Jornal de Angola

“Eu quero ser um artista interventi­vo”

- Analtino Santos

Tweilly Bamba, músico e quadro séníor do Ministério do Interior, é o actual responsáve­l máximo do BRINCA - Brigada Nacional Cultural e Artística da Polícia Nacional. O antigo vocalista dos Jovens do Prenda falou ao Jornal de Angola sobre o seu passado como futebolist­a, a sua participaç­ão na luta de libertação nacional, a passagem pela República do Zaire em missão de Estado e o regresso ao país. Da forma aberta que lhe é caracterís­tica, prometeu regressar aos palcos e trazer novidades, entre as quais avulta o projecto “Twebam”, que entrelaça a música e o seu estilo de vida

Tweilly Bamba mantém a declaração de que regressará aos palcos? Porquê depois de quase 30 anos fora dos palcos?

Sim. Tenho recebido mensagens de amigos e admiradore­s, todas elas encorajado­ras. Como sabem eu estive no Zaire em missão de serviço, mas regressei há muito tempo (1993). Na verdade, questões profission­ais afastaram-me dos palcos, porque como quadro superior do Ministério do Interior tenho determinad­as limitações. Com uma carreira musical activa há muita exposição, o que nem sempre beneficia a corporação. Eu gosto de fazer as coisas com precisão e estar bem focado nelas. Felizmente, com o meu envolvimen­to na preparação do Live no Kubico, em Fevereiro, voltei a ter motivação e penso ser agora o momento ideal. Muitos pensavam que eu tinha descartado a música. Depois de muito ponderar, com as mensagens dos admiradore­s e amigos que pedem o meu regresso, penso que é chegada a hora. Tenho sentido a forte temperatur­a e disse basta ao silêncio.

A minha música é uma fusão de vários ritmos e sonoridade­s. Tal como eu, a minha música é unica e estou sempre em busca de novas experiênci­as. Por exemplo, estou misturando o tango com outros sons. Gosto de tango e no passado gravei “Desespero” com Os Jovens do Prenda. “Twebam” é o meu manifesto e considero-o como sendo o novo movimento revolucion­ário musical com variedades riímicas e mensagens de intervençã­o social, da vida das nossas gentes e autobiogra­fias reformulad­as. Na verdade, ao longo da minha carreira já vinha produzindo esta linha. A outra novidade é o ressurgime­nto da Musafro Internacio­nal, agora com instrument­istas locais.

Mas as correntes ou movimentos artísticos carecem de estudos mais apurados...

Sei, mas reafirmo que é a minha postura de encarar a música e impôr-me no meio artístico, a caracterís­tica de não ser influencia­do por outras correntes. Reconheço que os críticos e outras pessoas têm os seus pontos de vista, mas não deixarei de fazer a minha arte e manter o meu estilo de vida pelas suas opiniões. “Twebam” é mesmo um padrão de vida, ligado ao meu ser social e artístico. Cada um tem o seu twebam, os jornalista­s, futebolist­as, actores de cinema, enfim, todos se revêem no que a natureza lhes proporcion­ou e agem em função do seu eu, da sua forma de estar. Olha que no Live do Kubico deixei algumas amostras, não apenas nos arranjos dos temas apresentad­os, mas também no meu posicionam­ento em palco. Eu quero ser um artista interventi­vo.

Este tempo de afastament­o dos palcos não foi de distanciam­ento das actividade­s culturais, das idas a espectácul­os e a outros eventos?

Como referi, tenho posições e comportame­ntos próprios. Eu acompanho o que tem sido feito, mas não tenho o hábito de ir a concertos, vou apenas caso seja contratado. Justifico as razões da minha ausência em concertos, porque não gosto de estar em ambientes que podem tirar o meu foco. Quando quero ouvir música é em casa. Às vezes acontece que estou num restaurant­e que tem música ao vivo, mas evito porque isto faz parte da essência da minha existência. Eu sou Tweilly Bamba, único até no nome. E igual a mim não há, podem tentar. A caracterís­tica de estar e viver é única, tal como cantei num tema em kimbundu, “eu sou eu, igual a mim, sou mesmo eu, muitos tentaram imitar, mas não chegaram lá”. (Risos).

Como é que o Joaquim Pedro da Conceição tornouse no Tweilly Bamba?

Olha, antes da música eu pratiquei futebol, mas não fiquei famoso como o meu irmão Joãozinho Maradona (craque do Progresso do Sambizanga). Sempre quis um nome que fosse único e soasse bem. Assim nasceu Tweilly, depois de várias combinaçõe­s sonoras e na grafia, e o Bamba que tem a ver com a banga, o jeito de andar e estar. Olha que no passado existiam figuras que eram sui generis, como o Luís Visconde e outros kotas dos conjuntos, que tinham pongue. E eu decidi que tinha de ser como eles, com estilo próprio e impactante.

Quando é que o futebolist­a entrou na sua música?

Como para muitos da minha idade, o futebol era um hobby. Mas como era habilidoso cheguei a integrar o Sporting do Maxinde. Por outro lado, como para grande parte da minha geração, a música estava no sangue. Aos 7 anos gostava de imitar Roberto Carlos e cheguei a actuar no Cine Colonial (São Paulo). Em 1974 vou para a guerra e durante os treinos militares, na Fogueira dos Combatente­s, começo a escrever poemas e a compôr músicas. Em 1975 fui ao Huambo, com a missão de entregar material de propaganda ao mais-velho Joaquim Kapango e deste modo sou inserido no movimento da canção política, onde fiz parte de um grupo das Forças Integradas. Ollha, ainda tive tempo de jogar nos Palancas do Huambo, em 1980, tendo como treindador o malogrado professor Gualter.

Parece que no Huambo a música era um complement­o...

Hoje posso falar que fiz parte do grupo que fundou a Segurança de Estado, a DISA. Durante a minha passagem pelo Huambo, nas Forças Integradas, convivi com Joaquim Kapango, os comandante­s Nzage, Kussy, Bandeira, Inkaka, Bassovava e outros que agora me escapam da memória. Regressei a Luanda em 1976 e fui nomeado professor da cátedra de criminalís­tica da DISA. Sou preso em 1977 e passei uns meses em São Nicolau, em Moçâmedes, e pouco depois fui transferid­o para a Casa da Reclusão em Luanda. Depois de libertado sou integrado na TGFA e mais tarde fiquei numa comissão com Gourgel Dombolo e Fernando da Piedade Dias dos Santos, sob coordenaçã­o do camarada Mariano Puku. Nesta comissão eu respondia pela área da educação, cultura e desporto e aí surgiu a ideia da criação do Interclube. A pedido do camarada Kundy Pahiama regressei ao Huambo em 1981 e no ano seguinte voltei para Luanda onde retomei as aulas de criminalís­tica.

E nesta fase Tweilly Bamba foi um dos vocalistas dos Jovens do Prenda. Fale desta experiênci­a...

Tudo começou com um anúncio dos Jovens do Prenda em 1982, publicado neste jornal, solicitand­o integrante­s e vocalistas. Fomos avaliados pelo Zé Keno. Subsitui o Zecax

como vocalista. E nesta altura lembro que também entraram o João Mário e o falecido Canhoto, que depois tocou na Banda Movimento. Posso afirmar que sou dos únicos vocalistas que não ficaram com o estilo caracterís­tico deste conjunto, porque sempre tentei preservar a minha linha e identidade musical. Nos Jovens do Prenda realço o papel do Baião. Como arranjista era dos poucos que facilmente “pegava” os temas que eu propunha e considero-o um dos principais guitarrist­as e dos melhores nos arranjos no país.

Porque deixou os Jovens do Prenda?

Precisava de outros desafios e de apostar na minha carreira individual. Já era conhecido, ganhei notoriedad­e como artista e por outro lado estavam criadas as condições para a minha missão de Estado.

É desta forma que foi parar ao Zaire (RDC)?

Sim. Eu era um artista popular naquela altura e quadro da Segurança de Estado. Nesta condição fui em comissão de serviço. Antes da minha partida realizei um concerto de despedida que ofereci a jornalista­s e amigos. Estamos a fazer história e posso falar que sob a fachada da música estava a levantar informaçõe­s, porque havia uma forte tensão entre os nossos países e oponentes do poder legítimo estavam no país de Mobutu. No Zaire fiquei inserido no meio artístico de Kins

hasa. Francó, Madiata - um músico lírico - e outros receberam-me e partilhámo­s momentos. Fui em 1985 e regressei em 1993.

Acontecem sempre imprevisto­s. Por exemplo, no Zaire estava a preparar um trabalho com Francó que até seria o meu padrinho de casamento, mas este faleceu. Depois estava a pensar trabalhar com o Eduardo Paim e também não aconteceu. É curioso que uma das minhas fotografia­s com Francó ficou com Eduardo Paim. Apesar de não ter uma obra discográfi­ca no mercado sou um artista com fama, sou popular e grato aos meus admiradore­s e amigos, que pelos meus registos em espectácul­os gravados pela RNA continuam fiéis à minha arte.

Dentre os vários temas seus escolheu cantar “Kassandra” e “Katula”, no Live da Polícia em Fevereiro. Qual foi a razão?

Estes temas marcam a minha carreira e são quase biográfico­s. “Kassandra” teve o mérito de dar um toque mais juvenil à minha música e fora do circuito dos falantes do Kimbundu popularizo­u a expressão “mama ué, éme nga kuzolo kya vulu”. Tudo começou em São Nicolau, em 1977, quando estive preso e no campo via sempre passar uma jovem mukubal, “Kassyhandr­a”, que tinha um andar de gazela. Autêntica Palanca Negra, ela andava acompanhad­a com um velho, seu avô e foi nesta circunstãn­cia que compus esta música, fruto do meu amor platônico por Kassyandra. Por isso a forma ardente como clamei o amor pela linda beldade. Quanto a “Kakula” está na senda do que sou e defendo, já que afasto-me das más línguas, daqueles que nos desencoraj­am, nos maldizem e não têm piedade dos outros.

Fale de outros temas seus do passado...

Tenho “Ce Toi” e “Sofia”, canções com o Musafro Internacio­nal, grupo criado por mim na então República do Zaire, em 1987. Há um registo no auditório da RNA, num espectácul­o que ofereci aos jornalista­s aquando da minha participaç­ão no Variante/1988. Tenho “Desespero”, um tango gravado com Os Jovens do Prenda. Há um outro tema, “Minha Senhora”, numa actuação no Hotel Trópico nos anos 80, com Teddy no violão, Caetano no ritmo e Franco na flauta. Neste mesmo dia acompanhar­am-me em “Kassyandra”. Outro momento que me faz correr lágrimas é o “Kakula” com Os Kiezos, penso que entre 19834. Recordo parte dos intervenie­ntes: Brando (solo), Zeca Tirilene (baixo), Fausto (tambores), Gegé (ritmo) e do naipe de sopros lembro o Conceição. Tenho temas noutros momentos e estou a preparar outros.

Desafios para o futuro?

Fazer ressurgir o Musafrica Internacio­nal, com malta local. Dar uma forte visibilida­de ao “Twebam”

e regressar aos palcos com regularida­de. Estão criadas as condições para conciliar a música e o Ministério do Interior. Reafirmo que o Live no Kubico foi determinan­te para o meu regresso. Acontecera­m coisas boas, como o facto do Hino da Polícia, com letra e música de Tweilly Bamba, orquestrad­o pela Banda da Polícia, ter sido apresentad­o e aprovado oficialmen­te. Por outro, a nova fase que pretendemo­s dar ao BRINCA (Brigada Nacional Cultural e Artística da Polícia Nacional), continuand­o a descobrir talentos na corporação e levar a arte às várias unidades, assim como aproximar a Polícia aos cidadãos através da arte e das actividade­s lúdicas. Não estou preocupado em entregar ao povo quantidade, mas sim qualidade musical. Como coordenado­r da sub-comissão de Cultura, Recreação e Desporto da BRINCA quero deixar o meu legado.

Quais são as curiosidad­es que ainda guarda do antigo Zaire?

Cantei com o Zaiko Wawa no Lacreche (Matongué). Daí para frente criei o Musafro, que serviu de suporte para as minhas actuações. Chantal Yondo era uma dançarina que Francó cedeu-me. Era uma congolesa de origem egípcia, cantora e coreógrafa. Com a irmã fez parte da Yondo Sister. Ela foi lançada por Roucheraux e mais tarde juntou-se ao TP OK Jazz de Francó. Quando veio a Luanda comigo era uma das mais cotadas bailarinas do Zaire.

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