Livros nas bombas de gasolina
De longe vi uma estante tão pequena no canto que quase passava despercebida e a podíamos confundir com a publicidade ou a sinalética dentro da loja: os livros eram edições de bolso e, dentre eles, destacavam-se uma série de “contos selecionados” dos autores franceses Guy de Maupassant, Villiers de L`isleadam, Alphonse Daudet e Guillaume Apollinaire, publicados pela editora portuguesa Zaina, com 30% de descontos e custavam dois mil cento e cinquenta kwanzas.
As folhas brancas dos livros tinham uma cor estranha, metade cor do champanhe e a outra metade algo amarelecidas: eu não estava seguro se era por estarem aí há muito tempo ou se era só mesmo resultado da poeira que, de certeza, entrava pela porta automática daquele espaço climatizado, diferente dos seus semelhantes contentorizados e que, de certeza, foi construído de raíz. Estava numa bomba de gasolina moderna e multifuncional, que inclui loja e café.
As bombas de gasolina não são sítios aos que eu vâ frequentemente a procura de livros, mas, livros aparte,pelo menos para quem viaja de carro, mesmo não sendo ainda as suficientes, são das poucas infra-estruturas que podemos encontrar entre duas cidades, localidades ou vilas depois de uns bons quilómetros percorridos. Nelas as pessoas param para fazer uma pausa, abastecer os carros, comer alguma coisa pré-cozida ou beber algo, esticar os pés caminhando um pouco pela zona arredor da mesma ou, também, comprar um doce, os jornais ou qualquer outra coisa para ler como uma revista.
Exceptuando os camionistas ou aqueles viajantes que percorrem longas distâncias, a maior parte das pessoas não demora muito dentro das bombas de gasolina: é o tipo de estabelecimento comercial para ir buscar rapidamente o que se precisa ou quando se conhece alguma marca de gelado, de vinho ou de cerveja boa que é vendida aí, há quem vai lá à procura de um produto com características muito específicas.
Que eu saiba até 2019 o nosso país tinha mais de novecentas bombas de gasolina distribuídas pelo país, a maior parte delas localizadas nos centros urbanos e nos seus arredores: Luanda tinha um terço delas. Ou seja, associada ao petróleo há, em Angola, uma rota do comércio deste combustível fóssil vinculada às bombas de gasolina utilizadas para distribuilo pelo território, muitas delas com uma estrutura multifuncional.
Mesmo que o cheiro característico da gasolina não seja, propriamente, agradável e o lugar seja potencialmente explosivo, o certo é que a rede de bombas de gasolinas poderia ser utilizada para uma melhor distribuição de alguns produtos culturais como são os jornais e revistas culturais e os livros de poesia, os ensaios e os romances, entre outros, como vemos acontecer noutras partes do mundo.
Não é uma prática nova nem original nem nada que se lhe pareça, mas aqui entre nós, simplesmente, não é bem aproveitada. No dia em que entrei e vi a estante pequena no canto da loja surpreendeu que fossem principalmente livros de autores franceses publicados por uma editora portuguesa os que aí podia encontrar: “cadê, então, os autores angolanos e as editoras angolanas para enriquecer a estante?” – pensei.
É que, por exemplo, se somente a metade delas tenha sido construída de raíz e tenham lojas estaríamos a falar de quatrocentos e cinquenta lugares onde distribuir livros. Para além de ficção e outros géneros, poderiamos incluir literatura técnica e profissional, de singular qualidade, e se pudesse ser comprada antecipadamente pelos donos do combustível que é vendido, talvez pudessem alargar e direccionar o âmbito da responsabilidade social das suas empresas para um objectivo bastante nobre.
Deixo a quem de direito a responsabilidade de certificar se é ou não possível tornar operacional uma démarche como a aqui comentamos, analisando a situação mais de perto, de modo a que as estantes sejam maiores e os livros não passem despercebidos.
A rede de bombas de gasolinas poderia ser utilizada para uma melhor distribuição de alguns produtos culturais como são os jornais e revistas culturais e os livros de poesia, os ensaios e os romances, entre outros, como vemos acontecer noutras partes do mundo