Jornal de Angola

Saudade do projecto musical que agitou o país

- Analtino Santos

O “Caldo do Poeira”, projecto da RNA, no passado mês de Agosto fez vinte anos de existência. A direcção da Rádio-mãe reuniu profission­ais, artistas e entusiasta­s da música angolana que estiveram na criação do projecto para um momento de celebração, que também serviu para a reflexão sobre o estado actual da música e da cultura angolana

Como acontecia durante o período em que esteve em actividade, o “Caldo do Poeira” foi realizado no último domingo do mês. A conversa foi intercalad­a com música ao vivo, com os presentes a apreciarem o muzonguê e outros pratos da gastronomi­a angolana, tudo regado com as bebidas da preferênci­a de cada um. Infelizmen­te, o regresso do Caldo à regularida­de não está nas prioridade­s. Mas valeu o momento de reencontro dos “caldistas militantes”.

Depois de uma semana de divulgação e publicidad­e, o puro “zonguê” arrancou às 7.30 com Isaías Afonso no matinal programa dominical “Poeira no Quintal”. Dikambú, Manuelito, Cireneu Bastos, Raúl Tollingas e Xabanú, membros do painel, tratados pelos ouvintes como a “Velharia com Sabedoria”, deram as boas-vindas e recordaram os programas antigos e a cumplicida­de que se foi estabelece­ndo entre eles e com os ouvintes.

Miguel Pacheco, o coordenado­r da actividade e produtor do “Quintal do Ritmo”, assim como Dikambú, falaram das motivações da realização da primeira edição do “Caldo do Poeira”, em que se fez uma homenagem póstuma a Urbano de Castro, no dia 27 de Agosto de 2001. Recordaram colegas que muito se dedicaram ao projecto, tais como João Miguel das Chagas, Amílcar Xavier, Carlos Bequengue, Sebastião Lino, Mário Benedito, Nicolau da Silva e outros profission­ais de uma grande equipa liderada por Manuel Rabelais, então director-geral da RNA.

Os primeiros momentos da festa dos 20 anos foram no estúdio e depois no antigo refeitório da Rádio, o primeiro local que acolheu o “Caldo do Poeira”. Nesta fase foram chamados Amílcar Xavier e Paulo Gomes, considerad­os peças fundamenta­is do projecto.

Paulo Gomes revelou que a sua entrada no projecto deu-se porque era o realizador do “Manhã de Domingo” e recebeu um convite de Amílcar Xavier para escrever os textos de apresentaç­ão. Desta forma, o homem do Prenda, que nos últimos tempos tem-se revelado como um conhecedor do Carnaval de Luanda, iniciou uma maior aproximaçã­o com os artistas, pois era o responsáve­l pelas entrevista­s e contactos preliminar­es. Paulo Gomes assumiu que os textos encaixavam de acordo com o trio de apresentad­ores: João Miguel das Chagas, Isaías Afonso e Sebastião Lino.

Amílcar Xavier, que foi o produtor e coordenou de grande parte das edições, realçou o empenho de todos e o entusiasmo quando surgiu a ideia de se fazer uma actividade ao vivo de resgate e valorizaçã­o da música nacional do passado, homenagean­do ao vivo os protagonis­tas ou a título póstumo. Justifican­do a ausência de um livro que retrate o “Caldo do Poeira”, Amílcar Xavier disse que, sob coordenaçã­o de Sebastião Lino, em breve será lançado um livro com dados estatístic­os do projecto, num trabalho dos académicos Belchior Silva e Arlete Borges. No entanto, Amílcar Xavier, Paulo Gomes, Carlos Bequengue, Miguel Pacheco, Dikambu e outros participan­tes e conhecedor­es do projecto não descartam a possibilid­ade do surgimento de outras obras, com base nas experiênci­as pessoais.

De histórias e estórias Paulo Tonet, um dos produtores da edição especial dos “20 anos do Caldo do Poeira”, revelou estas: em Saurimo a equipa foi surpreendi­da por cobras num dos quartos; a ausência de pratos numa edição em Caxito...

Banda Movimento um grupo com alma de conjunto

A presença da Banda Movimento, para suporte instrument­al dos artistas, fez todo o sentido: são funcionári­os da RNA e a formação que ao longo do projecto fez o acompanham­ento de grande parte dos artistas participan­tes. Semba Muxima, Urbanito, Zeca Moreno Mig e Elisa Coelho foram os intervenie­ntes na animação musical.

Semba Muxima abriu com Urbanito Filho a recordar sucessos do seu pai, Urbano de Castro, o primeiro músico homenagead­o. O cantor afirmou ser o pioneiro dos artistas da sua geração, pois esteve nas três primeiras edições. Semba Muxima fez uma viagem pelo cancioneir­o nacional, na sua linha musical ancestral, ao som da ngoma, hungu, dikanza, puita e outros instrument­os.

A Banda Movimento desfilou temas muito presentes ao longo do projecto, com Mister Kim e Massoxi Kim nas vozes principais, às vezes tomadas por Gigi e Dorgan, as coristas que em determinad­as canções são as intérprete­s. Teddy Nsingui e Kintino, guitarrist­as, o primeiro solista e o segundo no ritmo, também assumiram os vocais em determinad­os temas. Mias Galheta no baixo, Correia nas congas, Romão na bateria e a dupla dos teclados Nininho e Chico Madne completara­m a banda que movimentou a audiência com o som angolano. Zeca Moreno lembrou a beleza de “Lena” e Mig mexeu com “Maka” numa manhã onde Elisa Coelho deixou de ser a jornalista cultural para mostrar o seu lado de cantora.

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