Jornal de Angola

A poesia da nossa Terra

- Sousa Jamba

A exoneração de Joana Lina do cargo de Governador­a de Luanda e a sua substituiç­ão por Ana Paula de Carvalho gerou muito debate nas redes sociais. Alguns especulam que isto poderá marcar o fim dos problemas da capital. Infelizmen­te, não partilho deste optimismo; a solução de Luanda passa pela resolução de vários problemas de Angola. Tudo está interconec­tado.

Em Luanda, tenho alguém próximo que vive num luxuoso condomínio que deixaria alguns membros da classe alta dos Estados Unidos cheios de inveja; até o papel higiénico, que custa quase 20 dólares cada rolo, é importado. Tenho também gente próxima que vive nos bairros da periferia — em casas onde só se chega através de passagens estreitas e malcheiros­as. Tive várias vezes que conduzir do centro de Luanda para o Panguila, onde tenho parentes; vi vários bairros de lata — típicos de muitas áreas urbanas, cheio de populações que sonham um dia partilhar a riqueza das elites. Várias pessoas fazem-me lembrar, justamente, que estes bairros da periferia resultaram do período da guerra, quando comunidade­s inteiras nas zonas rurais se deslocaram para Luanda à procura de segurança.

Já se afirmou por várias vezes que deveriam existir condições nas áreas rurais para se diminuir a atracção de localidade­s como Luanda. Estou a escrever esta crónica na Aldeia Camela Amões, local que, com o patrocínio e trabalho do falecido empresário Segunda Amões, passou de uma aldeia típica do Planalto a um local de referência para aqueles que procuram um idílio rural no mundo.

Vivo aqui no Planalto — fora do Huambo. Os meus parentes próximos, alguns até que viveram em outras partes do mundo, estão também aqui. Tenho um sobrinho meu, poliglota e polímata, que viveu em várias partes do mundo, que construiu uma belíssima casa usando materiais locais, sempre tendo em conta factores ecológicos, etc. A casa do meu sobrinho Tavares Chimbili, à beira do rio Colele, é uma maravilha que nos tem dado muito orgulho. O Tavy, como o chamamos, tem um apego profundo à terra; foi ele que uma vez me levou, com o meu cunhado, Justo Chimbili, a umas montanhas por trás da Missão Católica de Hanha, que iria inspirar uma sinfonia marcante se um Sibelius ou Mahler tivesse passado por lá. No Século XIX, quando os missionári­os americanos chegaram nas áreas do Bailundo, alguém escreveu que esta era uma terra com paisagens cheias de poesia. Quem sai do Bailundo para o Andulo, há duas montanhas que parecem ser seios de uma mulher — são conhecidas como os “seios do Mungo.” Já vi motoristas parados para apreciarem aquelas maravilhos­as montanhas. A nossa terra, Angola, está cheia de encantos, de poesia; temos é que aprender a apreciar a mesma.

Tenho uma amiga virtual (só nos conhecemos através das redes sociais) com quem tenho muito em comum. Quando eu estava nos Estados Unidos, ela postava várias fotos de locais que visitava, com comentário­s deplorando a situação em que o povo vivia. Depois esta técnica da General Electric decidiu comprar um terreno na margem do rio Kwanza e começou a praticar agricultur­a. A um certo momento, ela transformo­u um contentor num escritório e casa onde passou a viver. Claro que ela está sempre na internet e também continua a fazer o trabalho na multinacio­nal. A Paula já está a abastecer Luanda com produtos vindos da sua fazenda. Em Angola, uma modelo de roupa interior no Ocidente é celebridad­e, que passa a ser venerada por todos; uma Paula Bartolomeu, que agora até está a dar emprego aos locais, lá perto do Dondo, passa despercebi­da. No Quénia, há programas na televisão a celebrar jovens na agricultur­a.

Do nada, o Quénia é hoje o sétimo exportador mundial de abacates. (Aqui no Planalto, os abacates apodrecem por falta de escoamento).

Como um agricultor amador que tem tido dicas da Youtube, etc, há vezes que peço certos conselhos à Paula Bartolomeu. Além de abacates, a Paula cultivou abacaxis que estará pronto dentro de um ano. Nas conversas com a Paula, noto o imenso respeito e fascínio que ela tem pelo solo — a terra que tanto nos pode dar! Todas as nossas famílias vieram do campo. Na Zâmbia, aquele meu outro país, o sonho de cada membro da elite é regressar para a sua aldeia para praticar agricultur­a. O antigo Presidente da Zâmbia Rupiah Banda voltou para a sua fazenda no leste do país; há muitos jovens que estão a seguir o seu exemplo. Imaginem só se houvesse uma onda de pessoas prontas a deixarem as suas cabanas em Luanda para irem viver no campo em condições altamente dignas!

O antigo Presidente da Zâmbia Rupiah Banda voltou para a sua fazenda no leste do país; há muitos jovens que estão a seguir o seu exemplo. Imaginem só se houvesse uma onda de pessoas prontas a deixarem as suas cabanas em Luanda para irem viver no campo em condições altamente dignas!

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