JACQUES ARLINDO DOS SANTOS
Coisas da vida em Angola - 1 A lei, a justiça, os decretos e as portarias
Quero, ao iniciar esta crónica, dedicar umas palavras de apreço e de muito respeito por alguém que nos deixou recentemente. Refiro-me ao doutor Carlos Alberto Ferreira Pinto, que durante anos exerceu altas funções no Comité Central do MPLA. Tinha pedido, há pouco tempo, a sua demissão do cargo de provedor de Justiça. Atitude tão rara entre os seus pares, que vale a pena aqui destacar. Não me lembro de algum dia ter falado com ele. Era um homem em cuja figura se desenhava a verticalidade, e facto é que nunca, pelo menos que eu saiba, vi ou ouvi falar no seu nome associado a qualquer acto menos digno. Faleceu vítima da Covid-19, mas eu penso que a juntar à maldita, ele morreu de uma grande tristeza. Provavelmente por não ver alguns sonhos concretizados. O seu rosto mostrava isso. Rendo a esse homem íntegro e deste modo singelo, a minha sentida homenagem.
Porque falo de justiça, é curial afirmar que tenho entre gente conhecida e alguns dos meus melhores amigos, homens e mulheres, que se dedicam a essa honrosa causa. Não são tão poucos assim. Mas, apesar dessa aproximação pessoal, devo confessar o meu desconhecimento, a minha incapacidade de alcançar o amplo conceito que designa o respeito pelos direitos dos cidadãos, a minha falta de habilidade para encontrar os caminhos, veredas, becos e avenidas por onde todos eles palmilham, lado a lado com as leis e a justiça que defendem. São caminhos que me deixam não poucas vezes angustiado e atónito. E não consigo, por maiores que sejam os meus esforços na tentativa de vislumbrar as regras certas, a metodologia pela qual se rege a vida da Nação, à luz deste domínio específico da lei e da Justiça. Aprofundadas, chego a concluir que elas, a lei e a justiça, são quem fazem os homens e mulheres que as dominam, ou seja, juízes, juristas e advogados principalmente, ser tão amados quanto odiados bastas vezes.
Acontecem por este mundo fora factos bizarros, nos quais se envolvem os profissionais da justiça, e nem a sua intervenção nesses casos absurdos lhes retira o título de doutos e meritíssimos, juízes a decidirem de forma estranha, por vezes incompreensível, a vida, o presente e o futuro dos seus semelhantes. Para pessoas como eu que, de justiça pouco ou nada percebe, ficam difíceis de entender os longos silêncios e os ditames da lei e da justiça. Não há nada que me faça maior confusão às ideias que a interpretação de certas leis que regem a nossa vida e às quais estamos, pela força que elas têm, inteiramente submetidos. Confundem-me ainda mais certos pareceres vertidos e defesas de determinadas causas patrocinadas por advogados e juristas de nome, natural e incontestavelmente inteligentes mas que, apesar disso, no desempenho da sua actividade profissional, dão mostras de estar do lado contrário da verdade, na lógica compreensão do normal cidadão de bem, normalmente pouco conhecedor. Comentam-se então as formas como a justiça é violada, comprada ou vendida.
Há dias ouvi com muita atenção o ministro de Estado e Chefe da Casa Civil do Presidente da República, doutor Adão de Almeida, a discursar no acto de apresentação pública do “Projecto Simplifica 1.0”. Brilhante dissertação que nos aviva a memória sobre o quanto a nossa vida tem sido vivida sob o signo da complicação, desde que alcançamos a independência. A explanação do ministro de Estado obrigou-me a reflectir sobre o Direito e as Leis que regulam a nossa vida e o seu funcionamento. Da Fundamental, que já foi revista e será promulgada brevemente, a todas as outras.caído em mim, pensei que o “Simplifica” não será tão fácil assim de ser posto em prática. Desde logo porque se vai tornar necessário recrutar muitos (pelo menos alguns) funcionários públicos com a capacidade e a ética (alguma ao menos) ou próxima da que revela o doutor Adão de Almeida, para pôr esta máquina que é Angola a funcionar. Por último saltoume à ideia de que no regime colonial, existia a portaria, um acto emitido pelo poder administrativo e que em termos de hierarquia, tinha valor inferior às leis e aos decretos-lei e que, depois da independência nacional, deixei de ouvir falar dela, o que me leva a pensar que não faz parte da nossa ordem jurídica. Porque falo da portaria? Por pensar que se ela existisse e fosse aplicada como era no tempo do colono, as leis seriam mais facilmente regulamentadas e cumpridas e não teríamos necessidade de engendrar projectos como o “Simplifica”.
Sem mais assunto de momento, com os olhos postos na Covid-19 e suas variantes, resta despedir-me dos meus leitores. Até domingo à hora do matabicho.
* Com as devidas desculpas ao autor e aos leitores, o Jornal de Angola repete o texto que saiu no Domingo passado, agora com o título correcto, contrariamente à edição passada, cujo título não correspondia ao texto.
Saltou-me à ideia de que no regime colonial, existia a portaria, um acto emitido pelo poder administrativo e que em termos de hierarquia, tinha valor inferior às leis e aos decretos-lei e que, depois da independência nacional, deixei de ouvir falar dela, o que me leva a pensar que não faz parte da nossa ordem jurídica. Porque falo da portaria? Por pensar que se ela existisse e fosse aplicada como era no tempo do colono, as leis seriam mais facilmente regulamentadas e cumpridas e não teríamos necessidade de engendrar projectos como o “Simplifica”