uma notícia, por exemplo. Devem tê-las as instituições cuja actividade se reflecte directamente no quotidiano das pessoas, chegando a alterar-lhes a planificação ou a frustrar-lhes intenções. Estas precisam, de facto, de se reinventar a cada instante, de ensaiar a estratégia mais viável para lidar com o público ou a melhor forma de o alcançar.
Em Angola, sobram exemplos de conflitos na relação entre empresas/instituições e clientes/utentes, por força de incumprimentos. Aqui, a estratégia de comunicação é, de facto, fundamental, para dirimir mal-entendidos, atenuar as consequências de eventuais danos (morais/materiais) e recuperar a confiança e devolver os níveis de satisfação de quem busca por serviços. Por isso, são empresas/instituições dotadas de áreas específicas para atender a preocupações de quem delas faz recurso, com a comunicação a ser fundamental para a interacção que se impõe.
Os órgãos de Imprensa guiam-se por outro paradigma. São meios que proporcionam uma forma de comunicação alicerçada nos géneros do Jornalismo; são o elo entre os factos e quem precisa de os conhecer. Não os criam, nem os inventam; buscam-nos, sob determinadas regras, e os dão a conhecer. Por isso, as empresas fazem recurso a projectos de sustentação, buscam parcerias, delineiam a capacitação profissional, enfim, pensam em como se manterem funcionais, operantes, lucrativas, o que passa pela produção jornalística de qualidade suficiente para atrair leitores e anunciantes. Para tanto, os responsáveis editoriais, principalmente, esboçam matérias informativas e dão-lhes vida, com a contribuição dos repórteres. A concretização das ideias deve resultar em informação de interesse geral, atractiva o suficiente para que mereça leitura e faça que a publicação ganhe credibilidade, seja confiável.
Mas a busca por assuntos de interesse jornalístico não deve ser exclusividade de directores, subdirectores, chefes de redacção ou de editores. É tarefa que engaja o corpo redactorial, do mais experiente jornalista àquele que só agora começa a ensaiar os primeiros passos no ofício. O Jornalismo é um exercício de vocação, é para talhados, para quem é movido pelo dom. Mas quando não o abraçamos pela propensão, devemos, ao menos, fazer da entrega e da dedicação a via que mais seguramente nos leva à profissionalização. Sair da monotonia, no Jornalismo, não é limitar o exercício à cobertura de matérias ligadas ao combate à corrupção. Embora seja “estruturante”, o tema da probidade encontra concorrência de outros, igualmente candentes, que também afectam o quotidiano. E um órgão de imprensa deve marcar a acção pela maior abrangência que puder e, assim, atender à necessidade geral de informação, neste contexto de profunda diversidade de opinião.
Imperioso é, igualmente, haver “bons técnicos a escrever textos”. Afinal, é na produção escrita, na construção de ideias livres de obstipação, obedientes da sintaxe, da ortografia, da gramaticalidade, que tudo assenta e a informação vinga. Por mais que dominemos a técnica, por tão bem que teorizemos os passos para o “lead” (entrada da notícia), se não nos anima o pendor para a escrita … debalde! Por tão “estratégico” que seja o nosso “plano de cobertura”, o fracasso é o destino. Quem mal escreve, mal pensa. É, por exemplo, o desmazelo com a língua que nos leva a grafar tragédias como “porquê razão”, “em fim” ou “estensiva”. Também é preciso, antes de pretendermos ser citados como referência positiva, exercitar a auto-avaliação, verificar se temos capacidade para produzir com a qualidade suficiente para merecermos um lugar no “panteão”.
A reportagem dita investigativa em parte alguma do mundo é mérito dos gestores dos órgãos. O Prémio Maboque, que, ao longo dos anos, distinguiu profissionais angolanos, foi sempre atribuído a título individual; laureou o empenho pessoal do jornalista. Uma matéria feita com profundidade, que desenterre males de inestimável gravidade, é privilégio do repórter, geralmente, alimentado por fontes cuja credibilidade deve estar acima de qualquer dúvida. É, até, momento de um tal manto de sigilo, tão reservado, que a preparação do trabalho é mantida por um grupo muito restrito. É um segredo. Escusemos, pois, de atribuir a gestores de títulos ou de grupos de imprensa responsabilidades que devem ser divididas pelo corpo redactorial.
Quando, em 1973, Bob Woodward e Carl Bernstein trouxeram ao conhecimento público o “Escândalo Watergate”, que culminou com o pedido de demissão do 37º Presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, não foram ter aos factos por via de uma pauta que a direcção da empresa lhes deu para cumprir. Valeram-se do instinto de repórter. O Pulitzer, prémio dos EUA, que inclui, entre as 21 categorias, a de Serviço Público de Jornalismo, é atribuído a uma publicação, mas sempre à custa do jornalista, indicado ao galardão pela iniciativa; pelo desempenho. Em muitas das nossas redacções, a preguiça e a acomodação coabitam; são males muito graves, tolhem iniciativas; são um perigo interior e nascem da situação de o jornalista não se impôr uma exigência; não se colocar uma meta a atingir. Ele não tem, mesmo no órgão que representa, um trabalho que sirva de referência para os colegas; não é exemplo. E nem se importa.
Prefere encontrar culpados pela inércia que o amolece e, a partir de dentro, lançar o olhar crítico (e não autocrítico), aniquilador, como se não fosse parte integrante do corpo contra o qual agora se rebela. Sequer sabe o que é legitimidade moral.