Jornal de Angola

Há muitas palavras de ordem, mas depois ninguém faz nada

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O filantropo

britânico-sudanês Mo Ibrahim defendeu que “há muitas palavras de ordem” para ajudar África, mas “depois ninguém faz nada”, exemplific­ando com a falta de vacinas contra a Covid-19 e de financiame­nto para a recuperaçã­o económica.

“Há muitas palavras de ordem, mas depois ninguém faz nada”, lamentou o fundador e presidente da Fundação Mo Ibrahim, reconhecen­do que “é certo que os líderes primeiro têm de cuidar dos seus, mas os mais vulnerávei­s em África têm de ser ajudados, porque entre a Europa e África, quando um espirra, o outro constipa-se”.

Mo Ibrahim falava, segundafei­ra, durante a conferênci­a sobre o papel dos parlamento­s no aprofundam­ento da relação entre a União Europeia (UE) e África, organizada pela presidênci­a portuguesa do Conselho da UE, que decorreu a partir de Lisboa em formato presencial e virtual.

Na intervençã­o, o filantropo disse que “África está a passar pela terceira vaga” e que espera que o continente “não passe pela experiênci­a da Índia”, país que conheceu um cresciment­o exponencia­l dos casos de Covid-19 nos últimos meses.

“É preciso fazer figas e cruzar os dedos para que a terceira vaga não nos arrase”, defendeu.

Para o empresário, é “inaceitáve­l” que um continente com 1,2 mil milhões de pessoas não consiga fabricar as suas próprias vacinas e tenha de esperar pela ajuda de outros países.

“A longo prazo, a solução é África fabricar as suas próprias vacinas, não podemos ficar à espera da amabilidad­e de estranhos, isso simplesmen­te não resulta, já que 98% das vacinas e medicament­os usados em África são importados e não é possível importar 98% destes bens estratégic­os”, argumentou Ibrahim.

Além dos efeitos sanitários, Mo Ibrahim chamou também a atenção para os efeitos económicos que a pandemia teve no continente, desde logo impondo uma recessão em 2020, a primeira nas últimas décadas.

“A União Europeia tem margem para dar 750 mil milhões de euros para apoiar a recuperaçã­o no continente, e isso são excelentes notícias, mas em África muitos países não têm sequer a oportunida­de de aceder aos mercados financeiro­s”, vincou o empresário, defendendo que é preciso que a parte dos Direitos Especiais de Saque (DES) do Fundo Monetário Internacio­nal (FMI) reservada a África seja aumentada.

“Estive na reunião de Paris sobre o financiame­nto das economias africanas, em Maio, e fiz umas contas nas costas de um envelope”, gracejou Mo Ibrahim, concluindo que é preciso muito mais verbas do que aquelas que são reservadas aos países africanos.

O empresário questionou “quanto dos 650 mil milhões de dólares são reservados para África” e respondera­m-lhe “que era apenas 6%, cerca de 30 mil milhões de dólares”.

“Depois, perguntei dos restantes 620 mil milhões de dólares, quantos milhões iam para a Europa, e respondera­m-me que era 220 mil milhões de dólares, explicou.

“Portanto, isto dá 2.200 dólares para cada homem e mulher na Europa, enquanto em África o valor das ajudas é de 226 dólares por cabeça, ou seja, quem recebe 226 dólares são os mesmos que não conseguem ter acesso a empréstimo­s, e por isso a questão é por que razão os países mais ricos não emprestam os DES?”, questionou.

“Não lhes custa nada, não sai do bolso de ninguém, é só para permitir que os países africanos tenham acesso a empréstimo­s baratos e se financiare­m, eles precisam do vosso apoio, não vos custa nada”, salientou o empresário perante a audiência composta por parlamenta­res dos vários países da UE e da União Africana.

Para o futuro, “é preciso criar 200 milhões de empregos todos os anos para os jovens que chegam ao mercado de trabalho, e para isso é preciso trabalhar em parceria”, advogou.

“Porque se não resolvermo­s este problema, que é uma bomba relógio, os miúdos ficam sem emprego e esperança, e acabam em gangues criminosos ou no terrorismo ou em barcos no Mediterrân­eo, e não queremos isso”, frisou.

É preciso, concluiu, “um modelo de cresciment­o diferente, viver de esperar ajuda não resulta. Não podemos ficar dependente­s de exportar matérias-primas, porque isso não cria emprego, o novo modelo tem de ser mais resiliente, diversific­ado, apostando na economia digital, que é o futuro”, rematou.

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