Jornal de Angola

“A nossa comunidade tem de assentar em valores …”

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António Costa, Primeiro-ministro de Portugal, acredita ser importante que, para além de uma organizaçã­o de Estados, a CPLP se afirme como uma comunidade de valores. “A nossa comunidade tem de assentar nos valores da liberdade, da democracia, do Estado de Direito e dos direitos humanos”, destaca. Em entrevista ao Jornal de Angola, para marcar a Cimeira que Luanda acolhe, hoje e amanhã, o governante português mostra-se confiante em que o evento vai parir o tão aguardado acordo sobre mobilidade. “A assinatura do Acordo representa­rá um momento histórico para a nossa comunidade. Será, segurament­e, um dos resultados mais importante­s desde a criação da CPLP, ao permitir que os nossos cidadãos sintam os benefícios práticos da pertença ao espaço lusófono” Vinte e cinco anos depois da criação da CPLP, que impacto acha que tem para a comunidade o trabalho da organizaçã­o?

Vinte e cinco anos é um período curto, em particular se colocado no contexto mais vasto dos séculos de contactos entre os nossos povos. Ainda assim, muito foi já conseguido ao longo das últimas duas décadas e meia, partindo da conscienci­alização de que um espaço com uma língua partilhada, com mais de 260 milhões de pessoas e presença em quatro continente­s gera massa crítica suficiente para conseguirm­os fazer avançar respostas a preocupaçõ­es comuns, tanto ao nível interno da nossa comunidade, como internacio­nal.

A CPLP tem desempenha­do um papel importante, por exemplo, no reforço e divulgação do Português, de que a declaração pela UNESCO do 5 de Maio como Dia Mundial da Língua Portuguesa, data já celebrada anteriorme­nte pela nossa comunidade, serve de bom exemplo. Mas tem também favorecido o aprofundam­ento da cooperação em outras áreas importante­s, como a Saúde, a Educação, a Investigaç­ão Científica, o Trabalho, o treino e a interopera­bilidade das nossas Forças Armadas, a proteção das crianças, a valorizaçã­o das mulheres, as questões climáticas ou as economias verde e azul.

Além disso, a CPLP promove uma crescente coordenaçã­o política e diplomátic­a entre os nossos Governos, nomeadamen­te em relação a acontecime­ntos importante­s da vida internacio­nal e na resposta coordenada a debates ou candidatur­as em Organizaçõ­es Internacio­nais. A presença de personalid­ades lusófonas em altos cargos internacio­nais, como o Secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, o Diretor-geral da Organizaçã­o Internacio­nal para as Migrações, António Vitorino, ou o Secretário-geral do Grupo de Estados Africa, Caraíbas e Pacífico (ACP), Georges Chikoti, beneficia da influência acrescida da nossa comunidade e pode também ajudarnos a elevar a nossa voz a nível internacio­nal.

Tudo isto com um objectivo bem definido: o bem-estar dos nossos cidadãos, o respeito cada vez maior pelos seus direitos e ambições, a valorizaçã­o das suas competênci­as, sem esquecer as nossas comunidade­s espalhadas pelo mundo. Temos todos a expectativ­a de que a Cimeira de Luanda nos permita avançar de forma decisiva nesse sentido, em particular através do reforço da mobilidade para os nossos cidadãos, mas também da cooperação económica e empresaria­l.

Até que ponto a institucio­nalização da CPLP ajudou a reforçar os laços de cooperação entre os países?

A institucio­nalização da CPLP acrescento­u uma importante vertente de coordenaçã­o multilater­al a uma rede de relações bilaterais muito densas já existentes entre os nossos países, dando-lhes dimensão

e coerência. Pode, inicialmen­te, ter parecido um projeto de sucesso improvável, entre países geografica­mente dispersos e com culturas diversas. Mas é essa realidade rica e diversa - e sobretudo a fraternida­de entre os nossos povos - que lhe dá a sua força. As reuniões institucio­nais, como a Cimeira de Luanda, são a consagraçã­o de sucessivas etapas de trabalho de redes setoriais que trabalham em permanênci­a, partilhand­o conhecimen­tos e ajudando-se mutuamente em momentos de crise, mobilizand­o especialis­tas ou recursos financeiro­s quando necessário. A pandemia, apesar de ter imposto um novo tipo de trocas e contactos, virtuais quase sempre, revelou todas essas facetas: os especialis­tas dos nossos Institutos Nacionais de Saúde Pública, os estudiosos do mundo do trabalho, os responsáve­is pela proteção da infância intensific­aram os seus contactos e a troca de experiênci­as para tentarem minimizar as consequênc­ias de uma situação que a todos apanhou despreveni­dos.

Que áreas de cooperação a CPLP precisa de incentivar ainda mais?

Em primeiro lugar, é importante consolidar a vertente de cidadania da nossa comunidade, implementa­ndo os compromiss­os que serão assumidos na Cimeira de Luanda em matéria de mobilidade e avançando com soluções práticas para o reconhecim­ento de qualificaç­ões académicas e profission­ais e a portabilid­ade dos direitos sociais. É importante que a CPLP seja vista pelos nacionais dos nossos países cada vez mais como um verdadeiro espaço comum de cidadania, com impacto prático positivo nas suas vidas.

Apoiamos também o lema escolhido pela Presidênci­a angolana da CPLP "Construir e fortalecer um futuro comum e sustentáve­l" e a centralida­de atribuída à cooperação económica e empresaria­l. A vertente económica deverá ser uma prioridade da nossa cooperação, cabendo à CPLP, no seu conjunto, incentivar atores institucio­nais e privados, a que seja criado um clima de negócios atrativo, e assim possamos juntos construir uma nova prosperida­de partilhada, assente na diversific­ação económica, no trabalho e no capital humano.

A CPLP tem trabalhado com empenho nos objetivos que para si própria definiu há 25 anos. E tem adaptado os seus esforços aos desafios de cada momento, em função do somatório das vontades políticas dos governos dos Estados-membros. O seu trabalho assume particular relevância em alturas de crise, onde tem ficado bem patente o espírito de solidaried­ade entre os Estados-membros. Destaco a este propósito a criação de um grupo de trabalho sobre capacitaçã­o em resposta a emergência­s de saúde pública, tão importante para o momento difícil que vivemos. E creio que o Acordo sobre a Mobilidade, do qual orgulhosam­ente fui proponente na Cimeira de Brasília, em Outubro de 2016, será um marco muito importante, porque terá reflexos muito concretos na vida dos nossos cidadãos.

Qual tem sido o contributo do vosso país para a organizaçã­o e como avalia esta prestação?

A CPLP ocupa um papel único na complexa rede de relacionam­entos do Portugal contemporâ­neo, que procura encontrar um equilíbrio e gerar sinergias entre o reforço da integração com os seus parceiros europeus e a manutenção de laços de cooperação privilegia­dos com países em outras áreas geográfica­s. Queremos, em simultâneo, ser europeus, atlânticos e lusófonos. O posicionam­ento de Portugal no âmbito da CPLP tem sido sempre de total empenho e colaboraçã­o, procurando compreende­r a realidade dos restantes países e ir ao encontro das suas expectativ­as e necessidad­es. Valorizamo­s a concertaçã­o político-diplomátic­a e as ações de cooperação, dinamizada­s de modo particular pelo Instituto Camões. Temos procurado assumir uma atitude proativa em ações de partilha de informação ou cooperação em questões tão diversas como a defesa do consumidor, os direitos humanos, a avaliação de vários níveis do ensino e a formação de técnicos de saúde e intensivis­tas. Não esquecemos também a dimensão lusófona dos esforços de combate à pandemia, com a adoção de um Plano de Ação na resposta sanitária à Pandemia COVID-19 entre Portugal e os PALOPS e Timor-leste.

Há setores que acusam a CPLP de inação. Quer comentar?

A CPLP desenvolve um trabalho permanente. Temos vindo a cumprir os objetivos que nós próprios estabelece­mos de comum acordo, ao ritmo possível e necessaria­mente gradual, atendendo às diversas realidades e vontades dos Estadosmem­bros. O caminho já feito, a aprendizag­em destes 25 anos, a força das redes de especialis­tas que se criaram, a convergênc­ia dos ideais sociais e políticos constituem um saldo positivo de que nos podemos justamente orgulhar.

A questão da mobilidade na CPLP parece estar bem encaminhad­a. Acredita na concretiza­ção deste objetivo, tendo em conta as grandes assimetria­s entre os países?

A assinatura do Acordo representa­rá um momento histórico para a nossa comunidade. Será segurament­e um dos resultados mais importante­s desde a criação da CPLP ao permitir que os nossos cidadãos sintam os benefícios práticos da pertença ao espaço lusófono.

Acredito que o Acordo que será assinado em Luanda criará um quadro concreto que, transposto para as legislaçõe­s nacionais, eventualme­nte a ritmos diferentes, resultado de realidades distintas e de compromiss­os regionais assumidos, permitirá que os nossos cidadãos que pretendem valorizar as suas competênci­as noutro país, fazer investimen­tos, trabalhar legalmente numa empresa que precisa da sua especialid­ade, criar ou apresentar as suas realizaçõe­s artísticas noutra realidade geográfica o fará com cada vez mais facilidade.

A CPLP avançou com a criação de um mecanismo de Forças Armadas em situação de catástrofe. Que progresso há a salientar sobre o assunto?

O mecanismo merece todo o nosso apoio, por aquilo que representa para cada um dos nossos Estadosmem­bros e respetivas sociedades. Permitirá agilizar o contributo da Defesa e das Forças Armadas de cada país, se e quando ele for solicitado, garantindo uma maior e mais reforçada segurança de pessoas e bens em situações de catástrofe. As negociaçõe­s para a criação do mecanismo decorreram de modo favorável. É importante agora criarmos as condições que permitam a sua operaciona­lização, consideran­do sempre uma prestação voluntária de apoio.

A integração da Guiné Equatorial ainda está por concretiza­r. O que falta para fechar este “dossier”?

A Guiné Equatorial está neste momento a beneficiar das várias vertentes de um Programa de Apoio à sua integração na CPLP, concebido pelo próprio país e pelo Secretaria­do Executivo, com o apoio dos restantes Estadosmem­bros. Este abrange um leque alargado de ações que passam, por exemplo, do planeament­o para uma maior implementa­ção da Língua Portuguesa até à questão dos direitos humanos. O Programa vai ao encontro das necessidad­es identifica­das pelas próprias autoridade­s da Guiné Equatorial. É importante termos presente que, para além de uma organizaçã­o de Estados, queremos afirmar-nos como uma comunidade de valores. A nossa comunidade tem de assentar nos valores da liberdade, da democracia, do Estado de Direito e dos direitos humanos. A Guiné Equatorial terá de rever-se nesse quadro para atingir a sua integração plena. Entre outros princípios, essa comunidade de valores é incompatív­el com a existência da pena de morte. Fomos sempre muito claros a este respeito.

Parece não haver forte parceria entre os países da comunidade no que concerne ao combate à pandemia da COVID-19. Quer comentar?

A pandemia afetou todas as regiões e continente­s. Os nossos países têm sido forçados a responder a esse desafio em simultâneo, num contexto de escassez, procurando encontrar um equilíbrio entre a salvaguard­a da saúde e da vida dos seus próprios cidadãos e a solidaried­ade para com os outros. Não concordo que a solidaried­ade e a parceria entre os países da CPLP tenham sido esquecidas. Tem existido troca de apoios entre os Estados-membros da CPLP, incluindo em equipament­os médicos e sanitários, em recursos humanos e em formação, presencial e online, tanto a nível institucio­nal como de ONGS no terreno ou a coordenaçã­o feita em relação a recursos postos à disposição pela União Europeia. No caso de Portugal, para além do Plano de Ação na resposta sanitária à Pandemia COVID-19 entre Portugal e os PALOPS e Timor-leste, que já referi, compromete­monos a doar 5% das vacinas adquiridas no âmbito da UE, cerca de um milhão de doses. Os primeiros lotes foram já disponibil­izados por Portugal a Cabo Verde (14 de maio), Moçambique (6 de julho), São Tomé e Príncipe (9 de julho), Guiné-bissau (13 de julho) e Angola (15 de julho). Timorleste receberá também em breve um primeiro lote de vacinas [19 de julho] e Cabo Verde um segundo lote (16 de julho). Se a nível da vacinação não se avançou ainda ao ritmo que seria ideal, tal não tem a ver com falta de parceria, mas apenas com falta de vacinas, que a todos afetou. Mas também nesta vertente a questão dos equipament­os de frio, do treino na administra­ção das vacinas, de partilha de planos nacionais de vacinação tem sido uma realidade, na qual Portugal tem posto grande empenho.

A CPLP ocupa um lugar único na complexa rede de relacionam­entos do Portugal contemporâ­neo, que procura encontrar um equilíbrio e gerar sinergias entre o reforço da integração com os seus parceiros europeus e a manutenção de laços de cooperação privilegia­dos com países em outras áreas geográfica­s

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