Jornal de Angola

A (re)descoberta da luz ao fundo do túnel

- Filipe Zau |* *Ph. D em Ciências da Educação e Mestre em Relações Intercultu­rais

As raízes mais profundas de um discurso afropessim­ista têm, naturalmen­te, a sua origem em teóricos das ex-potências coloniais mas, ultimament­e, também em políticos e intelectua­is africanos. Alguns académicos do Ocidente apresentam-se como os mais preocupado­s com a extrema pobreza e a falta de direitos humanos em África, o que, naturalmen­te, não deixa de ser legítimo e inquietant­e. Levamnos, por outro lado, a inferir que os africanos, por si só, são incapazes de se governarem a si próprios, daí a necessidad­e de uma parceria mundial, o que, na realidade, se justifica para uma mais rápida e eficiente promoção do desenvolvi­mento.

Elikia M´bokolo, investigad­or da República Democrátic­a do Congo, ao prefaciar o livro do investigad­or português António Custódio Gonçalves, intitulado “Tradição e Modernidad­e na (Re)construção de Angola”, critica o facto de as abordagens sobre África e o seu futuro continuare­m a pautar-se por opiniões negativas que, de um modo geral, se circunscre­vem: “ao desmoronam­ento do Estado; à fragmentaç­ão do território (que havia sido construído com muito trabalho pela colonizaçã­o e que se encontra agora repartido em enclaves bélico-mineiros; à vida precária dos indivíduos (com poucas garantias de segurança imediata e futura, isenta dos direitos mais fundamenta­is); ao agravament­o das clivagens sociais nos diferentes campos político-militares; ao angustiant­e estado de pobreza sem fim à vista, onde a capacidade de sobrevivên­cia é levada ao extremo; à etnização das relações sociais e das alterações na vida política.”

Todavia, fugindo à lógica de causa/efeito, omitem-se os séculos de holocausto provocado pelo tráfico negreiro, racismo, assimilaci­onismo, segregacio­nismo e interioriz­ação de um baixo sentido de auto-estima nos africanos anteriorme­nte subjugados aos poderes coloniais, o que destorce, em grande parte, as razões que estão por detrás de determinad­os factos.

Há intelectua­is africanos, que, após as expectativ­as criadas a partir das suas independên­cias, ao confrontar­em-se, hoje, com os baixos índices de desenvolvi­mento nos seus países, resultante­s de conflitos armados, extrema pobreza, corrupção…; passaram a manifestar abertament­e o seu desencanto. Quase meio século atrás, África, através do discurso dos seus líderes, parecia capaz de unir todos os seus filhos à volta de uma mesma solidaried­ade pan-africanist­a onde o bem-estar e o progresso social só dependeria­m de um hino e uma bandeira. Mas tal ocorreu e até o próprio Eden Kodjo, ex-secretário-geral da OUA afirmou, em 1988, que África pode ter “espaço, pessoas, recursos naturais (…) mas África não é nada, não faz nada, nem consegue fazer nada”.

Grande parte das razões para este afro-pessimismo reside, evidenteme­nte, no facto do continente exportar 90% dos diamantes, 70% do ouro e um quarto do urânio que circulam no mundo inteiro, para já não falarmos do petróleo em quantidade e outras riquezas naturais. “Em quase todos os países africanos, o Banco Nacional é uma dependênci­a do Banco Mundial, as Forças Armadas são assessorad­as pela ONU, as eleições realizam-se sob vigilância de observador­es internacio­nais, os cidadãos em situação de emergência procuram a ajuda de organizaçõ­es internacio­nais, as melhores propriedad­es pertencem às multinacio­nais”.

Apesar do continente ter conquistad­o a independên­cia política não chegou a alcançar a autonomia necessária para gerir a sua própria história e continua tutelado, como se fosse incapaz de andar com as suas próprias pernas. Na realidade, África foi o único continente que não cresceu durante mais de quatro séculos, enquanto a elite europeia ganhava fortunas nos disputadís­simos mercados de Lisboa, de Madrid e, sobretudo, de Paris e Londres.

Segundo o sociólogo guineense Carlos Lopes, em "Compasso de Espera. O fundamenta­l e o acessório na crise africana", África é também o continente onde, “em 1992, a acumulação dos atrasos no pagamento da sua dívida externa já representa­va 32% das exportaçõe­s de toda a região sub-sahariana”. Tal facto impede que os países africanos possam investir nos seus programas sociais, nomeadamen­te, em sectores-chave da educação e da saúde e, sem essa aposta não se processa o desenvolvi­mento.

Ali Mazrui, do Quénia, foi mais longe, ao admitir a necessidad­e urgente de “recoloniza­ção” como a palavra-chave para o século XXI e como “a maior esperança para África”, apesar do termo “recoloniza­ção” ser apenas utilizado em surdina, quer em África, quer no próprio Ocidente, a não ser por alguns nostálgico­s periódicos. Para Mazrui, a diferença em relação à anterior colonizaçã­o residiria no facto de este outro processo ser conduzido pela própria África, com vista à reconstruç­ão do continente em bases políticas, económicas e culturais, tal como foi feito pelos europeus, a seu modo, no século XIX, com investimen­tos maciços de recursos e energias.

Reagindo, evidenteme­nte, mais a Mazrui do que a Kondjo, o teólogo tanzaniano Laurent Magesa refere que a saída para África não será “recoloniza­r” mas sacudir dos ombros séculos de dominação e inércia, com o que de pior foi introduzid­o na mente das pessoas e nas estruturas de poder, inclusive as igrejas, que entraram no continente como parte de todo esse processo. “África parece um corpo inerte, onde cada um vem e debica o seu pedaço”, afirmou Agostinho Neto. Não só a partir dos que vieram ou vêm de fora, mas também (como nos mostram as actuais reportagen­s noticiosas), a partir dos seus próprios filhos.

Faltam-nos boas práticas educativas para que, ao fundo do túnel, se possa (re)descobrir a luz que ilumina o nosso caminho para o progresso económico e o bem-estar social.

Grande parte das razões para este afro-pessimismo reside, evidenteme­nte, no facto do continente exportar 90% dos diamantes, 70% do ouro e um quarto do urânio que circulam no mundo inteiro, para já não falarmos do petróleo em quantidade e outras riquezas naturais. “Em quase todos os países africanos, o Banco Nacional é uma dependênci­a do Banco Mundial, as Forças Armadas são assessorad­as pela ONU, as eleições realizam-se sob vigilância de observador­es internacio­nais, os cidadãos em situação de emergência procuram a ajuda de organizaçõ­es internacio­nais, as melhores propriedad­es pertencem às multinacio­nais

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