“Os alunos saem daqui com uma ampla visão de criação de negócios”
No campo profissional, Mário Quixito, director do Instituto Médio Técnico de Hotelaria e Turismo “Terra do Ngola”, localizado na Cidade do Kilamba, quer ver, pelo menos, um dos seus alunos a chefiar uma das grandes cozinhas internacionais, um sonho alcançável, desde que se continue a apostar na formação de professores, que, no seu entender, devem ser bem instruídos para que, na altura de potenciar o estudante, o potencie com ferramentas verdadeiras e de qualidade. O instituto “Terra do Ngola” é, na província de Luanda, a primeira escola pública a formar técnicos médios em Hotelaria e Turismo. Mário Quixito, que recebeu o Jornal de Angola para uma entrevista, referiu que o estabelecimento escolar de que é director já devia existir logo depois da proclamação da independência por Angola ter um robusto potencial turístico. O Ministério da Educação aumentou a oferta de cursos técnico-profissionais com a introdução, em 2014, do curso médio de Hotelaria e Turismo. Embora sejam importantes as orientações curriculares internacionais, o programa curricular do curso está ajustado à realidade social e cultural do país?
A nossa instituição tem o seu programa curricular bem ajustado à realidade sociocultural do país. O Ministério da Educação tem uma direcção que se responsabiliza por todo o plano curricular de cada instituição. Connosco não foi diferente.
Acha que o curso médio técnico de Hotelaria e Turismo foi introduzido na altura certa ou já devia ter sido criado antes e porquê?
Pelo potencial turístico que o nosso país tem, uma escola desta dimensão poderia ter surgido logo depois do triunfo da nossa Revolução. Infelizmente, um conjunto de factores concorreu para que tal não acontecesse. O país atravessou um período crítico, razão pela qual a escola só surgiu em 2014. O Executivo teve uma visão holística em apostar na abertura de uma escola desta dimensão. Estamos a preparar os nossos jovens e sentimonos felizes porque fazemos parte da primeira geração que está a formar técnicos especializados nesta área. Por isso, estamos satisfeitos.
A segunda pergunta foi feita tendo em conta as potencialidades turísticas do país que, infelizmente, não têm sido devidamente aproveitadas, dentro da perspectiva de o sector vir a ser uma consolidada fonte de receitas para o país. O que tem a comentar?
Angola tem ainda poucos técnicos formados na área e os existentes vieram, na sua maioria, do Reino do Marrocos. Dentro da perspectiva de o sector tornar-se numa fonte robusta de receitas para o país, ainda temos muito caminho a fazer. Daí a visão estratégica do Executivo de criar escolas como esta e outras, como as de Hotelaria e Turismo no Huambo e na Huíla.
O programa curricular do curso é baseado na estratégia do Executivo de alavancar o sector para o país vir a ser um ponto turístico internacional obrigatório?
Sim, porque, quando se elaborou o plano curricular, fizemos uma consulta na rede hoteleira do país. Com base nas necessidades que o sector tinha, foi possível elaborarmos um plano curricular para dar resposta às expectativas do mercado. Nós não fizemos um plano curricular empírico. O nosso plano curricular é contextual, feito com o envolvimento de técnicos da área pedagógica e especialistas do ramo Hoteleiro e Turístico. Por via desta simbiose, foi possível fazer o nosso plano curricular.
O aluno formado aqui sai com pensamento consolidado de que, além das saídas profissionais que o curso oferece, pode ser um empreendedor bem sucedido?
Sim, o aluno sai daqui bem preparado, porque, no curso, a primeira matéria que ensinamos é sobre empreendedorismo. Além de prepararem os alunos para o mercado de emprego, a fim de darem o seu contributo na área em que se formam, as escolas do ensino técnico-profissional têm também um terceiro pilar, que é uma visão empreendedora. A disciplina considerada eixo central de todos os cursos na nossa instituição é a de empreendedorismo. Logo, o estudante, por receber conteúdos desta disciplina, em três anos, está preparado para criar o seu emprego e, também, postos de trabalho para outras pessoas.
Acha que a maioria dos alunos do instituto faz o curso por desejo absoluto de seguir uma carreira profissional na área ou está aqui levada pelos pais ou desiludida por não conseguir entrar em cursos de sua preferência?
No início do funcionamento do instituto, notámos que alguns alunos fizeram do curso um “escape” para não ficarem em casa e perder o ano lectivo. Falo em “escape” porque alguns vieram para cá por não terem conseguido entrar, por exemplo, para a Escola Técnica Profissional de Saúde, Instituto Médio de Economia de Luanda (IMEL), Instituto Médio Industrial de Luanda (IMIL) e o Instituto de Telecomunicações (ITEL). A última alternativa era o Instituto Médio Técnico de Hotelaria e Turismo. Mas, hoje, o quadro mudou taxativamente, fruto do grande trabalho de sensibilização que se fez ao longo destes anos.
O Instituto já fez, alguma vez, um levantamento com recurso a psicólogos escolares, para aferir o estado motivacional dos alunos, com vista a debelar os eventuais constrangimentos encontrados em alunos que, ao longo da formação, perdem o interesse pelo curso de Hotelaria e Turismo?
Em qualquer instituição esse fenómeno pode acontecer. No nosso organigrama, temos um Gabinete Psico-pedagógico, que, de acordo com o seu objectivo, dá tratamento a situações desta natureza. Temos, também, o Gabinete de Inserção à Vida Activa do Estudante. Os dois gabinetes estão de mãos dadas para que assuntos desta natureza sejam tratados. Além de as duas áreas acompanharem acti
A nossa missão, enquanto membro da direcção desta escola, é holística, de maneira que temos tido contactos com distintos ministérios. Por exemplo, o Ministério da Cultura, Turismo e Ambiente tem estado de mãos dadas com a nossa instituição, fruto das nossas solicitações
vamente o estudante até ao dia da sua saída, a escola tem, durante a semana, duas paradas, onde são abordados temas transversais, com o objectivo de resgatar os valores patrióticos, cívicos e morais, além de abordar a importância dos cursos ministrados na instituição.
Do ponto de vista pedagógico, o Instituto Médio Técnico de Hotelaria e Turismo está em condições de despertar a vocação de alunos que acham não ter “inclinação natural” pelo curso?
Com certeza que sim. Já tivemos casos de alunos que queriam desistir. Mas, fruto do trabalho de sensibilização que a instituição tem feito, acabaram por perceber que, afinal de contas, é importante terminar a formação porque o futuro está garantido. Fundamentalmente, eles se apercebem de que serão os primeiros técnicos de hotelaria e turismo do nosso país e com diplomas, formados pelo Instituto Médio Técnico de Hotelaria e Turismo.
A gastronomia internacional é uma área tão aliciante, razão pela qual as melhores cadeias hoteleiras no mundo procuram pelos melhores chefs de cozinha. Já teve alguma vez a convicção, e porquê, de que Angola pode um dia exportar chefs de cozinha?
Angola pode, sim, exportar chefs. Mas o que é fundamental é apostar nos recursos humanos, na formação dos professores, porque devem ser bem instruídos para que, na altura de potenciar o estudante, o potencie com ferramentas verdadeiras e de qualidade. E isso só será possível se houver o casamento da teoria com a prática.
Nos primeiros anos do Instituto Médio Técnico de Hotelaria e Turismo como foi a adesão de alunos aos cursos?
Nos primeiros anos do Instituto Médio Técnico de Hotelaria e Turismo a adesão de alunos foi muito diminuta. E percebemos que foi por questões culturais e por falta de conhecimento dos benefícios do curso. Por isso é que se fez um trabalho árduo de sensibilização e de informação para que pudéssemos explicar às pessoas o quão importante é o ramo hoteleiro.
Começou com uma população estudantil de quantos alunos e qual é o número actual?
No primeiro ano, a escola arrancou com 778 alunos no ensino médio e 204 no ensino de base, totalizando uma população de 982 alunos. De 2014 a 2021, a instituição já matriculou mais de quatro mil alunos e formou três gerações de finalistas, num total de 805 técnicos, entre os quais, de acordo com o controlo feito pelo Gabinete de Inserção à Vida Activa, estão aproximadamente 100 indivíduos já inseridos no mercado de trabalho.
O curso está bem servido de material didáctico e qual é a sua origem?
Infelizmente, o curso não está bem servido de material didáctico. Os alunos optam pela via alternativa, que é a Internet. Um dos grandes desafios da escola é a criação de uma biblioteca, onde o aluno deve encontrar tudo de que precisa sobre a sua área de formação.
O curso médio cobre todas as áreas referentes ao sector da Hotelaria e Turismo?
O curso médio não cobre todas as áreas referentes ao sector da Hotelaria e Turismo, porque tem cursos que não foram ainda abertos, devido à falta de especialistas. A área de Turismo tem aproximadamente catorze cursos, mas a nossa escola apenas ministra cinco no ensino médio e quatro no ensino de base. Não adianta abrir um curso sem haver especialistas formados na área.
Quem quiser, por exemplo, trabalhar em áreas de protecção ambiental, como parques naturais e reservas de caça, encontra no curso suporte pedagógico para se tornar um profissional?
Sim, quem quiser trabalhar em área ambiental encontra no curso suporte pedagógico, porque a temática ambiental é transversal. Em qualquer curso é tratada a questão ambiental. Devido ao potencial turístico que temos, a componente ambiental deve ser muito bem tratada. Dentro da transversalidade do nosso currículo aparecem padrões ligados ao meio ambiente.
Embora esteja sob tutela do Ministério da Educação, o Instituto Médio Técnico de Hotelaria e Turismo tem alguma parceria com departamentos ministeriais que trabalham na execução e implementação de políticas e estratégias ligadas ao sector da Hotelaria e Turismo?
A nossa missão, enquanto membro de direcção desta escola, é holística, de maneira que temos tido contactos com distintos ministérios. Por exemplo, o Ministério da Cultura, Turismo e Ambiente tem estado de mãos dadas com a nossa instituição, fruto das nossas solicitações. Nós, praticamente, fomos credenciados pela rede hoteleira de Luanda, cuja relação tem permitido que os nossos estudantes façam os seus estágios. Com o Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos temos tido contactos jurídicos, para a realização de palestras e seminários sobre a legislação em Angola referente ao campo turístico.
O curso é totalmente teórico ou dispõe de uma parte prática, com trabalhos de campo?
O curso é teórico. Mas nenhum estudante termina o curso sem passar pela prática, por via de estágios. Todos os alunos da nossa escola fazem estágio, graças ao apoio que temos recebido da rede hoteleira de Luanda.
Os alunos formados aqui saem com o conhecimento geral de Geografia de Angola, da nossa rica cultura alimentar e de outros aspectos identitários da cultura angolana?
Os alunos formados aqui saem, sim, com um conhecimento geral da Geografia de Angola, tudo porque o nosso plano curricular é contextual e abrangente à nossa realidade.
Os alunos formados pelo instituto são, pela natureza do curso, absorvidos sobretudo pelo sector privado?
No que toca ao mercado de trabalho, os alunos formados pelo instituto são absorvidos, sobretudo, pelo sector privado. Por exemplo, a maior parte dos restaurantes da Cidade do Kilamba tem entre os seus funcionários estudantes da nossa escola. O programa curricular permite que qualquer aluno que saia daqui e não consiga emprego se torne empreendedor. Nas feiras que escolas da Cidade do Kilamba têm realizado temos tido conhecimento de que existem estudantes que criaram o seu próprio negócio. Como já disse, a nossa escola prepara o aluno não somente para o mercado de emprego, mas também para ter uma visão de criação do seu próprio negócio.
Admite que existam centenas de técnicos médios de hotelaria e turismo que deixam de fazer uma formação superior na área por estarem desanimados, em decorrência do facto de não conseguirem entrar para o mercado de trabalho, depois da conclusão do curso?
Não admito, porque o aluno que termina a formação acaba por tomar consciência e perceber a importância do ramo hoteleiro e tem muitas opções na área em que se formou.
O projecto Okavango, do qual Angola faz parte, tem sido estudado a nível do curso, pela sua importância na economia dos países signatários?
Sobre o projecto Okavango, temos abordado o assunto dentro do nosso plano curricular. Temos disciplinas que abordam aspectos ligados ao referido projecto. Inclusive, já temos um encontro marcado com o Ministério da Cultura, Hotelaria e Turismo, porque queremos que este departamento ministerial envie para o instituto especialistas para darem palestras sobre a importância do projecto Okavango, que vem dignificar o turismo não só de Angola como de outros países da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC).
O que é que gostaria de acrescentar?
O Instituto Médio Técnico de Hotelaria e Turismo tem dois ciclos de ensino. O primeiro ciclo é o ensino de base, da 7ª a 9ª classe, e o segundo ciclo o ensino médio, que vai da 10ª classe até à 13ª classe. No ensino de base são ministrados quatro cursos: de cozinha, pastelaria e padaria, mesa/bar e prática de serviços de andares. Já no ensino médio são ministrados cinco cursos: de turismo, recepção, restauração e bar, restauração de cozinha e pastelaria e de gestão hoteleira. Importa referir, também, que há um grande problema nas instituições de ensino técnico-profissional. Não nos interessa ter uma instituição com numerosas turmas, mas sem laboratórios. O estudante tem que aliar os conhecimentos adquiridos na sala de aula com a prática, em oficinas com laboratórios, inclusive. Também seria fundamental a revisão da nossa carga horária. Em países mais avançados, a componente teórica tem aproximadamente 30 a 40 por cento do plano curricular e a prática de 40 a 70 por cento, o que permite ao aluno ter maior tempo no laboratório, na oficina, do que na sala de aula. Assim estaríamos a ter um técnico com mais ferramentas para o mercado de emprego.