CARTAS DOS LEITORES
A vida pós-presidência
Parece irremediável o debate no continente em torno do que acontece e tende a acontecer aos antigos Presidentes da República, sobretudo aqueles que acabam por enfrentar processos judiciais, pouco depois de deixarem o cargo. Todos os ex-chefes de Estado, que acabam por enfrentar as barras do tribunal, quando convocados pela Justiça, tendem sempre a dividir a sociedade em, pelo menos, duas partes. Entre aqueles que defendem que o "rule of Law" não pode ser prejudicado, independentemente de um expresidente vier a ser implicado, porque ninguém, efectivamente, está acima da lei e aqueles, geralmente partidários, que insinuam perseguição política. Essa realidade, mesmo nas democracias já consolidadas, constitui um problema sério tal como os últimos casos que assistimos no continente. Se calhar, por isso é que, segundo um académico africano, baseado nos Estados Unidos, muitos antigos Presidentes procuraram formas de se perpetuar no poder e outros optaram por transformar-se em chefes vitalícios. Este académico, que citou os exemplos de Mobutu do ex-zaire, Eyadema, no Togo, Moubaraki, no Egipto, Ben Ali, na Tunísia, mencionou inclusive exemplos fora de África, citando o caso da família Duvalier, no Haiti. A lista é longa de pessoas que, ao deixarem o poder, viramse confrontados com uma realidade em que se dizem vítimas quando as verdadeiras vítimas da eventual má governação nem sequer se pronunciam, em muitos casos.
Já dizia o barão Montesquieu que "todo o poder corrompe", enfatizando que, quanto mais se absolutiza o poder, mais corrupto tende a tornar-se, razão pela qual uma das conquistas das democracias constitucionais modernas passa, entre outros freios e contra freios, pela redução do tempo de exercício do poder. Nenhum Presidente, em qualquer parte do mundo, ficou muito tempo no poder e saiu completamente incólume no que ao exercício do poder diz respeito. Logo, essas pessoas devem ser sempre responsabilizadas pelos actos excessivos e lesivos à lei, além de que, previamente deviam ganhar consciência de que o longo tempo leva inevitavelmente a um maior escrutínio por parte da sociedade e dos órgãos judiciais.
Hoje, mesmo em países onde o sistema de Justiça é tido como exemplar em termos de alguma independência do poder Executivo, há uma tendência de se caracterizar todo e qualquer processo contra um antigo governante como político e não como meramente judicial. Mesmo aqui em Angola vivemos e continuamos a viver com tendências desta natureza em que as pessoas, outrora, politicamente expostas, quando arroladas em processos judiciais acabam por adoptar a lógica da vitimização.
Essas polarizações não têm razão de ser na medida em que a Justiça não pode apenas funcionar quando beneficia pessoas que nos sejam próximas. Precisamos de reforçar a crença nas nossas instituições para que elas sejam capazes de administrar a Justiça em nome do povo.