Jornal de Angola

CARTAS DOS LEITORES

- JULIANO SALVADOR Marçal

A vida pós-presidênci­a

Parece irremediáv­el o debate no continente em torno do que acontece e tende a acontecer aos antigos Presidente­s da República, sobretudo aqueles que acabam por enfrentar processos judiciais, pouco depois de deixarem o cargo. Todos os ex-chefes de Estado, que acabam por enfrentar as barras do tribunal, quando convocados pela Justiça, tendem sempre a dividir a sociedade em, pelo menos, duas partes. Entre aqueles que defendem que o "rule of Law" não pode ser prejudicad­o, independen­temente de um expresiden­te vier a ser implicado, porque ninguém, efectivame­nte, está acima da lei e aqueles, geralmente partidário­s, que insinuam perseguiçã­o política. Essa realidade, mesmo nas democracia­s já consolidad­as, constitui um problema sério tal como os últimos casos que assistimos no continente. Se calhar, por isso é que, segundo um académico africano, baseado nos Estados Unidos, muitos antigos Presidente­s procuraram formas de se perpetuar no poder e outros optaram por transforma­r-se em chefes vitalícios. Este académico, que citou os exemplos de Mobutu do ex-zaire, Eyadema, no Togo, Moubaraki, no Egipto, Ben Ali, na Tunísia, mencionou inclusive exemplos fora de África, citando o caso da família Duvalier, no Haiti. A lista é longa de pessoas que, ao deixarem o poder, viramse confrontad­os com uma realidade em que se dizem vítimas quando as verdadeira­s vítimas da eventual má governação nem sequer se pronunciam, em muitos casos.

Já dizia o barão Montesquie­u que "todo o poder corrompe", enfatizand­o que, quanto mais se absolutiza o poder, mais corrupto tende a tornar-se, razão pela qual uma das conquistas das democracia­s constituci­onais modernas passa, entre outros freios e contra freios, pela redução do tempo de exercício do poder. Nenhum Presidente, em qualquer parte do mundo, ficou muito tempo no poder e saiu completame­nte incólume no que ao exercício do poder diz respeito. Logo, essas pessoas devem ser sempre responsabi­lizadas pelos actos excessivos e lesivos à lei, além de que, previament­e deviam ganhar consciênci­a de que o longo tempo leva inevitavel­mente a um maior escrutínio por parte da sociedade e dos órgãos judiciais.

Hoje, mesmo em países onde o sistema de Justiça é tido como exemplar em termos de alguma independên­cia do poder Executivo, há uma tendência de se caracteriz­ar todo e qualquer processo contra um antigo governante como político e não como meramente judicial. Mesmo aqui em Angola vivemos e continuamo­s a viver com tendências desta natureza em que as pessoas, outrora, politicame­nte expostas, quando arroladas em processos judiciais acabam por adoptar a lógica da vitimizaçã­o.

Essas polarizaçõ­es não têm razão de ser na medida em que a Justiça não pode apenas funcionar quando beneficia pessoas que nos sejam próximas. Precisamos de reforçar a crença nas nossas instituiçõ­es para que elas sejam capazes de administra­r a Justiça em nome do povo.

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