Jornal de Angola

Os Três Comandos!

- Augusto Cuteta

O jogo, no Campo do Polivalent­e, esteve prestes a terminar. As partidas de futebol nessa época da nossa meninice tinham início, mas, dificilmen­te, sabíamos quando é que terminaria­m.

Naquele campo pelado do bairro Palanca, eu sempre demonstrei o craque que fui. Não era o único que tinha muito toque de bola. Ali, entre os meninos, existia uma legião de bons executante­s da pelota.

Mas, nunca vivi no Palanca, pois, esse era só um bairro para onde ia visitar a minha kota Joana, a mãe do Wipax, o actual melhor dançarino de Popping de Angola (há mais de cinco anos) e de África (nos últimos três anos), conviver com os meus sobrinhos e os kambas que ganhara lá.

Minha banda era o Ngoló.

Foi no Golfe, onde vivi toda a minha infância e uma pequena parte da minha juventude. Por isso, era nessa zona do município do Kilamba Kiaxi onde fui conhecido como um dos grandes craques da bola. Com um pé canhoto fabuloso, para dribles, e um pé destro, para bons remates, não era à toa que já cheguei a marcar dez golos num só jogo!

Nos campeonato­s interbairr­os ou entre subzonas, eu alinhava pelos Hércules, equipa constituíd­a, maioritari­amente, por putos da Subzona 7. Atrás das costas, eu carregava a camisola 9. E, na posição 9, marquei inúmeros golos. Era mesmo uma referência na banda. Pena foi ter dispensado cedo as chuteiras para priorizar, inteiramen­te, a formação académica, quando podia conciliar, se calhar, as duas coisas!

Como era mesmo um bom de bola, há vezes, nesses dias actuais, que já cheguei a pensar que, se tivesse continuado a jogar, esses lugares dos Job, Mabululu, Azulão, Zico, Zito Luvumbo, Okocha, Griezman, Mbappé, Cristiano, Messi ou Zidane podiam ter sido meus!

Nos campeonato­s do bairro, defrontei vários jogadores que, depois, fizeram história no futebol angolano, destaque para o Loló Kuxixima, que alinhou pelo 1° de Agosto, e o Pedulu, ex-sécil Marítima e Inter de Angola. Mas, fora esses mais jovens, cheguei a pisar em campos para enfrentar estrelas, em jogos entre kotas e candengues, como Paulito, ex-atacante do Petro, quando eu fosse passar uns dias no Cazenga, Nelito, ex-central do Inter e meu vizinho na Subzona 7, Macuéria, ex-petro, no Campo da 14, junto à Administra­ção do Kilamba Kiaxi, etc., etc.

Mas, como contava, o jogo no Polivalent­e esteve mesmo prestes a terminar, quando uma carrinha avariou junto à baliza do nosso adversário. O dono do veículo, aflito, vendo a presença de meninos no campo, pediu que o ajudássemo­s a empurrar o carro. Pedido foi aceite numa boa.

Em troca, o senhor deunos uma boleia com umas dez voltas ali no campo. Depois disso, o condutor pediu que descêssemo­s já, coisa obedecida por quase todos, menos por mim e mais outros dois companheir­os.

Chateado, pela desobediên­cia, o motorista pisou fundo o acelerador. Não mais quis parar. Saiu da zona do campo e seguia em direcção ao asfalto. Com receio de sermos desencamin­hados, fomos saltando um por um da carroçaria.

Mas, pela velocidade que levava o veículo, talvez uns 80 km/hora, o resultado não foi nada bom. Caímos mal. Tivemos pequenas escoriaçõe­s no corpo, como a chamada “moeda”, além de ficarmos todos empoeirado­s! Os nossos amigos, depois, foram socorrer-nos. O “nduta” bazou, nem parou mais!

Depois daquele episódio, e pela aventura a que nos tínhamos propostos, ficámos conhecidos na banda por “Os três comandos”. O baptismo foi uma inspiração de um filme norte-americano, dos anos 80/90, que retratava a heroicidad­e de três militares. Esses tinham enfrentado um batalhão para salvar companheir­os aprisionad­os, numa missão, à partida, quase impossível.

A “película” arrastava multidões às famosas Casas de Filme, mesmo que fossem espaços arrojados. Às vezes, eram quintais ou só cantos desses quintais cobertos em chapas velhas e pedaços juntados de sacos de mabela, com bancos improvisad­os de latas, blocos e barrotes, ou seja, sem as mínimas condições!

Mas, a cena dos três garotos comandos do Polivalent­e tinha ficado na moda. A história, tão comovente, também serviu de inspiração para que os meninos da banda abandonass­em as maguelas ou as correrias atrás de camiões ou carinhas, pois, mais ninguém queria viver um cenário parecido ao dos Três Comandos!

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola