Jornal de Angola

As saudades que a pandemia nunca vai conseguir apagar

- Filomeno Manaças

Não sabemos por quanto tempo mais vamos continuar sufocados pela pandemia da Covid-19. Oxalá em 2022 possamos começar a respirar de alívio, oxalá no próximo ano o mundo esteja em condições de, além das actuais vacinas, poder combater de modo mais eficaz a SARS-COV-2.

A actual crise sanitária mundial é, neste momento, o principal obstáculo à retoma da actividade económica e política a nível global. A pandemia caiu sobre o mundo como uma espécie de proibição para quase tudo. Passou a ser proibido dar a mão para cumpriment­ar, dar um forte abraço a um amigo, andar sem máscara. Passaram a ser proibidos os afectos, pelo menos em público, o distanciam­ento social passou a ser a regra - nalguns países, inicialmen­te, impôs-se a observação de uma distância de um metro, mas que depois passou para dois metros, quando novas evidências e variantes da SARS-COV-2 levaram as autoridade­s a serem mais rigorosas.

E nessa procura de medidas mais rigorosas para fazer face ao caos, ao crescente número de mortes que as vagas da pandemia estavam a provocar, até a proibição do consumo de bebidas alcoólicas foi imposta, como é o caso da África do Sul, onde diplomatas de alguns países, aproveitan­do-se do seu estatuto e dos preços mais acessíveis, compravam-nas em grandes quantidade­s para revenderem-nas aos sul-africanos. Descoberto­s, acabaram por ser expulsos.

Restaurant­es, bares, discotecas, enfim, as casas de entretenim­ento são das que mais se queixam do impacto negativo que a pandemia está a ter sobre os seus negócios. Muitas dessas unidades são pequenos negócios que não têm o mesmo jogo de cintura dos grandes empreendim­entos e que, por isso mesmo, desesperam para ver chegar o momento em que possam, pelo menos, ver aliviadas as medidas restritiva­s, porque tudo está a ruir de forma inexorável.

A pandemia veio proibir os ajuntament­os e, agora, os grandes espectácul­os musicais, com milhares de fãs a delirarem, encostados corpo a corpo, a respirarem o mesmo ar, a repetirem as letras das canções e a aclamarem os seus ídolos, deixaram de ser vistos, deixaram de ter lugar. Agora é pela televisão e é pelas plataforma­s digitais que vemos os artistas a desfilar. Não tem a mesma graça! Não tem o mesmo sabor, o mesmo calor, para quem adora essas coisas para, com o passar dos anos, poder gabar-se que esteve no espectácul­o do artista X ou da banda Y, no estádio dos Coqueiros, na Cidadela, no 11 de Novembro. Eu ainda posso ufanar-me de ter assistido à soberba exibição dos Kassav nos Coqueiros. Fica sempre na alma, fica sempre na memória.

Que saudades desses tempos! De soltar a alegria no meio da multidão, de juntar a voz à de outros tantos milhares, comungando o mesmo sentimento, a mesma sensação de prazer, mesmo sabendo que era apenas mais um no Oceano de gente que vibrou e, com aplausos, agradeceu e retribuiu o carinho com que os músicos brindaram os seus fãs.

A pandemia, que apareceu como dona e senhora do mundo, veio alterar toda essa ordem. Os banhos de multidão, que fazem a delícia dos políticos, passaram a ser censurados. Porque a pandemia não poupa deslizes. Esses banhos sempre foram, em disputas políticas, um barómetro para se medir a popularida­de ou o índice de aceitação/aprovação das forças políticas, de um determinad­o concorrent­e político. A Net ainda não é capaz – nem sei se o será no futuro! Nenhuma invenção ainda foi capaz de o fazer – de, num só acto, poder espelhar a vontade de milhares de almas que se pronunciem ao mesmo tempo, sem que haja ajuntament­o de pessoas.

Oxalá, pois, que em 2022 a pandemia se vá embora. Definitiva­mente! É que não estamos a ver como serão, em 2022, os actos públicos dos políticos, os que requerem o concurso das grandes massas, como as campanhas eleitorais, sem aquela grande mole de gente, sem as bandeiras a ondular ao vento, sem as passeatas a arrastarem multidões e a colorirem e darem vida à democracia, cada qual à sua maneira.

Mas, desde o início, também se disse que a pandemia trouxe-nos grandes lições para a vida, como a necessidad­e de se dedicar mais amor ao próximo. Pena é que tenha aparecido num momento em que esse lema passou a ser a nossa divisa central e, com a pandemia, ficamos como que com as mãos ainda mais atadas para poder dar corpo, conferir outra dimensão a esse propósito; nós, que já vínhamos de uma situação de crise económica e financeira e de gestão do erário público que afectou os cofres do Estado; nós, que não esperávamo­s pelo surgimento da SARS-COV-2 para travar o ímpeto inicial com que o Executivo se propunha levar a cabo as reformas do Estado.

Enquanto a pandemia não se vai embora, foquemo-nos no trabalho, nas soluções para que, mesmo com as restrições a que estamos obrigados, exijamos e sejamos rigorosos no seu cumpriment­o, mas criemos também as condições para que os pequenos negócios continuem a ser exercidos. Acredito ser possível.

Temos saudades de muitas coisas que podíamos fazer antes da SARS-COV2 aparecer. Mas, que fazer?!, se a pandemia, agora, é que mais ordena!

Oxalá,pois, que em 2022 a pandemia se vá embora. Definitiva­mente!

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