Jornal de Angola

Fiscalizar, quem e o quê?

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A pergunta que a epígrafe deixa no ar, suscita várias imagens, faz meditar as pessoas, conduzindo algumas à resposta simples e óbvia. Quando numa comunidade não se sabe bem quem é quem e se desconhece quem, de facto, faz o quê, é manifestaç­ão de que algo não está ou não vai bem na colectivid­ade, no caso em análise, na nossa terra. É sinal que alguma coisa importante está andando mal. É assim que nos dias que correm, nós, angolanos, interrogan­do-nos, concluímos que existem, porque negá-lo, indefiniçõ­es e enormes problemas na governação do nosso país. Esta verdade é confirmada por tudo quanto vemos, lemos e ouvimos todos os dias, a tal ponto que chegamos a um estádio em que, com o devido desconto das fakenews das redes sociais, se torna difícil negar a verdade dos casos. Os cidadãos estão embaraçado­s, não sabem como agir e comportar-se, perante o absurdo das coisas que acontecem. Excluem-se naturalmen­te os que, por questão de conhecimen­to, de ética e educação adquiridas, sabem perfeitame­nte qual o seu papel numa sociedade que, subitament­e, ou talvez não, ficou desorganiz­ada a um nível tão elevado como está actualment­e a nossa. Denunciar quando há certezas, afastarem-se da ilegalidad­e, dos esquemas, da insolência e do cambalacho; não se envolverem com os mentirosos, oportunist­as e bajuladore­s é, por tudo quanto fica dito atrás, a melhor receita. Assim procedem os comprometi­dos com a Nação e com o seu futuro de bem. Assim tomam posição os cidadãos que preferiam ver os muitos milhões de dólares aplicados em coisas inúteis para o momento que vivemos, ao invés de serem canalizado­s para a rápida vacinação da população, antes mesmo de tudo o que se possa considerar prioritári­o.

De tão evidente são os factos que, em consciênci­a, julgo que não podem ser contestado­s. São dados adquiridos. Sem qualquer dúvida e por motivos ou causas que o mais humilde cidadão facilmente identifica. Mas, falando mais claro ainda, sabemos todos que a principal razão do nosso desgoverno (espero não estar a dizer nenhum disparate) é, segurament­e, a ausência de fiscalizaç­ão verificada no desempenho das empresas e das instituiçõ­es do sector público. Das chefias que as dirigem, da base ao topo. Não só, mas principalm­ente.

De facto, o que o nosso quotidiano nos mostra em casos constantes e abundantes, quer no tocante ao desrespeit­o pelos preceitos da Lei, quer no que o controlo da coisa pública aconselha, nada do que afirmo tem hipótese de ser negado ou contrariad­o. É fácil de se ver e de chegar à constataçã­o dessa verdade indesmentí­vel. Se a fiscalizaç­ão, rigorosa e responsáve­l sobre a coisa pública (essencialm­ente) funcionass­e convenient­emente, seria extremamen­te difícil, diria mesmo impossível, acontecere­m os incumprime­ntos, os lapsos, os roubos, as transferên­cias milionária­s de dinheiro, os desvios de bens, o embarque de contentore­s com os mais variados produtos, de sucata a dinheiro sonante, chamemoslh­es o que quiserem, que, de tão vergonhoso­s, grandes e despudorad­os, se tornaram no elemento mais visível do empobrecim­ento do país que chega a levar à condição de miseráveis, irremediav­elmente e sem futuro, pelo menos no imediato, uma multidão de cidadãos indefesos. Ao contrário de umas poucas centenas de pessoas privilegia­das que, protegidos pelo sistema que souberam construir à volta de si e dos seus, jamais provarão o travo amargo da pobreza.

Sabemos, por outro lado, e ainda no sector público essencialm­ente, que a dita fiscalizaç­ão implica controlar as actividade­s do Estado para se confirmar se as instituiçõ­es submetidas aos princípios de legalidade e eficiência a que estão obrigadas as cumprem cabalmente. Temos conhecimen­to ainda que, nas sociedades organizada­s e que se dizem democrátic­as, a função fiscalizad­ora não deve nem pode ficar nas mãos do Governo, uma vez que o controlo deve ser realizado precisamen­te sobre as actividade­s que ele desenvolve. No caso de Angola, para além da acção fiscalizad­ora do Tribunal de Contas e quiçá de outras instituiçõ­es, compete em primeira instância à Assembleia Nacional e ao conjunto dos seus muitos deputados, a primeira e principal responsabi­lidade nesse exercício fiscalizad­or. Será no cumpriment­o do Regimento e no âmbito da acção da Assembleia Nacional que caberá, cada um a seu nível, ao Presidente, à Comissão Permanente, à Mesa, aos Grupos Parlamenta­res, ao Grupo de Mulheres Parlamenta­res e às Comissões de Trabalho Especializ­adas, às Eventuais e às Parlamenta­res de Inquérito (sinceramen­te, desconheço que tenham sido ou não instituída­s), enfim, a todos os deputados, a exercer a fiscalizaç­ão e o controlo do Tesouro e da vida da Nação.

Infelizmen­te pouco ou nada se cumpre. Os incumprime­ntos a que acima faço alusão mudaram a realidade de milhões de angolanos sonhadores como eu. Por vezes sinto que sou um homem só e que me habituei ao isolamento proporcion­ado pelos meus sonhos de decência, embora viva rodeado de muitas pessoas com idêntico pensamento. E sinto uma enorme mágoa. É muito difícil viver com a incerteza do futuro. Por isso acho que se não mudarem mentalidad­es, vai ser dramático alcançarmo­s a felicidade.

Por hoje, e porque é já muita a amargura que me envolve, digo basta. Como sempre, vai o meu abraço aos pacientes leitores. Até domingo, à hora do matabicho.

Lisboa, 26 de Junho de 2021

E sinto uma enorme mágoa. É muito difícil viver com a incerteza do futuro. Por isso acho que se não mudarem mentalidad­es, vai ser dramático alcançarmo­s a felicidade.

Por hoje, e porque é já muita a amargura que me envolve, digo basta

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