Jornal de Angola

O fecho éclair

- JOSÉ LUÍS MENDONÇA

António Gedeão, o poeta português que melhor recebeu a inspiração das coisas tão pequenas da vida e aparenteme­nte anti-líricas, autor de pérolas literárias como “Lágrima de preta” e “Pedra filosofal”, também abriu em versos sublimes o fechoéclai­r. No “Poema do fecho éclair”, Gedeão joga com o esplendor do rei espanhol Filipe II que “Foi dono da Terra,/ foi senhor do Mundo,/ nada lhe faltava,/ Filipe Segundo.// (…) Um homem tão grande/ tem tudo o que quer./ O que ele não tinha/ era um fecho-éclair.”

Filipe II foi rei da Espanha e de Portugal no século XVI, quando Dom Sebastião, o rei candengue, se suicidou em Alcácer Quibir, por causa dos Lusíadas que Luís de Camões lhe lia à sombra de uma árvore e lhe deu todo aquele trungungo de querer vencer os nossos irmãos do deserto. Assim também foi nosso rei por via da colónia de Angola. Rei de Nápoles e da Sicília e jure uxoris rei da Inglaterra e Irlanda (pelo casamento com a rainha Maria I). Ainda foi duque de Milão, e mandou em dezassete províncias da Holanda a partir de 1555.

Praticamen­te foi no seu reinado que se iniciou o Século de Ouro Espanhol. A Espanha tinha então território­s em todos os continente­s conhecidos e, até hoje, o seu nome é perpetuado num país asiático, Filipinas.

Mas Filipe II não tinha um fecho éclair.

O fecho éclair, o zíper, utensílio da roupa e de outros usos, esse fecho de correr “feito de dois cadarços com dentes plásticos ou metálicos, que se encaixam por acção de um cursor”, foi inventado pelo engenheiro Whitcomb L. Judson, nos EUA, em 1891. Judson criou um sistema de ganchos que se uniam a pequenas argolas, para fechar sapatos e sacos de correio. Demonstrou pouca eficácia, porque abria facilmente.

Só no início do século XX é que o engenheiro sueco Gideon Sundback fabricou o protótipo do atual fecho éclair, substituin­do os ganchos e as argolas pelos chamados dentes metálicos.

Portanto, pelos ditames do deus Cronos, o rei Filipe II jamais poderia ter um fecho éclair.

Mas eu, que vivo neste tempo prodigioso das invenções, claro que posso ter um fecho éclair. Há dias entrei numa butique à procura de uma calça jines. A empregada da butique me deu duas calças, entrei para a cabina de provas, e passei as passas do Algarve só para meter as pernas dentro. As calças eram tão apertadas como alicates. Lá veio uma terceira, que recebi à meia porta, de cuecas dentro da cabine, e saí de lá a suar e estopinhas. Só para entrar em cada calça, levei uns cinco minutos ou mais. E o fecho, meu Deus!, o fecho éclair é que me desaconsel­hou a compra. Era um fecho éclair tão curto que, na hora de tirar a água do joelho, os ganchos metálicos poderiam se equivocar da sua púdica função e me pescarem o bagre pela cabeça.

Não vou nessa onda. Essas calças jines de cintura baixa não me caem nada no goto. Esse modelo de calça slim fit, unissexo, estampa no nosso corpo, da cintura para baixo, o registo desta era caracteriz­ada pela desilusão democrátic­a e a impotência do animal político no palco da História. Esta era em que a sociedade nos aperta de todos os lados, e nem nos deixa sequer a liberdade de mijar à vontade. Vejase como a cidade de Luanda abunda de salitre das bexigas dos transeunte­s, por falta de urinóis. E quem, como eu, tem por princípio e educação, nunca verter águas na via pública, é um sofrimento até chegar a algum lugar apropriado para tal interacção com a natureza.

Até chegar ao WC, prefiro não estar vestido com uma calça cujo fecho é um minúsculo ferrolho psicopata. Prefiro voltar ao tempo do rei Filipe II de Espanha.

O fecho éclair, o zíper, utensílio da roupa e de outros usos,esse fecho de correr “feito de dois cadarços com dentes plásticos ou metálicos, que se encaixam por acção de um cursor”, foi inventado pelo engenheiro Whitcomb L. Judson, nos EUA, em 1891

 ?? DR ??
DR

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola