No ensino, a qualidade também é importante
Há muito tempo que vínhamos falando sobre a necessidade de se prestar uma maior atenção à Educação, de uma maneira geral, mas em particular ao nosso sistema de ensino, cuja qualidade tem vindo a decair anualmente de forma estrondosa e preocupante.
A “pedra no charco” ocorreu quando fomos confrontados com a realidade dos médicos e professores, ou melhor, dos putativos médicos e professores que participaram no concurso de acesso para a função pública, nestes ramos. Diz quem lidou directamente com o processo, para provas tão fáceis, o resultado foi sofrível e revelador das insuficiências do nosso ensino. E para ficarmos ainda mais arrepiados, vimos depois na TPA a nossa médica que não conseguia distinguir os vírus das bactérias.
Obviamente, médicos e professores são classes de elevada importância social e estratégica. Elas cuidam do presente e do futuro e, para lá do peso das instituições e do leadership, são daquelas áreas sensíveis e que revelam bem o nosso Estado Social.
No nosso contexto, chamar atenção do lugar central da educação raia a ser um lugar comum. Mas é tão óbvio e talvez por isso vejamos pouco, socialmente prestamos-lhe ainda menor importância. Pensese no peso da educação na cobertura mediática. Não falamos da educação, no sentido de percebermos propostas de soluções sobre o que efectivamente pode ser feito para melhorarmos a tão baixa qualidade existente, por culpa de todos: do Governo, das famílias/encarregados de educação, dos professores e dos próprios estudantes, dos nossos especialistas, da média, da sociedade.
E não é por isso muito difícil o diagnóstico que nos leve a perceber o que estará a falhar para que um estudante que termine o 13º ano não saiba escrever, as fórmulas matemáticas são um enigma, a teoria da relatividade é uma nuvem e o 4 de Fevereiro não é associado ao facto histórico antes ao aeroporto internacional de Luanda. Um poema de António Jacinto é igual ao som do mandarim e um computador é ainda um objecto de decoração de que não podemos tocar.
Os professores são o maior flagelo em matéria de absentismo pelo que raramente conseguem cumprir o programa curricular das suas disciplinas (quantas hoje celebram, como outrora, a lição 100?) e muitos directores de escola estão “à nora” de perceber o que é a gestão escolar,uma vez que o seu recrutamento está ainda, em algumas províncias para lá de Luanda, longe dos critérios de racionalidade e muitos até acumulam com outras actividades como a de jornalistas, políticos, etc.
É por isso que não posso deixar de aplaudir para já o projecto de Escolas de Referência lançado pelo Ministério da Educação na última semana. No fundo, depois do processo de massificação do ensino em Angola – mas isso não invalida que ainda tenhamos alguns milhares de crianças fora do sistema de ensino por razões que escapam e violam a sua condição e os seus direitos. Não é normal que tenhamos crianças sem acesso a escola por falta de documentos. Não é normal que tenhamos crianças sem acesso a escola por falta de organização e planificação do Estado para que consigamos resolver em definitivo esse problema – é hora de olharmos com acutilância para a questão da qualidade do ensino.
Se olharmos então para a nossa realidade, deparamo-nos com um cenário em que investimos bastante na quantidade, na massificação do ensino e falta, com urgência, o olhar para a questão da qualidade. Desde logo, melhorando a qualidade dos gestores das escolas, tal como a qualidade dos próprios professores, que não devem perder de vista o sentido de sacerdócio. Não que tenham de adoptar uma postura franciscana, mas acima de tudo valorizar o seu sentido de missão e o seu papel social. Quantos de nós jamais perderemos memória dos nossos professores e do quanto estes foram fundamentais na nossa formação académica e até humana, uma vez que são o nosso verdadeiro quadro de referência em matéria de valores. Professores que tenham acesso a programas de capacitação e formação contínua nas suas matérias e métodos didácticos.
Portanto, se tal como foi apregoado podermos ir notando as escolas a adoptarem um projecto educativo que funcione como um diferencial, estaremos todos a ganhar. Será importante que as 57 escolas identificadas em todas as províncias possam efectivamente tornar-se um modelo. São escolas do pré-escolar ao ensino médio e técnico profissional. Modelo no tocante ao ensino das ciências, em particular da matemática, seja no tocante ao ensino das línguas, da formação desportiva, da formação artística, na promoção de valores de cidadania como a defesa do ambiente e o patriotismo, no fomento do uso da tecnologia e do valor da inovação. É um sinal importante, tornarmos a Escola pública um espaço com ensino de referência, como sucede hoje com algumas escolas da Igreja católica, escolas internacionais e outras.
Claramente, deveremos voltar a colocar a escola no lugar central da nossa sociedade. E quando assim é, o lugar da criança é na escola. Ocorreu uma vez comigo, em Londres, estar a caminhar com o meu filho, na rua, em horário de escola, e independentemente das razões, notava um olhar repulsivo das pessoas, até que alguém me clarificou assim mesmo: O lugar da criança é na escola. Torna-se assim imperioso tirar as crianças que ainda se encontram na rua e construir um futuro áureo. Mantê-las na rua, como vemos suceder nos últimos tempos, é destruir o seu futuro e o futuro do país.