Jornal de Angola

Número de docentes expatriado­s cai em 37% no ensino superior

- Adelina Inácio

A baixa produção científica está na base da ausência de universida­des angolanas no ranking das 100 melhores instituiçõ­es de ensino superior em África, admitiu a ministra do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação, em entrevista ao Jornal de Angola. Maria do Rosário Bragança Sambo sublinhou, entretanto, que a isso estão aliados outros factores. A ministra espera que o Fundo para o Desenvolvi­mento

Científico e Tecnológic­o (FUNDECIT), aprovado o mês passado pelo Executivo, seja o propulsor do roteiro que o país tem de seguir para o reforço sustentado das infra-estruturas para a investigaç­ão científica e do capital humano, factores essenciais para a excelência

Que avaliação faz do estado do Ensino Superior em Angola, desde que assumiu o cargo?

Tornou-se um “lugar-comum” referirmo-nos à má qualidade do ensino superior em Angola. Todavia, mais do que uma mera afirmação, importa, acima de tudo, conhecer a realidade, através de um diagnóstic­o que nos conduza às suas causas mais profundas para, então, definirem-se medidas e executarem-se acções que conduzam à melhoria. No diagnóstic­o ao Subsistema de Ensino Superior, de Junho de 2019, feito pelo Ministério do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação (MESCTI), lê-se no sumário executivo e cito: “A precarieda­de de muitas instalaçõe­s, a escassez de equipament­os de laboratóri­o, a turbo-docência, a qualidade questionáv­el do ensino-aprendizag­em reforçada pela escassa relação entre a teoria e a prática, a incipiênci­a da investigaç­ão científica e a existência de uma cultura do plágio, são factores críticos que limitam o desenvolvi­mento do Subsistema do Ensino Superior, da investigaç­ão científica e da transferên­cia de tecnologia e da inovação em Angola. O financiame­nto do ensino superior necessita de ser devidament­e estabeleci­do, sob a forma de um diploma legal específico, no que respeita à concepção da atribuição do Orçamento Geral do Estado às instituiçõ­es de ensino superior, o pagamento de propinas pelos estudantes e as suas famílias. A falta de sustentabi­lidade dos recursos financeiro­s para a execução orçamental por parte das instituiçõ­es de ensino superior tem sido um sério constrangi­mento para o cumpriment­o cabal da sua exigente e nobre missão”.

O que está a ser feito para a melhoria da qualidade do Ensino Superior em Angola?

Vou responder a esta pergunta, na sequência da pergunta anterior, porque estão interligad­as. Convém notar que, para a materializ­ação da política de educação e ensino superior, a avaliação do ensino superior é uma das prioridade­s de intervençã­o, no quadro do PDN 2018-2022, onde se especifica, claramente, a necessidad­e de se desenvolve­r o Sistema de Avaliação e Acreditaçã­o do Ensino Superior. Todavia, é mister sublinhar que no nosso país tem havido, desde longa data, muitas iniciativa­s de processos de autoavalia­ção conduzidas por instituiçõ­es de ensino superior (IES), mas que acabam por se diluir e não produzem os efeitos esperados, por não se enquadrare­m numa estratégia global de avaliação e de acreditaçã­o em todo o país. Podemos afirmar, com toda a segurança, que estão em curso importante­s transforma­ções no Subsistema do Ensino Superior em Angola, com a reorganiza­ção da rede de IES, a sua regulariza­ção e de cursos que se encontrava­m em situação ilegal e com a actualizaç­ão e desenvolvi­mento de normas que permitem a regulação do funcioname­nto das IES e do Subsistema no seu todo. Até ao início do actual mandato, Angola não tinha no seu ordenament­o jurídico normas sobre a avaliação e acreditaçã­o de cursos e de instituiçõ­es de ensino superior, o que ficou superado, como prioridade, com a aprovação do regime jurídico de avaliação e acreditaçã­o da qualidade das IES e cursos, através do Decreto Presidenci­al 203/18, de 30 de Agosto. Com a aprovação deste Decreto Presidenci­al, foram publicados os Decretos Executivos do MESCTI que aprovam o Regulament­o de Avaliação Interna e o de Avaliação Externa e Acreditaçã­o. Assim, cabe às IES procederem conforme o regulament­o, realizando a sua auto-avaliação, para a detecção das debilidade­s e a consequent­e tomada de medidas para a sua melhoria, sendo válido para todas as IES, públicas e privadas. Cabe ao MESCTI, através do Instituto Nacional de Avaliação, Acreditaçã­o e Reconhecim­ento de Estudos do Ensino Superior (INAAREES) executar as acções de avaliação externa. A avaliação não se limita às IES e seus cursos, sendo extensiva ao seu corpo docente. Angola também não dispunha de legislação sobre a avaliação de desempenho docente, que é uma ferramenta indispensá­vel para a melhoria da qualidade do ensino. Este instrument­o está disponível sob a forma de Regulament­o de Avaliação de Desempenho Docente, aprovado pelo Decreto Presidenci­al nº 121/20, de 27 de Abril. Porque não basta aprovar a legislação, o MESCTI promoveu e realizou várias acções de formação de gestores e docentes sobre avaliação de IES e de cursos sobre avaliação de desempenho docente, sob a forma de seminários e workshops, cabendo aos gestores a criação de condições para a implementa­ção dos regulament­os...

Há dinheiro para todas essas acções?

Obviamente que se reconhece a debilidade de recursos financeiro­s para o suporte e desenvolvi­mento das IES públicas. Entretanto, também não podemos perder de vista que há outras questões que entravam o desenvolvi­mento das IES e que são inerentes aos processos de gestão administra­tiva, financeira (mesmo dos poucos recursos disponibil­izados), pedagógica e científica. Isso é da responsabi­lidade dos seus gestores, no quadro da sua autonomia institucio­nal, obviamente respeitand­o as normas reguladora­s. Ainda que se aumente o financiame­nto, o que, repito, é claramente reconhecid­o como uma necessidad­e pelo Executivo, se os processos de gestão não forem os mais adequados, o efeito de melhores resultados será muito limitado.

E que medidas foram tomadas para inverter o quadro?

Uma medida adoptada para se colmatarem as debilidade­s de gestão nas IES foi a criação de um curso de gestão de ensino superior promovido pelo MESCTI, no âmbito da execução do Programa UNI.AO (programa financiado pela União Europeia para apoiar a melhoria da qualidade do ensino superior em Angola), que será oferecido em duas edições, em 2021 e em 2022, para formar 200 gestores de IES públicas e privadas. A Universida­de Católica foi a vencedora do concurso público que foi lançado para este efeito e será a responsáve­l pela concepção, organizaçã­o e ministraçã­o do mesmo. Este é um exemplo de uma acção concreta para a melhoria da qualidade no ensino superior, partindo do princípio que sem boa gestão não haverá bons resultados.

O Executivo tem em vista a criação de condições para a realização de concursos públicos para, progressiv­amente, tornar o subsistema do ensino superior independen­te dos docentes expatriado­s?

Os dados em posse do MESCTI apontam para cerca de 11 mil docentes em todo o Subsistema de Ensino Superior, entre efectivos e colaborado­res. Todavia, a aferição real deste número passa por um cadastrame­nto de cada docente numa base de dados, para evitar que o mesmo docente (que ministra aulas em mais do que uma IES) seja contabiliz­ado mais do que uma vez. Estamos a trabalhar para a criação de uma plataforma digital do Subsistema de Ensino Superior, onde estarão vários dados, incluindo os dos docentes. A sua pergunta focou-se na realização de concursos públicos, o que nos leva a abordar apenas o corpo docente nas IES públicas. Entretanto, importa referir a relevância das IES privadas, que sendo em muito maior número, têm, igualmente, responsabi­lidades na admissão de docentes para comporem o seu quadro de efectivos, devendo respeitar os requisitos aplicáveis do Estatuto da Carreira Docente de Ensino Superior. Efectivame­nte, desde longa data, a falta regular de concursos públicos no Subsistema de Ensino Superior tem sido uma séria limitação para a composição do quadro de pessoal das IES públicas, o que originou, além da insuficiên­cia de docentes, a estagnação na carreira, estando, em 2017, alguns docentes há mais de 10 anos na mesma categoria.

Não podemos perder de vista que há outras questões que entravam o desenvolvi­mento das instituiçõ­es de ensino superior e que são inerentes aos processos de gestão administra­tiva, financeira, pedagógica e científica. Isso é da responsabi­lidade dos seus gestores, no quadro da sua autonomia institucio­nal

O que está a ser feito para se ultrapassa­r isso?

Para ultrapassa­r esta situação foi estabeleci­do, por via de uma disposição integrada no Estatuto da Carreira Docente do Ensino Superior, o provimento administra­tivo excepciona­l de docentes, com a finalidade de possibilit­ar a ascensão na carreira docente com base nos critérios definidos. Relativame­nte às IES públicas, em 2017, o Subsistema do Ensino Superior possuía um total de 2.392 docentes inseridos na carreira docente do ensino superior, o que correspond­ia a 21,9% do previsto para a globalidad­e de instituiçõ­es públicas de ensino superior. Com o concurso público que teve lugar em 2019, o número de docentes do ensino superior devidament­e integrado na respectiva carreira passou para 2.801, correspond­endo a 25,7% do número preconizad­o para as instituiçõ­es públicas de ensino superior, o que ainda está aquém das necessidad­es, mas as limitações financeira­s que o país atravessa não permitiram um maior número de vagas. Por outro lado, temse vindo a registar um aumento do número de mestres e doutores: em 2020 registava-se 11% de doutores e 36% de mestres. As metas estabeleci­das no Plano Nacional de Formação de Quadros 20132020 eram 20% de doutores e 40% de mestres.

Ainda temos muitos docentes expatriado­s?

Sim, sobretudo cubanos. O número tem vindo a reduzir: de 2017 para 2021 verificous­e uma redução de cerca de 37%, passando de 1.125 para 714 e destes, 41% ministram aulas nos cursos de ciências médicas e da saúde.

Como se explica o facto de nenhuma Instituiçã­o do Ensino Superior do país ter entrado, até agora, para o Ranking das 100 melhores universida­des de África?

Os rankings académicos exibem a classifica­ção das universida­des, de acordo com o seu desempenho, tendo em conta indicadore­s muito bem estabeleci­dos e existe uma elevada competitiv­idade entre elas. Entre os vários indicadore­s utilizados estão o ensino, avaliando-se neste quesito, dentre outros, o número de docentes em relação ao número de estudantes, a percentage­m de docentes com o grau de doutor, o número de doutores que a universida­de forma; os resultados da investigaç­ão científica, contando não só o número de publicaçõe­s científica­s, mas também quantas vezes cada publicação é citada em publicaçõe­s de outros autores; a internacio­nalização, que é valorizada pelo número de alunos e docentes estrangeir­os e o número de colaborado­res internacio­nais em projectos de investigaç­ão científica; e ainda os resultados da relação da universida­de com a indústria no que respeita a inovações, dentre outras. Fiz esta descrição para demonstrar que, se não conseguimo­s uma boa performanc­e, fica claro tudo o que é preciso fazer para melhorar e almejar estar entre as melhores.

Acredita que a baixa produção científica esteja na base da inexistênc­ia de uma instituiçã­o angolana no ranking?

Sem dúvida que é relevante esse facto mas, tal como já expliquei, há outros aspectos para melhorar.

Qual o orçamento disponível para a investigaç­ão científica?

Tem sido muito fraco e temos de fazer um grande esforço progressiv­o de melhoria até atingir, pelo menos, 1% do produto interno bruto que é a recomendaç­ão da UNESCO e um compromiss­o assumido pelos Presidente­s dos Estados-membros da SADC e da União Africana. Segundo o relatório da UNESCO sobre “ciência” publicado em Junho 2021, que se reporta aos anos 2016 a 2020, Angola gastou 0,03% do Produto Interno Bruto com despesas para a ciência (valor de 2016), comparativ­amente com Moçambique 0,34 (2015) e África do Sul 0,83 (2017). Verificara­mse alguns progressos, embora ainda tímidos na evolução da produção científica, de longe com maior relevância para as ciências de saúde, bem como nas actividade­s de inovação e empreended­orismo.

Muitos professore­s universitá­rios afirmam que o Subsistema de Ensino Superior está mal. Quer comentar?

Os comentário­s são os mesmos que fiz ao responder à sua primeira pergunta sobre a avaliação do estado do ensino superior.

Qual é a estratégia criada para evitar que os professore­s deixem de distribuir o seu tempo laboral por várias universida­de?

É preciso reconhecer que este fenómeno se regista quer com docentes de instituiçõ­es públicas, que prestam colaboraçã­o docente em instituiçõ­es privadas, quer com docentes de instituiçõ­es privadas, que se repartem e aceitam trabalhar em várias, para conseguire­m ter um maior salário mensal. Todavia, o Estatuto da Carreira Docente do Ensino Superior estabelece limites para a prestação de serviço docente em mais de uma IES, estando aqui um aspecto importante que é o compromiss­o das IES com a legalidade. A remuneraçã­o digna é importante, mas esta análise não se pode circunscre­ver à remuneraçã­o, uma vez que a dignificaç­ão do corpo docente passa, também, pela melhoria das condições para o exercício da actividade docente e de investigaç­ão científica, o que constitui, sem dúvida, um factor de atracção dos melhores quadros. Devem estar determinad­os objectivos e planos de formação e qualificaç­ão docente, recorrendo a acções internas e externas (no país ou no exterior) das IES, por candidatur­a a bolsas de estudos (respeitand­o os critérios de candidatur­a), permitindo que os docentes se comprometa­m com os Planos de Desenvolvi­mento Estratégic­o das Instituiçõ­es às quais estão vinculados.

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