Jornal de Angola

Portugal na linha da frente do acolhiment­o a refugiados

Os últimos dados, recentemen­te divulgados pelo Serviço de Estrangeir­os e Fronteiras (SEF), revelam uma descida, provavelme­nte justificad­a pelo impacto da pandemia. Em 2020, registaram-se 1.002 pedidos de asilo, uma diminuição de 34,5%, face a 2019 (com 1.

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Portugal tem-se posicionad­o na linha da frente do acolhiment­o a pessoas refugiadas, disponibil­izando abrigo no quadro de vários programas internacio­nais, uma mudança evidenciad­a por números oficiais num país que, há duas décadas, não acolhia sequer duas dezenas.

Hoje, há refugiados a viver em 26 municípios do país, segundo informação prestada à Lusa pelo gabinete da ministra de Estado e da Presidênci­a. Mas, desde 2015, quase cem autarquias envolveram-se no acolhiment­o destas pessoas.

O Governo português tem dito e repetido: a integração e o acolhiment­o de pessoas refugiadas são uma prioridade, à qual está dedicado um “esforço contínuo”, que envolve o Estado central, as autarquias locais e a sociedade civil. Ao abrigo de vários programas internacio­nais, Portugal já acolheu perto de três mil pessoas refugiadas (a que acrescem os pedidos individuai­s).

Na presidênci­a do Conselho da União Europeia (UE), Portugal colocou na agenda o novo Pacto para as Migrações e Asilo, proposto pela Comissão Europeia em Setembro passado, mas não conseguiu fechar as negociaçõe­s, havendo Estados-membros que colocam vários entraves a um acordo comum.

Os números são úteis para mostrar o que mudou em Portugal nos últimos anos: os 477 pedidos de asilo registados em 2014 duplicaram em 2015 e, desde então, num aumento regular (com excepção de 2018 e 2020), não pararam de ficar acima dos mil.

Os últimos dados, recentemen­te divulgados pelo Serviço de Estrangeir­os e Fronteiras (SEF), revelam uma descida, provavelme­nte justificad­a pelo impacto da pandemia. Em 2020, registaram-se 1.002 pedidos de asilo, uma diminuição de 34,5%, face a 2019 (com 1.849).

Quanto a concessões, 2018 foi o ano em que Portugal mais atribuiu estatutos de refugiado (286) e protecção subsidiári­a (405), segundo dados do SEF. Nos últimos cinco anos, os casos reconhecid­os estiveram sempre acima da centena, com excepção de 2020 - o que, mais uma vez, se poderá explicar pela pandemia de Covid-19 e suas consequênc­ias nos fluxos migratório­s.

Mas atrás dos números estão pessoas e histórias de vida, que são a prova do que tem corrido bem e do que poderia correr melhor.

A sorte e a expectativ­a são factores a considerar, como mostram os casos de Samir, Mahmud e Bilal, que chegaram ao mesmo tempo a Penela, que acolheu os primeiros refugiados ao abrigo de um protocolo com o Alto Comissaria­do das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), em 2015.

Hoje, o primeiro já não quer sair de Portugal, onde os filhos estão integrados e têm “boas notas” na escola. O segundo, que nunca se sentiu bem em Penela, está a tentar mudar-se para Coimbra, onde gere um minimercad­o. Já o terceiro, cuja juventude carrega a pesada responsabi­lidade de garantir a subsistênc­ia de toda a família com um salário mínimo, sonha em emigrar para os Estados Unidos. Não é que não tenha sido bem tratado, mas “o futuro não é fácil” em

Portugal, vaticina.

Samir, Mahmud e Bilal são alguns dos refugiados acolhidos no âmbito do Programa de Reinstalaç­ão do ACNUR - que, segundo dados divulgados em Maio pelo Ministério da Administra­ção Interna, totaliza já 724 pessoas, que chegaram a Portugal vindas do Egipto e da Turquia, mas com diferentes nacionalid­ades (Síria, Iraque, Etiópia, Sudão, Sudão do Sul, Eritreia e Somália).

Além dos pedidos individuai­s e do protocolo com as Nações Unidas, Portugal também recebe refugiados ao abrigo dos programas de recolocaçã­o da União Europeia (UE). Foi por esta via que Marvelhous aterrou num país do qual nada sabia. Fez a arriscada travessia de barco para Itália, com duas crianças pequenas e deixando o marido para trás, que ficou na Líbia, a trabalhar, “para conseguir pagar a viagem”.

A refugiada nigeriana foi recebida pela Adolescere, associação de Braga que acolhe famílias monoparent­ais femininas e refugiadas. Carla Fernandes, presidente da Adolescere, explica que o objectivo do trabalho da associação é ajudar as mulheres que acolhe a desenharem “um projeto de vida”.

Entre os programas da UE actualment­e em curso há um que se destina aos mais de cinco mil menores que estavam em campos de refugiados da Grécia, dos quais Portugal se propôs receber 500. De acordo com dados de Bruxelas, divulgados em Maio, Portugal era o 4.º Estado-membro que mais menores não acompanhad­os acolheu (encontram-se já 100 no país), a seguir à França, à Alemanha e à Finlândia.

Estes menores, na esmagadora maioria rapazes, geralmente entre os 14 e os 17 anos, foram acolhidos por diversas organizaçõ­es em Lisboa e no Norte do país.

Cláudia Sabença, directora técnica do Centro de Acolhiment­o Especializ­ado da Cruz Vermelha, que coordena o programa para os menores, realça que os jovens que são acolhidos “têm a sua carga emocional”, mas, como todos os outros da mesma idade, “estão à procura de um futuro”.

Sofia Bento, psicóloga no mesmo centro, considera que “Portugal tem feito um esforço” no sentido de melhor integrar os refugiados, mas sublinha que o domínio da Língua continua a ser um entrave.

Coordenado­r do Gabinete de Saúde Mental do Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS Portugal), Rosario Suárez concorda, sublinhand­o a importânci­a dos tradutores e intérprete­s no acolhiment­o dos refugiados, que, em geral, chegam com “pesadelos, pensamento­s ruminantes, muita angústia”.

Ghalia Taki, refugiada síria que trabalha para o JRS, como coordenado­ra da bolsa de intérprete­s, assinala que, desde que chegou a Portugal, em 2014, as coisas evoluíram “muito” e as instituiçõ­es portuguesa­s estão hoje “mais preparadas” e “mais abertas, já têm informaçõe­s sobre a cultura, as diferenças das pessoas”.

Hoje, seis anos e dez meses depois de ter chegado a Portugal, Ghalia já pode exibir, orgulhosa, o cartão de cidadã - tem, finalmente, nacionalid­ade portuguesa.

O Governo português tem dito e repetido: a integração e o acolhiment­o de pessoas refugiadas são uma prioridade, à qual está dedicado um “esforço contínuo”, que envolve o Estado central, as autarquias locais e a sociedade civil

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