Jornal de Angola

A alegria de escrever

- Waslawa Szymborska

Onde corre a corça escrita na floresta escrita?

Ela beberia na beira da água escrita quem copia o seu focinho como papel químico?

Por que está ela levantando a cabeça, ouvindo algo?

Ela toma de empréstimo suas quatro patas da coisa real, e, sob meus dedos, ela escuta.

Silêncio – esta palavra também arranha o papel

Removendo os ramos, retirados directamen­te da palavra "floresta". Acima da folha branca, eles estão prontos para transpor aquelas letras miúdas que podem converters­e em erro, essas frases que cercam de perto sem qualquer hipótese de salvação.

Existe, em uma gota de tinta, uma reserva sólida de caçadores, olhos estreitos e fixos na presa, pronto para descer a perigosa encosta da caneta, para atacar a corça e nela fazer a mira.

Eles terão esquecido que isso não é vida. Outras leis, a preto e branco, governam este país.

Uma piscadela vai durar o tempo que eu quiser, ele se deixará esculpir em pequenas eternidade­s cada um cheio de bolas suspensas no meio do vôo.

Nada jamais acontecerá, se eu ordenar desta forma, nem uma folha que caia sem que eu decida, nenhuma folha de grama se curva sob a ponta do casco.

Então há um mundo cujo destino eu governo soberaname­nte?

Hora de acorrentar placas?

Existência, por minha ordem, imperecíve­l? Alegria de escrever. Poder para manter. Vingança da Mão

Mortal.

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