Futebol & Política
Dilma Russef não perdeu o poder em 2016, simplesmente por causa da crise económica que desconjuntou a sociedade brasileira, a partir de cima, dos donos dos meios de produção, não Senhora. Dilma também perdeu o poder por causa da derrota do Brasil frente à Alemanha, em 8 de Julho de 2014, no Estádio Mineirão, em Belo Horizonte, por sete a um. Sete a um! O quadri-campeão mundial, perder por sete a um, no Mineirão? A equipa de Pelé, de Romário, de Ronaldinho Gaúcho, de Roberto Carlos, de Zico, do Dr. Sócrates, do Garrincha, perder na sua terra por essa dolorosa margem? O povo não a perdoou.
Este pormenor, por muitos negligenciado na análise da vida política brasileira das duas últimas décadas, resulta dos termos comparativos entre as duas realidades sociais mais potentes em ternos mediáticos dos nossos dias: o futebol e a política, tal como, no tempo dos romanos, o circo e os gladiadores serviam os ditames dos imperadores no poder. Panem et circenses, que o poeta Juvenal imortalizou.
Se no tempo de Lénine, a religião era o ópio do povo, hoje em dia, é o futebol esse ópio, a liamba do povo.
Essa ligação prova como a sociedade humana evolui na perícia das máquinas e sobretudo nos engenhos bélicos que atravessam mares e céus para obter superioridade no terreno de confrontação, mas reflui na harmonia e na paz social, pontuada, cada vez mais, pela extrema divisão de classes, em que a classe do terceiro mundo dos tempos do Rei Luís XV aparece outra vez, em pleno século XXI, confrontada com uma vergonhosa carência de pão. Se Victor Hugo ressuscitasse, escreveria outro romance igualzinho a Os Miseráveis.
Mas não é por essa ligação diversionista ou opiácea que o futebol vem aqui à tona da água. É por causa dos prognósticos. Tanto no futebol, quanto na política, a coisa que mais prejudica os dois termos fundacionais da equação social do Estado moderno é a permanência do prognóstico para manter a fidelidade dos adeptos.
Não poucos foram os treinadores, os presidentes dos clubes, jornalistas desportivos e até mesmo quimbandas que se ficaram mal na fotografia, depois de terem previsto vitórias para as suas equipas e o resultado saiu-lhes surpreendentemente desfavorável.
Não poucos foram também os líderes políticos, directores de campanha, jornalistas de opinião (e é bem provável que, aqui, entre nós africanos, algum dos apostadores eleitorais tenha frequentado o antro fumegante de algum xiranga) que ficaram corcundas no dia seguinte aos resultados eleitorais, ou que, tendo vencido, anos depois, nem um terço do prometido conseguiram executar.
Foi assim com Dilma, na esfera social e económica. Algo falhou no Brasil do PT pós Lula. Distracção a mais? Euforia pela dupla eleição? Ou o mecanismo intrínseco e inilidível da Economia que faz mover as rodas da produtividade e da repartição e entesouramento do dinheiro, e que escapa a toda e qualquer fórmula de Keynes ou de von Hayek?
O mundo anda assim, desde que, há mais de 14 mil anos, o homem começou a plantar o que, antes, colhia simplesmente das árvores. Existe esse mecanismo (in)controlável da Economia sobre o destino da sociedade.
Porém, ao contrário do futebol, os prognósticos no campo da política são ainda mais deletérios, visto que a política mexe com os destinos dos povos, enquanto que o futebol mexe mais com as emoções. Um prognóstico demasiado perigoso e anacrónico é o de que depois de algumas décadas de experiência democrática, após a II Grande Guerra, a sociedade só pode estabilizar-se sob regimes ditatoriais. A realidade mostra precisamente o oposto. No reino da Noruega, país dos vikings, do petróleo e dos fiordes, a democracia é uma conquista surpreendente que deita por terra a tese extremista da possibilidade única do desenvolvimento sob férreas ditaduras, na era dos direitos do homem. O que a Noruega aprendeu, ao longo dos séculos, com a sua Educação universal, foi que não se sobe ao poder para ficar rico, mas para sentar num banco de jardim com o povo. Essa é a fórmula mágica para o controlo efectivo da Economia, essa besta quadrada perfeitamente domável, afinal.
Um prognóstico demasiado perigoso e anacrónico é o de que depois de algumas décadas de experiência democrática, após a II Grande Guerra, a sociedade só pode estabilizarse sob regimes ditatoriais. A realidade mostra precisamente o oposto