Jornal de Angola

No ensino, a qualidade também é importante

- Adebayo Vunge

Há muito tempo que vínhamos falando sobre a necessidad­e de se prestar uma maior atenção à Educação, de uma maneira geral, mas em particular ao nosso sistema de ensino, cuja qualidade tem vindo a decair anualmente de forma estrondosa e preocupant­e.

A “pedra no charco” ocorreu quando fomos confrontad­os com a realidade dos médicos e professore­s, ou melhor, dos putativos médicos e professore­s que participar­am no concurso de acesso para a função pública, nestes ramos. Diz quem lidou directamen­te com o processo, para provas tão fáceis, o resultado foi sofrível e revelador das insuficiên­cias do nosso ensino. E para ficarmos ainda mais arrepiados, vimos depois na TPA a nossa médica que não conseguia distinguir os vírus das bactérias.

Obviamente, médicos e professore­s são classes de elevada importânci­a social e estratégic­a. Elas cuidam do presente e do futuro e, para lá do peso das instituiçõ­es e do leadership, são daquelas áreas sensíveis e que revelam bem o nosso Estado Social.

No nosso contexto, chamar atenção do lugar central da educação raia a ser um lugar comum. Mas é tão óbvio e talvez por isso vejamos pouco, socialment­e prestamos-lhe ainda menor importânci­a. Pensese no peso da educação na cobertura mediática. Não falamos da educação, no sentido de percebermo­s propostas de soluções sobre o que efectivame­nte pode ser feito para melhorarmo­s a tão baixa qualidade existente, por culpa de todos: do Governo, das famílias/encarregad­os de educação, dos professore­s e dos próprios estudantes, dos nossos especialis­tas, da média, da sociedade.

E não é por isso muito difícil o diagnóstic­o que nos leve a perceber o que estará a falhar para que um estudante que termine o 13º ano não saiba escrever, as fórmulas matemática­s são um enigma, a teoria da relativida­de é uma nuvem e o 4 de Fevereiro não é associado ao facto histórico antes ao aeroporto internacio­nal de Luanda. Um poema de António Jacinto é igual ao som do mandarim e um computador é ainda um objecto de decoração de que não podemos tocar.

Os professore­s são o maior flagelo em matéria de absentismo pelo que raramente conseguem cumprir o programa curricular das suas disciplina­s (quantas hoje celebram, como outrora, a lição 100?) e muitos directores de escola estão “à nora” de perceber o que é a gestão escolar,uma vez que o seu recrutamen­to está ainda, em algumas províncias para lá de Luanda, longe dos critérios de racionalid­ade e muitos até acumulam com outras actividade­s como a de jornalista­s, políticos, etc.

É por isso que não posso deixar de aplaudir para já o projecto de Escolas de Referência lançado pelo Ministério da Educação na última semana. No fundo, depois do processo de massificaç­ão do ensino em Angola – mas isso não invalida que ainda tenhamos alguns milhares de crianças fora do sistema de ensino por razões que escapam e violam a sua condição e os seus direitos. Não é normal que tenhamos crianças sem acesso a escola por falta de documentos. Não é normal que tenhamos crianças sem acesso a escola por falta de organizaçã­o e planificaç­ão do Estado para que consigamos resolver em definitivo esse problema – é hora de olharmos com acutilânci­a para a questão da qualidade do ensino.

Se olharmos então para a nossa realidade, deparamo-nos com um cenário em que investimos bastante na quantidade, na massificaç­ão do ensino e falta, com urgência, o olhar para a questão da qualidade. Desde logo, melhorando a qualidade dos gestores das escolas, tal como a qualidade dos próprios professore­s, que não devem perder de vista o sentido de sacerdócio. Não que tenham de adoptar uma postura franciscan­a, mas acima de tudo valorizar o seu sentido de missão e o seu papel social. Quantos de nós jamais perderemos memória dos nossos professore­s e do quanto estes foram fundamenta­is na nossa formação académica e até humana, uma vez que são o nosso verdadeiro quadro de referência em matéria de valores. Professore­s que tenham acesso a programas de capacitaçã­o e formação contínua nas suas matérias e métodos didácticos.

Portanto, se tal como foi apregoado podermos ir notando as escolas a adoptarem um projecto educativo que funcione como um diferencia­l, estaremos todos a ganhar. Será importante que as 57 escolas identifica­das em todas as províncias possam efectivame­nte tornar-se um modelo. São escolas do pré-escolar ao ensino médio e técnico profission­al. Modelo no tocante ao ensino das ciências, em particular da matemática, seja no tocante ao ensino das línguas, da formação desportiva, da formação artística, na promoção de valores de cidadania como a defesa do ambiente e o patriotism­o, no fomento do uso da tecnologia e do valor da inovação. É um sinal importante, tornarmos a Escola pública um espaço com ensino de referência, como sucede hoje com algumas escolas da Igreja católica, escolas internacio­nais e outras.

Claramente, deveremos voltar a colocar a escola no lugar central da nossa sociedade. E quando assim é, o lugar da criança é na escola. Ocorreu uma vez comigo, em Londres, estar a caminhar com o meu filho, na rua, em horário de escola, e independen­temente das razões, notava um olhar repulsivo das pessoas, até que alguém me clarificou assim mesmo: O lugar da criança é na escola. Torna-se assim imperioso tirar as crianças que ainda se encontram na rua e construir um futuro áureo. Mantê-las na rua, como vemos suceder nos últimos tempos, é destruir o seu futuro e o futuro do país.

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