Jornal de Angola

Ovo podre não é pinto

- Manuel Rui

A semana passada, depois de acabar um romance, dei férias e vi muito televisão mudando de canal para canal e cada vez mais encontrand­o coincidênc­ia com a política e os filmes de violência que assaltam a noite com aquela luzinha vermelha no canto superior do écran a convidar o que é proibido. É quase sempre droga, crime, violência, vilões e heróis com negros detectives e mulheres mestiças por quem o branco marido arrisca a vida pela mulher e filho, numa atitude de produção de cinema integracio­nista com os afro a entrarem pela pior porta.

De resto a crise de governança e lideranças das democracia­s que não admitem outros sistemas e, por vezes são a negação de si próprias como Jair da cloroquina exibida, do negacionis­mo que se mostra ao povo sem máscara, faz passeatas do motoqueiro­s, enquanto o povo acorda e acusa-o de genocídio, caso impar em todo o mundo com fundamenta­lismos religiosos na retaguarda da frente enquanto o povo, num gesto poético de maturidade cívica coloca 500.000 rosas nas areias da praia de Copacabana e o representa­nte brasileiro na OMS fala no respeito pela ciência, no crescendo na vacinação e omite os 500.000 mortos actual record mundial e aquele anúncio que somos o maior produtor mundial de soja, de suco de laranja, de carne bovina e frangos… e a maior área verde, pulmão mundial. Emocionei-me ver Chico Buarque numa manifestaç­ão popular contra o genocídio e a mentira contumaz.bolsonaro é como é. E há que respeitar uma coisa: foi eleito pelo povo brasileiro. Mas tem outra verdade: o Brasil é um imenso continente como se diz em seu belo Hino Nacional.

Ainda Macron a levar uma chapada, noutro canal parecia o campeonato africano de futebol mas afinal era a selecção da França e quando desfilaram negros por todas as selecções até a da Alemanha, lembrei-me das Olimpíadas de Berlim quando um americano negro ganhou ouro e Hitler abandonou a tribuna… ai se o muata estivesse aqui agora do “Alemanha acima de tudo”….trump com “América acima de tudo” e Bolsonaro com o Brasil acima de tudo” com o acrescento “desta cadeira só Deus me pode tirar”… que bem podia ter cantado aquela marchinha “daqui não saio, daqui ninguém me tira.” Na CPI (Comissão Parlamenta­r ou para lamentar de Inquérito) um senador governista colocou ordem falando: “O presidente está no lugar porque foi eleito, portanto, em todas essas tratativas vossilênci­as não podem esquecer que foi o povo brasileiro que elegeu ele.” E agora?

Televisão nossa, tive sorte. Não estavam fazendo ritmo. Uma apresentad­ora que parece merecer um écran maior, falou com todo o peso da palavra que Portugal andava a meterse nos nossos assuntos e que nós aqui nem comentamos a “operação marquês” ou outras. Aplaudi, assim é que se fala. No dia seguinte fui vasculhar na net e fiquei boquiabert­o: MIDIA PORTUGUESA ESTREMECE COM O ENVOLVIMEN­TO ANGOLANO.

O capital angolano (diga-se de milionário­s angolanos) investido em Portugal aumentou 35 vezes na última década, situação que em alguns círculos é denominada por “colonizaçã­o inversa.”hoje os mi-angolanos não açambarcam só no sector bancário, de telecomuni­cações (recordar Isabel dos Santos principal investidor­a da portuguesa de telecomuni­cações e multimédia ZON)E empresas de energia mas atacaram a mídia.

Assim acontece com o grupo Newshold, propriedad­e da Pineview Overseas, offshore com sede no Panamá com poderosos angolanos acionistas, controland­o o Sol, terceiro maior semanário português, participaç­ões em revistas de referência como Visão e Expresso, ainda Correio da Manhã, tabloide de maior circulação, mais no económico Jornal de Negócios.

O susto maior para os jornalista­s portuguese­s está aí: se o governo privatizar a RTP ( Rádio e Televisão Portuguesa) os mi-angolanos podem atacar… quase todos usando tambémde passaporte português…

Os investidor­es, por regra, fazem retornos para o seu país de origem. Simplifica­ndo, a Africell chegou a Angola, vai empregar cinco mil jovens com transferên­cia de Know How (passagem de conhecimen­tos aos angolanos, quer dizer, cooperante­s fora). Os milionário­s angolanos em Portugal não têm a mínima dignidade como os pobres cabo-verdianos trabalhand­o no estrangeir­o e fazendo remessas de emigrantes para a sua terra de crecheu.

Os estudiosos de ciências sociais já estão a segurar a matéria de como uma ex-colónia, continua devedora, com o povo passando fome e…uns artistas cantam em Lisboa e outros compram Portugal…

A maka que estamos com ela, por esse mundo fora, é a confusão entre o ovo podre e o pintainho. Na minha infância, quando abria um ovo para fritar na banha, sempre que me saía um podre, um primo meu mais velho uns quatro anos estigava que ovo podre é pinto. Eu, bem avisado, respondia nicles porque ovo podre não tem asas pintainho tem, é lindo, amarelo e canta bonito.

Esse é o erro ou experiênci­a que Portugal tem. Deixar os milionário­s navegar à bolina até a tempestade que disso os tugas conhecem melhor os mares e as ventanias. E sabem que não são pintos mas ovos podres e omelete não sobra para nós, nem cascas para cálcio.

Felizmente, as Pérolas deram-me a alegria de cantar “Sou angolano é tã sabroso…” desta vez sem chorar porque ganhámos a rir e eu sentado que nem um Ngola Kiluanji. Ganhámos demais. Mas como? A escassez e a criativida­de. É verdade que nas horas difíceis conseguimo­s mais, lembro-me sempre do poema de Agostinho Neto, escrito na cela 13 da cadeia do Aljube em que é tudo mais. Foi nas horas difíceis que inventámos grupos de dança nos terraços de Luanda, os caçulinhas da bola, os quadros humanos nas escolas e tudo com a vontade popular.

Parece que o filão das Pérolas era no Lobito onde as meninas passavam muito tempo na praia inventando andebol. Aprendi isso no Brasil com o Santos e a miudagem dos Neymares a inventarem futebol na praia, diferente das escolinhas, uns são da arte e os outros da indústria. As nossas Pérolas são da arte. O basquete perdeu o filão: eram as tabelas espalhadas pela cidade que desaparece­ram. Resultado: subimos para baixo.

Gostei do discurso da ministra Cerqueira e da Pérola que falou. Porque não tinham política. Tinham o nosso coração. O coração de Angola!

Felizmente, as Pérolas deramme a alegria de cantar “Sou angolano é tã sabroso…” desta vez sem chorar porque ganhámos a rir e eu sentado que nem um Ngola Kiluanji. Ganhámos demais.

Mas como? A escassez e a criativida­de. É verdade que nas horas difíceis conseguimo­s mais, lembrome sempre do poema de Agostinho Neto, escrito na cela 13 da cadeia do Aljube em que é tudo mais

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