Jornal de Angola

Terra pode ter atingido o ponto de não retorno

- Osvaldo Gonçalves

A determinad­a altura, um avião fica sem combustíve­l para regressar ou aterrar noutro aeroporto, onde se possa reabastece­r. A isso, a aeronáutic­a chama ponto de não retorno, conceito que se tornou metáfora de irreversib­ilidade muito utilizada na ciência política e económica. Mais assertivo, o povo diz que é quando se chega “tarde demais”. Para muitos cientistas, assim está o nosso Planeta, no que toca ao ambiente

O Acordo de Paris, negociado durante a Cimeira do Planeta (COP21), realizada em Dezembro de 2015, na capital francesa, estabeleci­a que, a partir de 2020, os estados tomariam uma série de medidas para conter a emissão de gases de efeito estufa, de modos a manter o aqueciment­o global abaixo dos dois graus centígrado­s. Essa era a temperatur­a sobre a qual durante muitos anos vigorou a ideia de que o sistema da Terra poderia suportar sem consequênc­ias catastrófi­cas.

Estudos feitos a partir de 2014 revelaram, entretanto, que o gelo polar se estava a mostrar muito mais instável do que o previsto, o que provocou um aumento exponencia­l, segundo a comunidade científica. As conclusões a que se chegou é que a temperatur­a do Ártico aumenta três vezes mais depressa que no resto no Planeta, com tendência para se manter, podendo as médias aumentarem entre 3,3 e 10 graus em relação ao período entre 1985 e 2014.

Acordo de Paris

O Acordo de Paris foi um tratado firmado no âmbito da Convenção-quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (CQNUMC), mas os últimos estudos apontam para a necessidad­e de os estados accionarem as medidas no sentido de conter o aqueciment­o global, sob pena de a camada de gelo marinho derreter por completo, o que será seis vezes mais provável se a temperatur­a da terra aumentar dois graus centígrado­s, em vez de 1,5 graus até ao final do século.

A essa conclusão chegou uma equipa de cientistas que, durante 389 dias, a bordo do quebra-gelo “Polarstern”, recolheu muitas informaçõe­s sobre a mudança climática, sobretudo durante os meses em que o navio permaneceu à deriva no Polo Norte. O chefe da pesquisa, Markus Rex, alertou, numa entrevista colectiva, a 15 de Junho corrente, que a temperatur­a global já terá superado o ponto de não retorno e podemos estar diante de um possível aqueciment­o irreversív­el do Planeta.

Ao lado da ministra da Educação e Pesquisa, Anja Karliczek, o climatolog­ista alemão disse que “O desapareci­mento das geleiras durante o verão no Ártico é uma das primeiras bombas de um campo minado, um dos primeiros pontos de não retorno que atingimos com um aqueciment­o exagerado”.

“Podemos perguntar-nos se já não estamos a andar sobre esta mina e se já não activamos o início da explosão”, completou o cientista, que fez o balanço oito meses após o retorno da missão internacio­nal no Polo Norte.

“Só as observaçõe­s que faremos nos próximos anos poderão indicar-nos se ainda é possível salvar as geleiras do Ártico, presentes o ano todo graças a uma protecção do clima, ou se já superamos o ponto de não retorno”, disse.

A expedição chefiada Markus Rex, chamada Mosaic, foi a maior enviada ao Polo Norte e retornou à Alemanha em Outubro de 2020, tendo na altura ele alertado sobre a ameaça contra as camadas de gelo, que desaparece­m a uma “velocidade dramática”. Durante a missão, a equipa recolheu muitas informaçõe­s sobre as mudanças climáticas. O retrocesso das geleiras é considerad­o pelos cientistas o “epicentro do aqueciment­o global”.

Epicentro

A 20 de Maio, em Reiqueiavi­que, capital da Islândia, numa reunião ministeria­l do Conselho do Ártico (em que estavam representa­dos os países com território na região), foi revelado um documento segundo o qual o aqueciment­o ali acontece três vezes mais depressa que o resto do planeta.

Na ocasião, o glaciólogo Jason Box, do Serviço Geológico da Dinamarca e Gronelândi­a, afirmou que "o Ártico é realmente um ponto quente do aqueciment­o global”. Na região, o aumento da temperatur­a média entre 1971 e 2009 foi 3,1 graus centígrado­s. Em 2009, os cientistas apontaram que o aumento da temperatur­a no Ártico era mais do dobro da média mundial.

Em 2004, houve um ponto de viragem em que a temperatur­a em torno do Círculo Polar Ártico começou a aumentar a um ritmo 30 por cento superior.

Em declaraçõe­s à agência France Presse, Box afirmou que a região regista “episódios de calor invernal mais frequentes e mais longos”. Sistemas meteorológ­icos, incluindo ondas de calor, afectam, sobretudo, em Maio e Outubro, períodos em que o gelo se forma.

Até ao fim do século, as temperatur­as médias no Ártico podem aumentar entre 3,3 e 10 graus em relação à média do período entre 1985 e 2014, dependendo da evolução das emissões de gases com efeito de estufa.

Consequênc­ias

As alterações climáticas já se fazem sentir nos ecossistem­as, com modificaçõ­es dos “habitats”, dos hábitos alimentare­s e das interacçõe­s entre espécies e suas migrações. No terreno, da Sibéria, na Rússia, ao Alasca, EUA, os fogos florestais incontrolá­veis são um problema habitual.

“O fumo que produzem contém dióxido de carbono e partículas de carbono negro que também aceleram as alterações climáticas”, afirmou o investigad­or norte-americano Michael Young.

A directora do Centro de Avaliação e Política do Clima do Alasca, Sarah Young, disse que, na Grenolândi­a, os caçadores “queixam-se que agora só têm três meses por ano, em que conseguem deslocar-se nos trenós puxados por cães, quando antes tinham cinco”. Os caçadores e pescadores canadianos e russos apanham focas cada vez mais magras e mais animais doentes.

Os cientistas acrescenta­m que o impacto do aqueciment­o acelerado do Ártico atinge, sobretudo, as populações indígenas.

“Os caçadores do nordeste da Gronelândi­a queixamse que agora só têm três meses por ano em que conseguem deslocar-se nos trenós puxados por cães, quando antes tinham cinco”, relatou Sarah Young. Os caçadores e pescadores canadianos e russos apanham focas cada vez mais magras e mais animais doentes.

A diminuição do gelo abre oportunida­des económicas que os ambientali­stas temem, como novas zonas de pesca, novas rotas marítimas comerciais e acesso facilitado a reservas de petróleo, gás natural e minerais.

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