A “Rainha da Guerra” que travou disparos
Contreiras Canhanga Muhongo disse que os mais velhos da região contam que, além dos utensílios de guerra utilizados, a bravura dos guerrilheiros esteve, também, baseada na tradição.
"Antes de irem para o combate, os nativos usavam rituais tradicionais de preparação do corpo que servia de protecção contra os disparos dos portugueses. Decretavam abstinência obrigatória de actos conjugais e não podiam comer certos alimentos. Antes de emboscarem os invasores, um vidente ou adivinho fazia adivinhação do dia dos ataques" salientou.
Contreiras Muhongo explicou que no dia da emboscada, perfilava-se em frente do grupo de guerrilheiros a esposa do soba de Quissongo (uma região famosa em práticas de feiticismo naquela altura) chamada de Mubanda.
No período de guerra recebia o nome de "Rainha da Guerra". Durante as ofensivas tinha a missão de transportar um balaio à cabeça, com a função de absorver e neutralizar as balas dos invasores.
Na época, explica ainda, a caravana portuguesa para levar reforço alimentar e militar à Fortaleza de Calulo, onde estavam destacados os seus companheiros, tinha que passar pela Muxima, Massangano e, obrigatoriamente, pelo bairro Dala-uso, zona de difícil acesso, na altura, onde os nativos tinham como "zona de ataque".
O responsável da Cultura no Libolo contou que a pesada baixa da parte dos portugueses registou-se num dos confrontos que aconteceu entre 1920 e 1922, onde foi abatido um capitão português Napuceno dos Santos , comandante da missão. Todo o pelotão e a esposa do capitão foram capturados. O mesmo ficou sob custódia do soba Ngana Casa, da comuna dos Dambos.
"Diante da assombrosa derrota, a tropa portuguesa fez uma forte investigação para saber a causa das sucessivas derrotas diante dos nativos, tidos como fragilizados no que concrne ao material de guerra. Para tal, infiltraram no seio dos guerrilheiros um grupo de nativos vindos do Huambo e Bié, denominados "Candimbas", aos quais os portugueses prometeram uma parcela de terra na região do Mukongo.
Os "Candimbas", subtilmente, ofereceram-se como voluntários à resistência contra os colonos. Integraram as fileiras dos nativos de Calulo até descobrirem os segredos e as tácticas e, a partir daí, provocaram conflitos internos no seio dos guerrilheiros, até criarem desentendimento entre os sobas.
A acção dos "Candimbas", disse, ajudou os portugueses a desferirem mortíferos ataques entre os anos de 1930 e 1932, que ditaram a derrota e morte de vários nativos que procuraram lutar contra a dominação colonial.
Vencida a guerra, os portugueses retalharam a atitude dos nativos, matando os sobas que estiveram ligados à resistência e, a partir quela altura, começou o tráfico de escravo clandestino na região.
Nos fins de 1932, em reconhecimento aos soldados portugueses mortos durante o período de 15 anos no confronto com os nativos, a então "Administração Municipal Portuguesa de Calulo", gravou na maior das pedras existente na zona dos confrontos os dizeres "1917 a 1932 HOMEGEM AOS COMBATENTES PORTUGUESES DA RESISTÊNCIA A OCUPAÇÃO".
A partir daquela data, a zona passou a chamar-se "Pedra Escrita". Para a população da região, o lugar é considerado "sítio histórico" da resistência dos nativos contra a ocupação colonial, em honra aos guerrilheiros calulenses tombados na época. Embora pouco visível, a escrita permanece na pedra até aos dias de hoje.
O responsável da Cultura no município informou que o sector que dirige está a trabalhar juntamente com a administração municipal num projecto que poderá tornar a zona da "Pedra Escrita" em sítio histórico de interesse turístico, assim como vários outros lugares existentes na região, como o miradouro da Fazenda Cabuta, o Forte do Quissongo, a margem do rio Cuanza (na ponte Filomena), a barragem da Fazenda Belo Horizonte, a montanha do Kidyamatoji, o Campo da Revolução, a Pedra Santa e a Capela da Igreja Católica.