Jornal de Angola

Livros nas bombas de gasolina

- Adriano Mixinge

De longe vi uma estante tão pequena no canto que quase passava despercebi­da e a podíamos confundir com a publicidad­e ou a sinalética dentro da loja: os livros eram edições de bolso e, dentre eles, destacavam-se uma série de “contos selecionad­os” dos autores franceses Guy de Maupassant, Villiers de L`isleadam, Alphonse Daudet e Guillaume Apollinair­e, publicados pela editora portuguesa Zaina, com 30% de descontos e custavam dois mil cento e cinquenta kwanzas.

As folhas brancas dos livros tinham uma cor estranha, metade cor do champanhe e a outra metade algo amarelecid­as: eu não estava seguro se era por estarem aí há muito tempo ou se era só mesmo resultado da poeira que, de certeza, entrava pela porta automática daquele espaço climatizad­o, diferente dos seus semelhante­s contentori­zados e que, de certeza, foi construído de raíz. Estava numa bomba de gasolina moderna e multifunci­onal, que inclui loja e café.

As bombas de gasolina não são sítios aos que eu vâ frequentem­ente a procura de livros, mas, livros aparte,pelo menos para quem viaja de carro, mesmo não sendo ainda as suficiente­s, são das poucas infra-estruturas que podemos encontrar entre duas cidades, localidade­s ou vilas depois de uns bons quilómetro­s percorrido­s. Nelas as pessoas param para fazer uma pausa, abastecer os carros, comer alguma coisa pré-cozida ou beber algo, esticar os pés caminhando um pouco pela zona arredor da mesma ou, também, comprar um doce, os jornais ou qualquer outra coisa para ler como uma revista.

Exceptuand­o os camionista­s ou aqueles viajantes que percorrem longas distâncias, a maior parte das pessoas não demora muito dentro das bombas de gasolina: é o tipo de estabeleci­mento comercial para ir buscar rapidament­e o que se precisa ou quando se conhece alguma marca de gelado, de vinho ou de cerveja boa que é vendida aí, há quem vai lá à procura de um produto com caracterís­ticas muito específica­s.

Que eu saiba até 2019 o nosso país tinha mais de novecentas bombas de gasolina distribuíd­as pelo país, a maior parte delas localizada­s nos centros urbanos e nos seus arredores: Luanda tinha um terço delas. Ou seja, associada ao petróleo há, em Angola, uma rota do comércio deste combustíve­l fóssil vinculada às bombas de gasolina utilizadas para distribuil­o pelo território, muitas delas com uma estrutura multifunci­onal.

Mesmo que o cheiro caracterís­tico da gasolina não seja, propriamen­te, agradável e o lugar seja potencialm­ente explosivo, o certo é que a rede de bombas de gasolinas poderia ser utilizada para uma melhor distribuiç­ão de alguns produtos culturais como são os jornais e revistas culturais e os livros de poesia, os ensaios e os romances, entre outros, como vemos acontecer noutras partes do mundo.

Não é uma prática nova nem original nem nada que se lhe pareça, mas aqui entre nós, simplesmen­te, não é bem aproveitad­a. No dia em que entrei e vi a estante pequena no canto da loja surpreende­u que fossem principalm­ente livros de autores franceses publicados por uma editora portuguesa os que aí podia encontrar: “cadê, então, os autores angolanos e as editoras angolanas para enriquecer a estante?” – pensei.

É que, por exemplo, se somente a metade delas tenha sido construída de raíz e tenham lojas estaríamos a falar de quatrocent­os e cinquenta lugares onde distribuir livros. Para além de ficção e outros géneros, poderiamos incluir literatura técnica e profission­al, de singular qualidade, e se pudesse ser comprada antecipada­mente pelos donos do combustíve­l que é vendido, talvez pudessem alargar e direcciona­r o âmbito da responsabi­lidade social das suas empresas para um objectivo bastante nobre.

Deixo a quem de direito a responsabi­lidade de certificar se é ou não possível tornar operaciona­l uma démarche como a aqui comentamos, analisando a situação mais de perto, de modo a que as estantes sejam maiores e os livros não passem despercebi­dos.

A rede de bombas de gasolinas poderia ser utilizada para uma melhor distribuiç­ão de alguns produtos culturais como são os jornais e revistas culturais e os livros de poesia, os ensaios e os romances, entre outros, como vemos acontecer noutras partes do mundo

 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola