Jornal de Angola

Mais de 100 cirurgias maxilo-faciais em três anos

Em função das dificuldad­es que enfrentam para a execução de operações de pacientes, médicos são, muitas vezes, obrigados a usar os seus próprios meios de trabalho, numa altura em que o hospital está sem alguns equipament­os

- Alexa Sonhi |

Depois de cinco anos de formação, na especialid­ade de cirurgia em maxilofaci­al, na República Federativa do Brasil, Agnelo Josué Lucamba, regressou ao país em 2019, para reenquadra­rse no pessoal médico do Hospital Josina Machel, onde já trabalhava, antes, como técnico de Medicina Dentária.

Desde que regressou a Angola, e imbuído por um espírito desafiador e humanista, o médico tem inspirado e motivado outros três especialis­tas em maxilo-facial. Juntos, essa equipa tem tido uma missão espinhosa, mas, por eles considerad­a de bastante apaixonant­e: a retirada de tumores na boca e no resto da face.

De 2019 até a presente data, o cirurgião maxilofaci­al e seus companheir­os de labuta, entre os quais, a médica Maria Teresa Fernandes, única senhora do grupo, já realizaram mais de cem intervençõ­es cirúrgicas de grande, médio e pequeno porte, com sucesso.

Em função do muito trabalho e, tendo em conta a falta de alguns instrument­os-chaves, os referidos especialis­tas, segundo Agnelo Lucamba, às vezes, são obrigados a usar meios próprios nas cirurgias, que estão a devolver a autoestima e a esperança de centenas de pessoas.

Por exemplo, o Hospital Josina Machel não possui um único motor de corte, um instrument­o crucial na retirada de tumores quer sejam malignos quer benignos. Para contornar essa situação, é o médico Agnelo quem usa o seu equipament­o, adquirido no Brasil, enquanto se especializ­ava.

“Nós somos apenas quatro especialis­tas em maxilo-facial no Hospital Josina Machel. E, mesmo a trabalhar com poucos meios, alguns pessoais, temos tido propostas para dez operações por semana, tudo no âmbito do humanismo e do compromiss­o com essa causa de salvar vidas”, salientou o médico.

Agnelo Lucamba referiu que, caso o hospital tivesse mais meios de trabalho e especialis­tas, o número de cirurgias feitas por semana triplicari­a. “Mas, as dificuldad­es são tantas, que há vezes que nos sentimos limitados e frustrados ao vermos pacientes a morrer, não por falta de conhecimen­to médico, mas por ausência de meios de trabalho”.

Por isso, o médico pede intervençã­o urgente das entidades competente­s, no sentido de ajudarem o hospital a adquirir, pelo menos, os materiais essenciais para a área de maxilo-facial para se aumentar a capacidade de intervençõ­es cirúrgicas nesta área, tendo em conta a procura dos serviços.

Cooperação com o Brasil

Pós-graduado em Reabilitaç­ão Oral e Implantes Dentários, formação, que lhe permite restaurar a boca ou outra parte da face, o médico explicou que, em regra, os tumores que aparecem na região da boca e em outras partes do rosto deformam muito o paciente, fazendo-o perder a autoestima. Neste caso, avançou que um cirurgião maxilo-facial que tiver formação em estética, além de remover o tumor, deve, igualmente, reconstitu­ir a parte do rosto que ficou deformada.

Mas, o médico contou que, às vezes, nem sempre é possível efectuar os dois serviços em simultâneo, por falta de materiais no país. Quando se depara com isso, dependendo da dimenção do tumor, Agnelo, 37 anos, costuma solicitar material de reconstitu­ição do Brasil, fruto da parceria que mantém com a Universida­de de São Leopoldo Mandique, em Campinas, onde se formou.

O também mestre em Patologia Oral e Maxilofaci­al, avançou que, além de remover tumores, tem realizado estudos sobre os mesmos, se são benignos ou malignos, os tipos de tratamento e de cirurgias para se evitar possíveis retornos tumorais. “Quando temos dificuldad­e de csos a nível do Hospital Josina Machel, principalm­ente os mais complexos, retiramos uma amostra e enviamos para o Brasil, para serem, devidament­e, estudados e receber um diagnóstic­o preciso”, contou para confirmar que “só depois disso é que partimos para a operação”.

Apenas 15 médicos no Colégio de especialid­ade

Angola tem apenas 15 médicos inscritos no Colégio de Especialid­ade de Maxilofaci­al, lamentou ontem, em Luanda, o presidente do referido grupo, Agnelo Lucamba.

O especialis­ta considerou o número de irrisório, numa altura em que existem, ainda, alguns profission­ais que não fizerem o registo no Colégio, por razões alheias à instituiçã­o.

Por esse motivo, Agnelo Lucamba apelou aos profission­ais para a inscrição no Colégio, no sentido de se conseguir um maior controlo dos profission­ais e criar, para todos, programas de formação que visem a actualizaç­ão de conhecimen­to e melhoramen­to das técnicas cirúrgicas.

O médico avançou que o Colégio de Especialid­ade de Maxilo-facial está a criar mecanismos para assegurar a formação de mais médicos internos do ramo, para que, dentro de quatro anos, esses especialis­tas possam servir os hospitais com carência destes profission­ais.

Para materializ­ar este desiderato, o referido Colégio criou programas de formação específica na área, no sentido de apoiar o percurso académico dos médicos nos diferentes hospitais onde estiverem a fazer o internato.

Agnelo Lucamba, em entrevista exclusiva ao Jornal de Angola, referiu que existem hospitais no país, onde não existe um único especialis­ta da área.

Essa situação faz com que muitos pacientes se desloquem para fora do país em busca de tratamento­s, às vezes simples, que poderiam muito bem ser feitos no país, poupando assim muitos recursos das famílias.

O presidente do Colégio salientou que a criação da instituiçã­o surgiu, exactament­e, para unir e dinamizar a classe de cirurgiões da especialid­ade, que são poucos e desencontr­ados.

Na visão do cirurgião maxilo-facial, quando os casos de Covid-19 diminuírem de forma consideráv­el no país, está prevista a realização das primeiras jornadas científica­s da especialid­ade.

Nessas jornadas, anteviu, pretende-se passar mais informaçõe­s e publicar alguns artigos científico­s, tendo em conta que existem conteúdos que precisam de ser publicados para o conhecimen­to da população.

Apesar da especialid­ade de maxilo-facial já existir há muito tempo no país, o médico explicou que a criação tardia do Colégio se deveu ao facto de, anteriorme­nte, trabalhare­m em Angola só especialis­tas estrangeir­os.

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KINDALA MANUEL | EDIÇÕES NOVEMBRO Apesar das dificuldad­es, médicos maxilo-faciais têm tido sucesso nas cirurgias

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