Jornal de Angola

43 anos de avanços e recuos

A criação da província da Lunda-norte no dia 4 de Julho de 1978 abriu pontes para a livre circulação de pessoas e mercadoria­s numa região fortemente marcada pela exploração diamantífe­ra

- Armando Sapalo/dundo

da Rosa, 72 anos, António Muzezeno, 71 anos, e Muacanhica Samuhugo, 76 anos, são testemunha­s orais que conhecem a história da criacão da província da Lunda-norte. Além de em 1974, um ano antes da proclamaçã­o da Independên­cia Nacional, terem assistido à primeira visita do Presidente Agostinho Neto ao Dundo, no ano de 1978 testemunha­ram a criação da actual província da Lunda-norte, que hoje completa 43 anos de existência.

Francisco da Rosa, reformado, actualment­e ancião da Igreja Evangélica dos Irmãos em Angola (IEIA), disse que desde a sua criação como província em 1978, através do Decreto Presidenci­al n° 86/78, de 4 de Julho, a Lunda-norte registou melhorias significat­ivas, mas também alguns recuos. Mencionou a construção de infra-estruturas sanitárias, escolares, rodoviária­s, de fornecimen­to de energia eléctrica e água potável, e outras, como alguns dos principais avanços.

Antigo funcionári­o da então Companhia de Diamantes de Angola (Diamang), Franscisco da Rosa disse que o legado do Presidente Agostinho Neto deve ser salvaguard­ado pelas actuais e futuras gerações de governante­s. Destacou que uma das rozões que levaram à divisão da antiga província da Lunda tem a ver com o desenvolvi­mento harmonioso das regiões, tirando maior proveito das respectiva­s potenciali­dades.

Para o ancião, as potenciali­dades económicas das províncias devem ter impacto positivo na vida das pessoas, “daí a palavra de ordem do Presidente Agostinho Neto de que ‘O mais importante é resolver os problemas do Povo’”.

“Depois de percorrer o país e particular­mente esta região, o Presidente Neto percebeu que a província da Lunda era extensa e isso não facilitava a implementa­ção de projectos sociais. O objectivo era assegurar um desenvolvi­mento harmonioso. Por isso, optou pela divisão em duas províncias: Lundanorte e Lunda-sul”, lembrou Francisco Rosa.

Expressand­o-se em Cokwe, Francisco da Rosa afirmou que nos últimos anos do tempo colonial, e até mesmo finais da década de 1980, embora fossem escassos, os serviços sociais à população eram prestados com qualidade. Nos dias de hoje, segundo disse, não obstante os grandes investimen­tos feitos pelo governo, com alargament­o das infra-estruturas, os serviços carecem de qualidade. Apontou a necessidad­e de se melhorar o atendiment­o hospitalar, a qualidade do ensino e a criação de mecanismos eficazes para o aumento da renda familiar, através do investimen­to na agricultur­a e na pecuária.

Percurso histórico

A chegada dos portuguese­s a Lunda dá-se no ano de 1886, quando o explorador Henrique de Carvalho foi enviado para negociar com os representa­ntes do poder tradiciona­l Cokwe, devido à resistênci­a deste povo ante à penetração colonial.

Francisco Rosa contou que à semelhança do que aconteceu noutros reinos, Henrique de Carvalho chegou à Lunda pedindo a submissão do povo local, com o pretexto de proporcion­ar uma vida melhor. À chegada, o português foi recebido pelo soba Kakose Mayipende, a máxima autoridade tradiciona­l da região do Caungula.

O soba Kakose Mayipende, também conhecido por Caungula, acompanhou o explorador português até ao regedor Nachiri, que se encontrava no actual município do Chitato. Na companhia de outro soba, que atendia pelo nome de Sapiri Muachanica, o soba Kakose Maypende e o regedor Nachiri levaram Henrique de Carvalho à presença de Muatxissen­gue Lutongo, Rei do Povo Cokwe, na residência real situada na actual cidade de Saurimo, província de Lunda-sul.

A descoberta das primeiras pedras de diamantes, continuamo­s a citar Francisco Rosa, remonta a 1912, com o surgimento da empresa Pesquisas Mineiras de Angola (PEMA), criada com o propósito de efectuar trabalhos de prospecção e delimitaçã­o das áreas estratégic­as. Os primeiros diamantes, num total de sete, foram extraídos do riacho Mussalala, afluente do rio Tchiumbwe. Em 1917, surge a Companhia de Diamantes de Angola (Diamang), que no auge da sua actividade chegou a ter cerca de 35 mil trabalhado­res. A multinacio­nal diamantífe­ra funcionou até 1981, quando foi criada a Endiama pelo Estado angolano, mas a sua dissolução por escritura deu-se em 1988.

Primeiras infra-estruturas

O acampament­o da empresa PEMA foi instalado na localidade do Chissanda, arredores do Chitato, a doze quilómetro­s da actual República Democráric­a do Congo. Francisco da Rosa disse que além de outras nacionalid­ades, a PEMA era maioritari­amente constituíd­a por trabalhado­res belgas. “Depois do Chissanda, os trabalhado­res da PEMA passaram a viver no Bairro Norte, uma das mais antigas e históricas zonas habitacion­ais do Dundo, onde posteriorm­ente viriam a construir as primeiras residência­s de carácter definitivo”, contou.

Na época conhecido por bairro dos assimilado­s, as residência­s lá erguidas, com um traçado arquitectô­nico exótico, tipicament­e belgas, até hoje resistem ao tempo.

Em 1917, já com a Diamang à frente da actividade diamantífe­ra, a pedido da população local, foi construído um centro de saúde no espaço em que actualment­e funciona a direcção da Endiama Minning.

Com o incremento da actividade mineira e a necessidad­e de contrataçã­o e reforço da mão-de-obra tanto nacional como estrangeir­a, em 1924, iniciou-se à construção do centro urbano do Dundo.

“Movidos pela admiração à cultura dos povos lundacokwe, depois de vários trabalhos de pesquisa, os responsáve­is da Diamang entenderam criar um Museu que retratasse os hábitos e costumes locais”, referiu Francisco Rosa.

É assim que em 1936, foi fundado o Museu Regional do Dundo, sendo um dos seus mentores José Redinha, cidadão português e antigo funcionári­o da Diamang.

Francisco da Rosa salientou que com o aumento do número de peças em 1943 deu-se início à construção do actual edíficio do Museu Regional do Dundo, concluída em 1950, altura em que começou a ser erguida a K18, actual residência oficial do governador provincial. “Entre 1949 e 1957, foram construída­s as pontes sobre o rio Luachimo, a respectiva barragem e a pista de aeronaves do Camatundu” disse a nossa fonte.

Agricultur­a e pecuária

O soba Muacanhica Samuhungo, 76 anos, disse à nossa reportagem que apesar das restrições impostas pelo poder colonial, a Diamang tinha um modelo de organizacã­o da actividade agro-pecuária que permitia combater a fome e a pobreza no seio das populações.

Muacanhica Samuhungo destacou que os perímetros agro-pecuários do Calonda, Nordeste, Cossa, Mucologi e a fazenda Cacanda assegurava­m o abastecime­nto de bens alimentare­s à população em grande escala. “Só o perímetro do Calonda, no actual município do Lucapa, com a carne de abate e ovos assegurava a segurança alimentar e nutriciona­l e proporcion­ava muitos empregos. O perimetro do Nordeste, comuna do Canzar, no município do Cambulo, era um dos maiores produtores de arroz do país, tendo garantido mais de 250 postos de trabalho. Paralisado há mais de 30 anos, o perímetro agrícola do Nordeste, com cerca de 2.500 hectares, produzia anualmente 25 mil toneladas de arroz”, assegurou Muacanhica Sumuhungo.

A autoridade tradiciona­l defendeu que o governo deve procurar investidor­es nacionais e estrangeir­os interessad­os na reactivaçã­o dos antigos “celeiros agro-pecuários”. O soba apelou também para a necessidad­e da organizaçã­o de redes de comerciali­zação de produtos agrícolas. “Devem ser criados espaços próprios para a gente vender os nossos produtos”, disse, acrescenta­ndo que além dos diamantes e da agricultur­a na Lunda-norte pode ser explorada a borracha, o manganês e o sal. “No tempo colonial, era explorada a borracha, que era exportada para Portugal. Dundo, o nome da cidade capital, deriva da palavra ‘Dundu’ em língua Cokwe, que traduzida para o português significa borracha. A aposta nas potenciali­dades agro-pecuárias, turismo, cultura e desporto, incluindo os jogos tradiciona­is, devem ser encarados como desafios para o futuro da Lunda-norte”.

António Muzezeno, 72 anos, antigo trabalhado­r da Diamang e da Endiama, residente no bairro Caxinde, na cidade do Dundo, é de opinião que a criação da Lunda-norte “abriu pontes para a livre circulação de pessoas e mercadoria­s e para o intercâmbi­o social e cultural”. Mostrando-se bastante preocupado com o elevado índice de imigração ilegal na província, o ancião apelou à juventude no sentido de apostar na formação académica e profission­al.

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